Na avaliação do TGV que o Governo está a realizar por acaso não se está a esquecer a questão da sustentabilidade da operação da linha Lisboa-Madrid medida pelos custos da sua exploração e proveitos expectáveis numa base realista, pois não? É que aqui há uns tempos o principal argumento para o abandono do projecto não era (só) o custo das obras e a elevadíssima incorporação de material, equipamento e tecnologia importados, mas a insustentabilidade da exploração que os fundos comunitários mobilizáveis não compensariam.
A ver vamos.
E não há penalizações europeias para o excesso de ridículo???
ResponderEliminar"Senhores passageiros de alta velocidade que pagaram 100 euros para viajar 150 km entre uma localidade com 50 habitantes e outra com 200. A composição encontra-se parada devido à passagem do trem de alta velocidade que vem em sentido contrário. Retomaremos a marcha dentro de uma hora"
Querem-me convencer que os nossos parceiros europeus que nos estão a emprestar dinheiro por causa de parvoeiras como esta nos vão obrigar a fazer um Mega-"Satu"? Ná, isto tem truta...
Caro Ferreira de Almeida, a exploração não pode ser deficitária. Há uma directiva Europeia (de 2002 salvo-erro) complementada com vários regulamentos relacionados com livre concorrencia e impedindo a sua distorção que vedam liminarmente a subsidiação aos serviços ferroviarios de longo curso.
ResponderEliminarDe qualquer forma a exploração nunca me preocupou, de todo em todo. Essa não tenho a mais mínima dúvida de que será proveitosa.
Isso são boas notícias, caro Zuricher. Uma vez que a exploração não é um problema, então não é preciso o meu dinheiro para nada. Certamente haverá um privado que pega no projecto e o leva avante.
ResponderEliminarTonibler, mas a exploração nunca esteve em causa. Aliás, já hoje em dia a unidade que explora os serviços de longo curso da CP tem proveitos... o que não é sinónimo de todos os IC do país serem lucrativos, de todo.
ResponderEliminarA infra-estrutura é outra história e essa é impossivel pagar-se a si mesma. A regra (também Europeia) para a portagem ferroviaria é a de que os custos pagos pelos operadores ao gestor da infra-estrutura têm que cobrir os custos de exploração e manutenção da infra-estrutura. Os custos de primeiro estabelecimento não é suposto serem amortizados pela exploração. Sendo isto válido tanto para uma linha de AV como para outra linha qualquer. Dadas as especificidades da ferrovia europeia é impossivel a exploração (de passageiros e mercadorias) pagar-se a si própria e mais a infra-estrutura.
Entrada de privados, após 2017 não o excluo, de todo.
Permitam-me uma pequena adenda, cavalheiros, algo que me esqueci nos dois posts anteriores.
ResponderEliminarClaro que a TTT não está atirada para as calendas gregas. As pressões para ser feita manter-se-ão e, convenhamos, sem ela a linha é pouco menos que inutil dado não permitir a competitividade necessária. Por outro lado, os compromissos do Estado Português não são para uma linha assim ou assado mas sim para as actuações necessárias a que a ligação entre Madrid e Lisboa seja feita em 2h45.
"Dadas as especificidades da ferrovia europeia é impossivel a exploração (de passageiros e mercadorias) pagar-se a si própria e mais a infra-estrutura."
ResponderEliminarPois, caro Zuricher, então serve para quê? Se não se paga é porque as pessoas não querem dar esse dinheiro pelo serviço e se não querem dar esse dinheiro é porque não vale. Constrói-se porquê? Repare que essas contas poderiam ser feitas para o meu projecto de alcatroar o Atlântico até aos Açores. A exploração era um sucesso, de certeza...
Pagam-se pelas externalidades, pelos benefícios indirectos, tangiveis e intangiveis, da transferencia modal para a ferrovia, tanto do transporte aéreo como do rodoviario.
