Todos os anos fazemos uma reunião com os diferentes centros para dar conhecimento das atividades do conselho nacional e recolher informações e sugestões. A reunião não correu mal. Chegou a hora do almoço. Sentei-me junto de alguns conselheiros e convidados. Uma estratégia pensada, confesso. Assim, tenho sempre a possibilidade de entabular conversas com os meus colegas, ouvir e meter a colherada nas falas dos outros e interpelar os convidados, mas o que eu gosto mais é de os ouvir. Almoço muito agradável. Alguns dos convidados eram exímios contadores de histórias, sem que se apercebessem, pensei eu. Apetecia-me descrevê-las, mas foram tantas que eu não saberia por onde começar nem como acabar. Pode ser que noutra altura encontre o tal elo indispensável para as narrar. Uma das conversas prendeu-se com o sismo de Lorca e, logo de seguida, com o comportamento dos romanos por causa de uma “profecia” proferida há muitos anos - parece que foi feita por um cientista -, segundo a qual iria haver um sismo em Roma no dia 12 de maio. De facto, nesse dia, à noite, na televisão, o assunto foi alvo de destaque. Mais de um quarto da população da cidade papal levou aquilo mesmo a sério. Tanta gente crédula, disse eu, ainda são piores do que os portugueses.
À hora do jantar, muito longe da capital, ouvia, na televisão, de boca aberta, o “estranho” fenómeno do sol ocorrido em Fátima. Mas o que é que se terá passado? O locutor fez a descrição, e algumas pessoas, que foram interpeladas, descreveram um milagre do sol! A forma como narraram encaixava-se perfeitamente na mais pura credulidade humana, a raiar a patetice. Não perdi o apetite, mas recordei-me de que em pequeno, quando comecei a ouvir o famoso milagre do sol, que “dançou” em Fátima, ter questionado de forma abrupta os meus familiares. A minha mãe quis convencer-me do milagre, porque o meu avô lhe tinha contado o que tinha acontecido, até tinha saído no jornal e tudo. Mas como é que o sol se aproximou da terra e depois voltou para o lugar dele? Só viram em Fátima? E nem todos viram, pois não? E por que é não viram o milagre noutros locais e noutros países? O sol não é o mesmo? E o sol não queimou as pessoas? Não é perigoso olhar para o sol? Enfim, presumo que a minha bateria de perguntas infantis tenha ido muito mais longe. Fi-las de rajada, para que não me mandassem estar calado, como era hábito sempre que abordava certos assuntos. Era muito miúdo, e sentia que não tinha capacidade argumentativa para neutralizar os esforços e, sobretudo, contrariar uma autoridade ditatorial, comum a muita gente, que queria que eu acreditasse em milagres à viva força! Calava-me, mas franzia o sobrolho, aborrecido, porque as coisas não batiam certo. Mesmo assim, ainda fiz muitas tentativas para acreditar em milagres. Quando começaram as emissões televisivas do 13 de maio, sentava-me perante o aparelho para ver os doentes deitados em colchões e sentados em cadeiras de rodas, sempre nas primeiras filas, à espera de um milagre. Eu também assistia à cerimónia, para ver se alguém se punha de pé curado das suas maleitas, mas nada. Gritava para a cozinha onde estava a minha mãe: - Não houve nenhum milagre! Ninguém ficou curado! – Pode ser que ocorra no próximo ano. – No próximo ano? Por que é que não houve um milagre? – Ainda não o mereceram. – Não mereceram? O que é preciso para merecer um? – Cala-te! Vem mas é almoçar. E eu ia. No ano seguinte repetia-se a cena.
Hoje, sábado, os jornais dão destaque ao fenómeno meteorológico, que é comum, e que explica o tal halo. É pena que os “milagrandos” não vejam o sol ao longo do ano, e do dia, para ver a beleza que nos pode propiciar, ao encher-nos de ternura, fazendo sentir que somos vida e ele um verdadeiro deus que vale a pena adorar.
