quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Contrastes

A realização, em Madrid, de mais uma Jornada Mundial da Juventude, reúne centenas de milhares de jovens de todo o mundo, numa impressionante manifestação em que convergem valores comuns, convivência multicultural, desejo de partilha e uma quase insuspeita capacidade de mobilização de jovens de todo o mundo em torno de uma peregrinação de carácter religioso. Os jovens vão a Madrid para um encontro com o Papa Bento XVI, para ouvir o que ele tem para lhes dizer sobre o que se espera deles, da sua atitude enquanto membros de uma comunidade e pessoas que têm responsabilidades perante os princípios e valores que assumem. Não lhes irá certamente falar de facilidades, nem do direito à indignação, nem da expectativa de que os pais e os governos lhes providenciem tudo o que ambicionam e que lhes falta. Estes jovens são, por contraste, a resposta às grandes angústias dos que se interrogam sobre o futuro, são o oposto dos que ocupam praças e aí ficam dias a fio, reclamando nem se sabe bem o quê, mas tendo grande cobertura televisiva e jornalística. São, também, o oposto dos que irrompem pelos bairros destruindo tudo o que encontram ou roubando para vender na net tudo o que conseguiram apanhar nessas vagas de violência.
Seria, pois, de esperar, que tal manifestação pela positiva suscitasse um coro de aplausos de todos os quadrantes, que fosse apontada como um sinal de que há larguíssimas camadas de jovens que sabem o que querem, que assumem o que pensam, que procuram em vez de esperar que lhes venha parar às mãos. Seria de esperar que os “custos” desta iniciativa fossem considerados, por uma vez, um investimento fantástico e altamente reprodutivo, o investimento nos jovens, nos seus objectivos, na promoção de uma rede ligada por um ideais e busca de um sentido para a vida.
Seria de esperar este aplauso unânime, sobretudo quando bem recentemente os distúrbios londrinos suscitaram rios de teses sobre a insuficiente orientação dos jovens, sobre a necessidade de não cortar subsídios, salas de convívio, programas de ocupação. Rios de palavras sobre a falta de referências, o consumismo estéril, uma insatisfação difusa para a qual só tribunais e prisões parecem ter hoje força dissuasora.
Mas não. O gigantesco encontro de jovens com o Papa abriu uma “polémica sobre o custo da visita” e chega-se ao cúmulo de valorizar a manifestação de uma centena de “indignados” e os testemunhos de uns quantos desconhecidos auto intitulados laicos para noticiá-los como “símbolo da divisão da Espanha católica e laica” (capa do Público de hoje)!
E não deixa de escandalizar que os mesmos que há dias peroravam sobre a falta de enquadramento familiar e social dos jovens que partiam montras para roubar ténis e plasmas, apontando os efeitos perigosos de uma geração egoísta e superficial que se sente desnorteada, achem agora que tem todo o sentido falar em “polémica laico/religiosa” e em “custos com a visita do Papa”, ignorando olimpicamente as virtualidades imensas desse movimento de jovens, da dinâmica das suas organizações na preparação deste encontro, na reflexão que se dispõem a fazer em conjunto, enfim, de um aproveitamento a todos os títulos notável da capacidade de comunicar, se organizar e se deslocar.
Quando o que deviam mostrar, e sublinhar, é que as mesmas facilidades tecnológicas e logísticas são aproveitadas por uns, para os distúrbios, para enfrentar a polícia e para suscitar lamúrias e queixas e, por outros, para tentar construir um mundo melhor, dizendo “presente” à afirmação de valores e à exigência de quem os interpela.

