quarta-feira, 11 de maio de 2011

Os gatos e os guizos




Um gato enorme ameaçava a colónia de ratos, que não conseguiam fugir a tempo das suas garras afiadas quando ele se aproximava, silencioso. Apanhava-os distraídos a comer e zap!, papava-os. Reuniu-se a assembleia de ratos e um deles teve a ideia luminosa de porem um guizo ao pescoço do gato, assim eles ouviriam quando ele se movesse e safavam-se a tempo. Grandes aplausos, brilhante, como é que não nos lembrámos antes?, quantas vidas perdidas, quanto desassossego ensombrou as nossas vidas! Compraram o guizo. Só faltava uma coisa: quem iria pendurar a sineta no pescoço do gato?

(Fábula de Esopo A Assembleia de Ratos)



Vivemos um breve momento em que parecia termos entrado numa twilight zone. De repente, todo o ruído à volta do que iria talvez sair do recolhimento da troika deu lugar ao respeitoso espanto sobre a clareza, o detalhe, a abrangência e a calendarização minuciosa das “medidas”. Levantou-se um coro de admiração perante o prodígio de sapiência e capacidade de expressão, era mesmo uma evidência para todos que “aquilo” era a solução que nenhum político até hoje, pasme-se, nenhum mesmo até hoje, tinha conseguido apresentar aos eleitores. Li vários comentários a atribuir à “cobardia política” ou à “incompetência de todos os políticos” a ausência, nos anais da nossa atribulada democracia, de um programa assim límpido e cristalino, exaustivo, um verdadeiro guião que agora só falta mesmo é cumprir. E todos, nas múltiplas mesas de debates que logo se organizaram, abanavam a cabeça, num assentimento, perante a evidência e o facto de termos que meter mãos à obra, quanto antes.
Passado esse instante irreal, começaram a surgir os esboços de acção, ou seja, o que diz um programa eleitoral, o que outro não diz mas afinal não se pode dizer tudo num programa, que ideia é essa agora?, o que recusam outros, como sempre recusaram. Passámos então ao terreno que pisamos com segurança, o terreno dos trocadilhos, das palavras esquivas, do tu-sabes-muito-bem-mas-não-queres-dizer-ai-isso-é-que-eu-não-disse-disseste-não-dissesses.

Continuam todos plenamente de acordo com o tal documento, mas esgrimem as alíneas antes tão claras e o que dizem não coincide, mas estão de acordo, claro, desde que não seja exactamente o que ali está, talvez menos, talvez mais, desde que.
Li que Eduardo Lourenço teria comentado que acha estranho que “o país não esteja em estado de choque” depois de tomar consciência do que ali está. Pois é. Já só falta saberem como é que vão por o guizo ao gato.

15 comentários:

  1. Os especialistas de economia e política neste blogue costumam ser outros; e contudo este seu post sobre política e economia é bem mais lúcido e pertinente do que muita coisa que tenho lido por aqui e por ali. Chapeau!