À hora do jantar, muito longe da capital, ouvia, na televisão, de boca aberta, o “estranho” fenómeno do sol ocorrido em Fátima. Mas o que é que se terá passado? O locutor fez a descrição, e algumas pessoas, que foram interpeladas, descreveram um milagre do sol! A forma como narraram encaixava-se perfeitamente na mais pura credulidade humana, a raiar a patetice. Não perdi o apetite, mas recordei-me de que em pequeno, quando comecei a ouvir o famoso milagre do sol, que “dançou” em Fátima, ter questionado de forma abrupta os meus familiares. A minha mãe quis convencer-me do milagre, porque o meu avô lhe tinha contado o que tinha acontecido, até tinha saído no jornal e tudo. Mas como é que o sol se aproximou da terra e depois voltou para o lugar dele? Só viram em Fátima? E nem todos viram, pois não? E por que é não viram o milagre noutros locais e noutros países? O sol não é o mesmo? E o sol não queimou as pessoas? Não é perigoso olhar para o sol? Enfim, presumo que a minha bateria de perguntas infantis tenha ido muito mais longe. Fi-las de rajada, para que não me mandassem estar calado, como era hábito sempre que abordava certos assuntos. Era muito miúdo, e sentia que não tinha capacidade argumentativa para neutralizar os esforços e, sobretudo, contrariar uma autoridade ditatorial, comum a muita gente, que queria que eu acreditasse em milagres à viva força! Calava-me, mas franzia o sobrolho, aborrecido, porque as coisas não batiam certo. Mesmo assim, ainda fiz muitas tentativas para acreditar em milagres. Quando começaram as emissões televisivas do 13 de maio, sentava-me perante o aparelho para ver os doentes deitados em colchões e sentados em cadeiras de rodas, sempre nas primeiras filas, à espera de um milagre. Eu também assistia à cerimónia, para ver se alguém se punha de pé curado das suas maleitas, mas nada. Gritava para a cozinha onde estava a minha mãe: - Não houve nenhum milagre! Ninguém ficou curado! – Pode ser que ocorra no próximo ano. – No próximo ano? Por que é que não houve um milagre? – Ainda não o mereceram. – Não mereceram? O que é preciso para merecer um? – Cala-te! Vem mas é almoçar. E eu ia. No ano seguinte repetia-se a cena.
Hoje, sábado, os jornais dão destaque ao fenómeno meteorológico, que é comum, e que explica o tal halo. É pena que os “milagrandos” não vejam o sol ao longo do ano, e do dia, para ver a beleza que nos pode propiciar, ao encher-nos de ternura, fazendo sentir que somos vida e ele um verdadeiro deus que vale a pena adorar.
There's a sucker born every minute...
ResponderEliminarAcho que as suas perguntas infantis são semelhantes às memórias de muitas outras pessoas. Com menos talento para as contar.
Já agora, não o sabia inspirado por Zarathustra...
…E também é pena que os “milagrandos” não leiam este post para assim apreciarem o”milagre” da beleza de uma pequena narrativa, escrita por quem sabe fazê-lo…
ResponderEliminarNo desespero e no perigo, as pessoas aprendem a acreditar no milagre. De outra forma não sobreviveriam. Faz parte da condição humana, e como sabemos, o milagre é o filho predilecto da fé, essa fé sabe-se lá no quê, mas que cujo interesse que se tem em acreditar nela não é prova da existência de alguma coisa, mas que ajuda, sabemos que sim.
ResponderEliminarPode não ser milagre
ResponderEliminarpode ser um fenómenoa tão natural quanto a mediocridade do seu texto.
Só que não doi visto noutros lados porque a coisa aconteceu em Fátima.