11 comentários:

  1. Muito bem, cara Suzana. Ainda hoje de manhã as televisões davam o mesmo relevo aos dois acontecimentos, a Jornada Mundial da Juventude, que concita centenas de milhares, e a manifestação dos contra, que, segundo o jornalista, não teria muito mais do que cem participantes fundamentalistas. Mas as coisas são tratadas de igual modo, na "democracia" informativa em que vivemos.
    Por outro lado, a visita do Papa concita também o apoio do governo e da grande maioria do povo espanhol, mas o grande relevo vai as opiniões seleccionadamente recolhidas junto dos que por alguma razão muito particular ou pessoal contestam a visita. Como se o direito que têm, e que não se discute, de serem laicos, ateus, agnósticos ou professarem qualquer outra religião se pudesse opôr aos que se manifestam pela visita do Papa.
    E depois, como também muito bem referiu, há a questão dos valores.
    Mas para a comunicação social não há valores, tudo é relativo, o superficial sobrepõe-se à substância, tudo é igualizado, o bem e o mal tratados da mesma maneira. Porque, no relativismo que impera, não há bem nem mal.

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  2. caro Pinho cardão, a mim indigna-me especialmente a imensa hipocrisia dos que "alertam" para os perigos de uma juventude excluída(em particular dos que se intitulam ou querem parecer de "esquerda"),desfiando razões críticas como a fragilidade das famílias, a insuficiência do ensino, a falta de apoios e de emprego, em suma, exigindo, com dedo acusatório, mais empenho do Estado e mais dinheiro para cima desses problemas. E depois, por puro e completamente absurdo preconceito (não sei se contra a Igreja Católica, se contra a Fé, se contra este Papa), dão-se ao luxo de desvalorizar ou mesmo tentar denegrir um movimento da juventude com estas dimensões, que se repete há vários anos sempre crescentemente e em vários pontos do Globo. Pelos vistos, os famigerados "argumentos economicistas" tão repudiados a propósito de políticas de contenção, são aqui plenamente aceites, porque lhes interessa explorar a ignorância e a miséria dos que não sabem distinguir nada de nada.E, não deixo de notar, as notícias falam em "visita do Papa", como se o encontro de Juventude não fosse o único e fundamental motivo, mas sim uma pequena coincidência. Não há paciência para tanta irresponsabilidade.

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  3. Toda a razão, cara Suzana. O seu post chama muito bem a atenção para essa importante matéria. Mas, de facto, a irresponsabilidade campeia. A selvajaria de Londres é justificada por tudo e mais alguma coisa, como muito bem referiu. Ao contrário, os valores por que se pauta toda essa juventude que se deslocou a Madrid são apoucados, desvalorizados e até indirectamente atacados. Não vamos longe...

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  4. Esta coisa de juntar jovens e padres católicos parece-me pouco aconselhável face às notícias que têm vindo a público nos últimos anos. Não arranjam melhor enquadramento que esse?

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  5. Cara Suzana,

    Subscrevo, integralmente, a mensagem do seu oportuníssimo Post!

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  6. Suzana
    Sempre que alguma coisa mobilizadora do bem acontece, eis que aparecem sempre, invariavelmente, grupos de "interesses" que conseguem dar eco à sua crítica estéril e gratuita perante acontecimentos de dimensões universais capazes de fazer acontecer a união, a coesão, a tolerância, a esperança, a fé.
    Numa época ditada pelo desnorte do futuro e pelas dificuldades reais que tantos jovens e famílias estão a atravessar, colocar o foco nos custos de uma mobilização de jovens que querem estar unidos e afirmar os valores há muito ausentes e ultrapassados é realmente uma irresponsabilidade. Há falta de outra justificação os custos são o argumento. Em época de contenção falar de custos até pode colar. Estão contra o bem porque sim. É na anarquia, na violência e na mediocridade que, pelos vistos, se sentem bem. Porque não se manifestam ordeiramente?

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  7. Excelente texto. A esquerdice reinante, "jornalistas" incluídos, só passa, o que convém. Há quem chame, a isto, censura, é a cretinisse, do politicamente correcto.