ResponderEliminarMas olhe que o mesmo poderia dizer-se de qualquer estrada. Tirando algumas (nem sequer todas) auto-estradas com portagem, nenhuma estrada dá proveitos financeiros. Aliás, nem sequer a sua manutenção é paga. Mas ainda assim não se pode simplesmente encerra-las.
Caro Zuricher, juro que não estou ser cínico, nem hirónico ao identificar e referenciar um pequeno erro de "sintaxe de concordância" na frase «...benefícios indirectos, tangiveis e intangiveis...».
ResponderEliminarNão quereria o caríssimo ter escrito; ...benefícios indirectos, tangiveis e inatingíveis...?
Pergunto...
Mas as autoestradas, caro Zuricher, deveriam servir de exemplo para não se fazer o TGV e não como desculpa para o fazer.
ResponderEliminarQuanto às externalidades, se existissem, já existiam. Já tinha pressão sobre a A6, sobre a ferrovia que existe, sobre as linhas aereas...E não existe.
Estará o caro tonibler a sugerir que nenhuma AE deveria ter sido feita ou, sequer, mantida ao serviço? Não tenho a certeza de ter entendido bem onde quis chegar.
ResponderEliminarQuanto às externalidades, o próprio uso da rodovia e do meio aéreo quando há formas mais eficientes de fazer o mesmo transporte é exemplo de externalidade negativa.
Não meu caro Zuricher. Aquilo que estou a dizer é que antes da A1 ser construída, a N1 estava repleta de automóveis. Tem alguma infraestrutura para Madrid que esteja repleta? Ou pensa que Viseu vai ser uma metrópole só porque fizeram uma autoestrada para lá?
ResponderEliminarO meu ponto é que não há infrestruturas valiosas antes da sua necessidade.
Ahh, caro amigo, mas isso já a investigação em transportes demonstrou estar errado há mais de 30 anos. A eficiencia nos transportes é um ponto de grande relevância podendo justificar por si só o investimento em novas infra-estruturas. Até, pasme, nos Estados Unidos, tanto no transporte de mercadorias (integralmente privado) como no transporte de passageiros (publico ou pelo menos com financiamento público) já se trabalha desta forma. Até as companhias ferroviárias americanas (donas da infra-estrutura ao contrário do que sucede na Europa) têm construído linhas novas (algumas delas carissimas) não porque as anteriores estejam esgotadas ou remotamente perto disso mas por questões de eficiencia do transporte.
ResponderEliminarÓptimo, então nao precisam do meu dinheiro. E nao vamos voltar aquela coisa da exploração e da construção, certo? As externalidades para Madrid não existem porque as mais modernas infraestruturas construídas não são usadas portanto os privados podem fazer a festa toda com as mais modernas teorias da mecatrónica ou lá como se chama a coisa.
ResponderEliminarMecatrónica não tem a ver com transportes, caro tonibler. :)
ResponderEliminarMeus caros, os V/ comentários quando não trazem excelente informação são um ótimo estimulo para a reflexão. Neste caso em concreto não me passa pela cabeça que depois de tudo o que foi dito no sentido de que a construção do TGV assumia foros de escandalo (pelo menos nesta fase), se decida executar a linha de TGV com o argumento de que estão aí à mão de semear fundos comunitários que não podem ser desaproveitados. Ora, o governo, para além de alguns neófitos na política, é composto por gente experiente, informada e espera-se que atenta ao que foram estes anos de integração. Gente que tem obrigação de saber que os fundos comunitários não são virtuosos em si mesmos, que o são quando aplicados em projectos portadores de futuro. Para o provar estão aí os milhões e milhões que não aproveitaram ao País (embora admita que aproveitaram a alguns).
ResponderEliminarÉ um péssimo sinal que a opinião pública pareça estar a ser preparada para um inflexão na opção de adiar para melhores dias a construção do TGV sem que se explique cabalmente quais os compromissos que se aditam aos muitos que nós, e os que vêm depois de nós, terão inexoravelmente de pagar.