Se fosse como vc queria que fosse já tinhamos ido todos para o maneta e vc não estava aqui a dizer asneiras
Dizia-me um homem de avançada idade, a quem contratava para podar as minhas árvores, sempre que lhe pedia para me ensinar aquela misteriosa arte: "A poda foi inventada por um burro".
ResponderEliminarA primeira vez que o sô Manele com o seu olhar maroto me deu esta resposta, comentei com a minha mulher; estou cá desconfiado que o sô Manel me está a chamar burro.
Como tenho o habito de não me contentar com meias-respostas, insisti com o sô Manel, que acabou por me explicar que a poda não obdece a uma "sabedoria especial", por isso ele dizia ter sido inventada por um burro. Armei-me em chico-esperto e returqui; ó sô Manel, se é assim, então posso pegar na tesoura de podar e pôr-me para aí a cortar os ramos, como se fosse um burro?!
Lá veio o sorriso malandreco e a resposta; nã senhore, é co burro não come tudo, é só a ponta dos ramos, tá a vere?
Não, não estou a ver, respondi.
Então, olhe, quando vir um burro a roer uma árvore, veja o que é que ele come.
Não fiquei nada convencido com a explicação do sô Manel, no entanto, durante os 15 anos que já levo de vida no campo, concluí que muito se aprende olhando e compreendendo, sem permitirmos que a nossa compreensão se subjugue a pré-conceitos.
Um médico, durante a sua vida profissional, assiste de certeza a casos de cura, milagrosos. É claro que a tendência será enquadra-los inteiramente no conceito científico da medicina. Mas, atrevo-me a colocar uma questão; será que a ciência consegue efectivamente, explicar completamente certos sucessos que ocorrem em condições muito especiais?
Calculo que se esta questão fosse digna de merecer resposta, ela seria talvez dada pela resposta simples, de que a medicina não se encontra ainda totalmente descoberta, mas sim, em permanente estado de evolução...
Bartolomeu
ResponderEliminarO meu amigo deve estar a falar da "arte de curar", não é? Curar? Mas quem é que não cura? Até os médicos, de vez em quando, curam...
Sim, caríssimo Professor, o "conceito" de cura, pode ser vastíssimo e subjectivo.
ResponderEliminarMas os médicos, dos médicos, espera-se também e muitas vezes, que operem milagres.
E operam-nos, sem dúvida, muitíssimas vezes, talvez somente na condição de "intermediários".
Caro El Monti, por mim dispenso o seu cuidado em evitar que eu vá para o maneta...assim como assim com a sua arrogância e intolerância o mais cero era vc empurrar-me para o inferno...
ResponderEliminarEheheh! Há um ano, mais mês menos mês, reparei que ocorreu um "milagre" semelhante, mas desta vez em Leça da Palmeira. Como achei curioso, na altura, até tirei umas fotos. Terá sido a Nossa Senhora dos Surfistas, às tantas? :D
ResponderEliminarMas vá, ou foi isso, ou foram mesmo as partículas de gelo na alta atmosfera a causar o fenómeno.
Envolvendo o fenómeno da fé e dos seus efeitos visíveis e palpáveis, e para compreensão da mesma, muitos outros, construídos por espíritos sugestionáveis ou muito inventivos, se deparam.
ResponderEliminarContudo, caro AF, relativamente às aparições em Fátima, existem documentos da época, elaborados por entidades eclesiásticas e da justiça, com base em depoimentos de testemunhas oculares, que comprovam essas mesmas aparições.
Independentemente de o "bailado solar" poder ser atribuído a um fenómeno meteorológico, natural, ocorreram também os diálogos entre a entidade de luz que desceu dos céus e dialogou com Lucia, num local de luz, verificando-se em simultâneo o fenómeno solar, ou de luz.
Fenómenos esses em que a entidade maior da igreja católica acreditou com toda a força da sua fé.
Ha coisas que os olhos, por mais abertos que se encontrem, não conxeguem ver... é preciso que haja algo capaz de abrir a alma para que esse entendimento seja possível.