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  2. "Pride":
    Sento-me ao serão em frente ao televisor, e assisto a muitíssimas estorietas e fabuletas que, de forma manifestamente desarrunada (sem rumo) pretendem atingir algo (ou algue(ns)) que nem os espectadores, nem os intervenientes, conseguem definir com exactidão, o que seja, ou quem seja.
    "Pride":
    A fábula do gato e dos ratinhos, é em si mesmo, aplicada realidade lusitana, uma metáfora`.
    Uma metáfora, na medida em que, se analisarmos com mais atenção, não é a figura do gato que nos assusta, porque nem sequer o vimos... imaginamo-lo. E imaginamo-lo com base na sombra que ele projecta. Mas, esta coisa da sombra é potencialmente enganosa, porque não corresponde à verdadeira envergadura do "bicho".
    É verdade, cara Drª Suzana, do meu ponto de vista, a sombra que o gato projecta, comparo-a à mítica figura do Adamastor, que tão grande assombro causou, aos intrépidos navegadores de 500.
    A esses salvou-os, não um guiso, nem um badalo, nem um sino. Salvou-os o orgulho de um homem. O orgulho de servir um Rei, que por sua vez, servia uma nação.
    "Pride":
    Escolhi a palavra inglesa, porque define melhor o sentimento; a palavra portuguesa, presta-se a alguns degenerativos.
    Orgulho, mas um orgulho são, o orgulho de ser portugues e acima de tudo, o orgulho de servir Portugal, com determinação, sentido de justiça e de igualdade.
    É isto que os portugueses perderam e precisam desesperadamente de reencontrar. Este valor, encontra-se no mais fundo da alma lusitana e só ele poderá reconduzir-nos ao caminho do progresso.
    Não serão os guisos, nem os pecoços onde os prender que nos reabilitarão. Essa estratégia, servirá somente para passarmos o resto da vida a esconder-nos do gato, sem nunca encontrarmos a forma de deixar de ser ratos... humanos, mas ratos.
    E já agora, só para que ninguem me acuse de vir aqui "botar letra" e basar sem "mais aquelas", acrescento: E porque não abrir um concurso público, instigando sobretudo aos jovens, para que apresentem projectos individuais ou em grupo, para integrarem um programa de governo?!
    Afinal, são os jóvens de hoje, o futuro do país.
    Fica a ideia... e já agora, o vidiozinho.
    http://www.youtube.com/watch?v=qiu6RMMNERs&feature=related
    ;)

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  3. Cara Suzana, tal como o JMG, tiro-lhe o chapéu. Não há mais nada que deva ser acrescentado ao seu brilhante post... pelo menos, nada que me ocorra de momento.

    Meu querido amigo Bartolomeu :)O seu comentário é absolutamente genial e o meu amigo não faz ideia da quantidade de vezes que já pensei sobre esse tópico. Estava a começar a sentir-me sozinha por pensar assim, o que é um bocado triste.

    Sabe, no youtube vai uma valente discussão a propósito do vídeo feito, pelo munícipio de Cascais, sobre o que os Finlandeses precisam de saber sobre Portugal. Obviamente que a discussão está bem acesa entre Portugueses e Finlandeses, mas não só. Eu, fico a olhar para aquilo e dou comigo a pensar na imbecilidade da coisa e na falta de respeito que os Portugueses demonstram por si mesmos.

    O vídeo está excepcionalmente bem concebido, mas a mensagem estraga tudo. Começa com um breve relato do que fizémos ao longo da história e termina a dizer que na 2ª GM ajudamos os Finlandeses (ajuda da qual eles não têm registos). Apesar de - tal como disse - ter gostado do vídeo, a mensagem chocou-me, essencialmente, pelo desplante com que se atreveram a estabelecer uma comparação entre uma situação de guerra e uma situação de incompetência de gestão. Para mim, isso além de revelar um enorme desespero, revela uma enorme burrice e incapacidade de distinguir 2 situações com uma natureza completamente diferente.

    A mensagem revela também duas outras coisas. A falta de respeito e a falta de orgulho que temos pelo nosso passado histórico e por tudo aquilo que conquistámos, porque no fim colocamo-nos na posição de pedintes arrogantes.

    É verdade que ao longo da história conquistámos muitas coisas, algumas nem sabemos como, mas perdemos praticamente tudo e em vez utilizarmos um video, como aquele, para nos recordar do que somos capazes de construir e de fazer nós, usamo-lo para pedinchar.

    É triste.

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  4. Tem razão querida Anthrax, quando classifica de imbecil, o referido vídio, sobretudo devido ao propósito que visa atingir. Acrescento patético, na medida em que evoca e realça aquilo que os portugueses foram capazes de fazer, muitas vezes e como muito bem refere, por pura sorte, outras por mérito e movidos por idealismo e por espírito de bravura que, como cantou Camões, foram muitas vezes para além daquilo que é humano, mas, que se perderam na continuidade, e se degradaram na actualidade.