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  8. Tenho muita dificuldade em compreender, e até aceitar, certos movimentos. O que noto é um crispar crescente de correntes que irão, mais tarde ou mais cedo, entrar em confronto, repetindo-se o que já ocorreu no passado. As virtudes e os defeitos são comuns nos diferentes grupos, o que me preocupa não são os valores invocados por ambas as partes, mas sim a mobilização e a instrumentação dos jovens, e menos jovens, ao redor de bandeiras que escondem outros interesses, nomeadamente um que é mais do que evidente, o poder. E quando começam a sentir que o poder pode fugir, então arranjam meios e estratégias para o manter e reforçar, originando contracorrentes e fomentando inimizades. Sempre houve falta de tolerância, mas, agora, parece-me que está em crescendo, logo, no futuro, ocorrerá, inevitavelmente confrontações e "coisas" muito desagradáveis. A história vaí repetir-se. Não haverá forma de fomentar e desenvolver valores que dignifiquem o ser humano sem ser através destas concentrações, sejam elas dos "indignados" ou dos outros? Temo muito os grupos que pretendem arvorar-se em superiores. Em contrapartida, acredito que qualquer um pode ser superior, independentemente das suas crenças ou visão do mundo. Tenho lidado ao logo da vida com inúmeras pessoas que sabem respeitar-se e até cultivam a amizade, mas têm algo em comum, não precisam de seguir "chefes" ou gurus, ou terem que respeitar dogmaticamente os princípios em que acreditam.

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  9. Caro Tonibler, por mim prefiro ver o que de positivo e construtivo podemos tirar das insituições, no caso há mesmo muito, quanto às nódoas, há-de dizer-me qual é a grande instituição que nunca as teve.
    Tem razão Margarida, é mesmo à falta de outros argumentos.
    Caro José Domingos, claro que não é censura, é mesmo tentativa de manipulação da formação da opinião pública.
    Caro Massano Cardoso, a necessidade de partilhar valores, de encontrar e mobilizar os que podem convergir nas mesmas formas de pensar e de agir é um reflexo natural, já que é impossível, individualmente, transmitir essas ideias e fazer delas um ideal. Não me parece que haja, neste caso, sentido de superioridade, pelo menos manifesto, mas também não vejo que estes jovens, ou outros de outros grupos que venham "por bem", tenham que inibir-se se fazer encontros desta dimensão. A divulgação e o espectáculo são hoje (não foram sempre?) uma forma quase exclusiva de fazer passar as mensagens, só é pena que o conceito de "expectáculo" e o conteúdo das mensagens, concorde-se ou não com elas, nem sempre se contenham nos limites da tolerância e mesmo do tolerável.

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  10. Bem, o nome não coincide, mas parece que Massano Cardoso andou a escrever no Spiegel...

    http://www.spiegel.de/international/spiegel/0,1518,777281,00.html

    "Non-believers are often more educated, more tolerant and know more about God than the pious"


    Estava a ser irónico cara Suzana, na realidade eu acho que a atitude da coroa Espanhola, como a atitude da Presidência portuguesa face às visitas do Papa como uma enorme ofensa às convicções de todos aqueles que baseiam a sua vida no conhecimento e na tolerância e que defendem que todos os cidadãos são iguais perante o estado. Os espanhóis têm todo o direito de se sentir indignados face à presença do papa e de sentirem os seus direitos fundamentais violados pelo estado.
    Se fosse espanhol, estaria na manifestação. Toda a gente é livre de ter as suas crenças, desde que não obrigue os outros a elas. Mas essa violação é a história da Igreja Católica, a diferença é que agora não os deixam matar por isso. Mas não tenho dúvidas que se pudessem, matavam, como fizeram sempre que puderam.

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  11. Ninguém obriga ninguém, caro Tonibler, que eu saiba o Encontro Mundial da Juventude não é compulsivo nem ameaça os que não particpam com as penas do Inferno. A presença do Papa, ou a de qualquer outro Chefe religioso que defenda valores e princípios de que a Humanidade pode e deve aproveitar, não deve envergonhar nenhum País, bem pelo contrário, é uma honra, como bem sublinhou o Rei de Espanha. O que se pode perguntar, isso sim, é de que é que têm medo os "agnósticos" que assim reagem contra esta fantástica reunião de jovens com o Papa? Qual é o "perigo" que ameaça a suas liberdades de pensar e de agir? É por causa dos gastos? ora, ora, o Pinho Cardão já invocou aqui muitos outros, bem maiores e menos reprodutivos, que não susictam inquietação alguma no bolso dos contribuintes.

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