Não penso, nunca pensei que o investimento público é mau por natureza. Muito pelo contrário entendo que há investimento público - em especial em infra-estruturas - que é essencial ao progresso e ao crescimento. Mas na situação dramática em que o País se encontra, cavar mais fundo o buraco de compromissos futuros, em nome de projectos de rendibilidade não comprovada, parece-me de difícil explicação se não for apresentado um modelo que demonstre por A mais B que estavam enganados todos aqueles sábios que disseram que a linha de TGV para Madrid era um desastre.
Este contribuinte cansado de trabalhar para pagar impostos que o País tem desbaratado em quimeras e fantasias, exige que a explicação não seja parecida com a do anterior ministro das obras públicas - que as praias da região de Lisboa iriam servir os madrilenos.
Não serão somente os fundos comunitários que deixarão de ser usados, serão acima de tudo, os fundos do orçamento, que deixarão de ser gastos num projecto que, tal como o caro Dr. José Mário assinala, não foi ainda provada a sua utilidade e acima de tudo, a sua sustentabilidade.
ResponderEliminarPelo que, em caso de dúvida ou de impossibilidade de prova, deverá imperar o bom senso, uma vez que ha uma dívida acumulada que terá de ser paga.
Caro Ferreira de Almeida, o grande problema da Alta Velocidade em Portugal é ter sido apresentada por PSD e CDS como a bandeira do despesismo e do mau gasto público em Portugal. Ambos partidos se propuseram fazer o que neste momento estão a perceber ser extremamente dificil fazer, ou seja, não construir a Alta Velocidade. E estão a descobri-lo agora, bem assim como as pressões vindas de Bruxelas e Madrid para a sua construção que decorrem dos compromissos a que a Républica se obrigou. É que um compromisso assinado por um governo não obriga esse governo mas sim a Républica! E, repare, eu compreendo e sei perfeitamente que o momento não é bom. Mas dado o que está para trás a possibilidade de desfazer o que já está feito é dificilima senão mesmo impossivel como está a ver-se. A questão dos fundos comunitários não tem a ver com o seu uso mas sim com terem que devolver-se fundos dados para o projecto e o que é pior, deixar-se o Reino de Espanha numa posição complicada de ter também que devolver fundos dados para um troço trans-fronteiriço que, se a linha em Portugal não for feita, deixa de o ser.
ResponderEliminarPor outro lado parece-me que se alguém tem aqui que demonstrar alguma coisa é precisamente quem está contra a construção da AV. É que sábios a apresentar algo válido e sustentado contra a AV, sinceramente, não vi nenhuns. Até porque em Portugal contam-se pelos dedos das duas mãos (literalmente, não é figurativo) os quadros que percebem de transportes nas suas vertentes de economia e engenharia. Não podemos esquecer que a introdução da Alta Velocidade em Portugal foi o projecto mas estudado e escrutinado desde sempre na Républica e gente com pergaminhos e reputação concluiu pela sua utilidade, valia e sustentabilidade. Estas conclusões não foram alcançadas por qualquer um. Foram-no por consultoras reputadas e especializadas em transportes. As casas Epypsa, Stuart Davies Gleave ou Booze Allen Hamilton, para ilustrar com três exemplos de entidades envolvidas no assunto, não são propriamente consultoras de vão de escada e o trabalho que desenvolveram quanto ao tema é sério. Incidentalmente, de todos os estudos que foram feitos quanto à AV, o único onde consegui encontrar brincadeiras com números foi precisamente o último, aquele que deu pé à história de Lisboa como praia de Madrid. Não por acaso feito por uma consultora generalista e não por uma consultora específica de transportes. Pode ser coincidencia, pode não o ser.