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  5. Trabalho em equipa.

    Trabalho em equipa é a resposta à pergunta da Fábula de Esopo e à parte final deste post.

    Pareceu-me bastante óbvio depois de ler o comentário do Bartolomeu. :)

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  6. Yahp... dele depende o sucesso de qualquer empresa... sem que contudo, se desvalorizem as capacidades individuais, como é obvio.
    ;)

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  7. Não é nada disso, meus caros ... nada disso! Só precisamos de arranjar um rato que vá às fuças ao gato, e temos o problema resolvido! Quais guizos qual quê! Um valente arraial de porrada no bicho, e tá feito!

    Ou, em alternativa, pegar no Racumin que nos puseram nas ratoeiras, com cuidadinho, e despejar na tijela de leite do bixano?

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  8. Caro AF;
    o paracleto que os portugueses necessitam eleger, tem de se achar imbuído do mais nobre espírito conciliador e valorizador da pessoa humana.
    Se a solução para o nosso país se julgasse passar por andar à sarrafada, cairíamos irremediávelmente no ridículo e no descrédito total.
    No entanto, certas atitudes, levam-nos a pensar nessa saída, o que requer de cada um de nós, o apuramento do sentido de realidade e de desejo de progresso.
    ;)

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  9. Confesso que há momentos em que a ideia da sarrafada me parece excelente :s

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  10. Leia aqui, nos últimos comentários, sff

    http://quartarepublica.blogspot.com/2007/07/carambafale-verdade-sr-1-ministro.html#comments

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  11. É preciso que não se perca a noção precisa de "timing", caro Rui Fonseca.
    ;)

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  12. Estou com a Anthrax, particularmente na parte em que tece elogios ao post...
    Pois, ao que parece, a culpa é tudo e de todos menos de quem nos governa!...

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  13. 1 - A fábula ao serviço de Kafka. Extraordinário.
    2 - De como o dever de reserva impede muitas vezes as melhores mentes de contribuir para que “a boa moeda expulse a má moeda”...
    3 - A world of cyborgs, O programa cristalino estava no site do FMI desde há muito, como resposta às anomalias descritas nos relatórios das avaliações regulares. Os políticos vivem num umbiguismo esquizofrénico, mas numa terra com tantos bons economistas, ninguém lê e se atreve a defender a razão e o pragmatismo contra as ideologias esclerosantes?
    4 - Aves nocturnas... and early birds. A “caged country”, indeed...

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  14. Ah ah ah ah ah :) Olá Rui Fonseca,

    Agora esteve bem :)
    Mas olhe, já passaram - grosso modo - 4 anos e eu continuo sem perceber nada de economia e coisas do género.

    No entanto, confesso que começo a sentir ligeira vontade de abocanhar algumas canelas, sem dó nem piedade. E tenho a certeza que se o Virus aqui estivesse, já o tinha feito.

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  15. Caros Bartolomeu e Anthrax, é possível arranjar várias metáforas para descrever o que se passa neste país.Mas não me lembro em que época histórica é que fomos capazes de ter orgulho no que conseguimos fazer como povo, basta consultar a literatura das várias épocas para ver que nunca nos alegramos com coisa nenhuma. E inventamos papões, pois claro, é uma forma de nos mantermos submissos.
    Caro JMG, obrigada pelo seu comentário, às vezes é preciso distanciarmo-nos um pouco do dia a dia alimentado por pequenos factos para perceber o clima que se está a instalar.
    Caro cagedalbatross, então como é que íamos viver sem o suspense que antecedeu a "sentença"? Como é que íamos discutir os PECs todos, num crescendo de emoção? Não, não queremos saber do que o FMI (e muitos outros, há muito tempo) já antecipavam, isso assim não tinha graça nenhuma :)

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