Daqui que, sim, o que a AV envolve está devidamente quantificado e caracterizado. Mas como é a bandeira do despesismo (o que não é, de todo, sinónimo de corresponder à realidade) é a AV que se ataca. Era bom que tudo o resto que está em curso (não apenas em transportes mas em vários dominios, incluindo hospitais e escolas) fosse avaliado nem que fosse com 1/10 do apuro e da seriedade com que a introdução da AV em Portugal o foi. E posso dar-lhe um exemplo muito simples e rápido. Anda meio mundo entusiasmado com a bitola europeia e o transporte de mercadorias para a Europa por via ferroviária. Tudo o que tem sido dito quanto a esse tema é delirante, muitas coisas rematadamente absurdas que se alguma vez desse aulas e um aluno mas dissesse receberia um redondo 0 sem contemplações, totalmente ao arrepio da realidade existente, sem quaisquer bases técnicas quanto ao potencial da ligação (nunca se avaliou...) e, em geral, duma incoerência técnica confrangedora. Não que a bitola 1435mm não faça sentido porque sim, faz. Mas não como tem sido apresentada e, de todo, não com os benefícios que muitos apregoam, longe, muito longe disso. Todavia, como está a ser apresentada com boa propaganda tem o apoio generalizado. Dá-se o paradoxo de se atacar com veemencia precisamente o que foi estudado e avaliado ao longo de vários anos e defender (ou esquecer em muitos casos) com identica veemencia precisamente o que nunca foi estudado e caracterizado.
Mas enfim, de propaganda em propaganda, se chega ao buraco final.
"É que sábios a apresentar algo válido e sustentado contra a AV, sinceramente, não vi nenhuns."
ResponderEliminarMeu caro Zuricher, alguns comentários acima diz que não é possível que a utilização da AV pague a exploração e a construção. A mim, independentemente de todas as considerações técnicas que possam existir, este projecto é economicamente igual à ponte espacial entre Portimão, Portugal e o Mar da Tranquilidade, na Lua. E não vai negar que em termos de "externalidades" este é muito superior. O meu caro pode não se considerar um sábio, mas o facto de me dizer que aquela porcaria nunca vai ser paga parece-me um argumento suficiente. Do ponto de vista de engenharia, deixe-me dizer-lhe que um Porche 911 Carrera turbo seria muito mais adequado às necessidades da minha pessoa que o carro com que ando. O facto de não o poder pagar tem sido um entrave incómodo, mas talvez com um bom estudo de engenharia de transportes pode ser que sejam os meus vizinhos a pagá-lo...
Caro tonibler, acho que entendo perfeitamente. Portanto não se deverão construir quaisquer linhas ferroviarias mais (sejam de Alta Velocidade ou convencionais) nem quaisquer estradas mais. E mesmo aeroportos só muito, muito contadinhos dado poucos serem os que permitem pagar a sua exploração e construção.
ResponderEliminarTerei entendido correctamente?
Entendeu mal. Diga-me lá qual é a sector, qual é a região do país, por outras palavras, que activo nacional pretende endereçar com a construção da via de comunicação em causa. E depois, até por alto se chega facilmente à conclusão se ela se paga ou não, "externalidades" incluídas.
ResponderEliminarSabe que um dia, só para chatear, fiz um esboço de um projecto que era destruir a A1 para construir outra A1 exactamente paralela a 10 metros com a diferença única de que uma das áreas de serviço passaria a ter mais uma máquina de venda de preservativos. Para além das óbvias vantagens em termos de contas públicas, uma vez que o PIB sofria o impacto da destruição da actual e construção da nova, do aumento da "receita" fiscal pelos mesmos motivos e de ser uma obra neutra em termos de "eng. de transportes", o projecto era financeiramente viável uma vez que poderia colocar as portagens a um valor francamente bom para o crédito que poderia obter (na altura) com a garantia do estado e, mais, a máquina de preservativos adicional geraria o seu lucro. Portanto, o meu caro concordará que este é um projecto bom, certo? E sendo este bom, então podemos planear já outro igual passados 5 anos para colocar outra máquina de preservativos.Certo?
Onde é que este projecto falha?
Caro Tonibler, a meu ver, o projecto so pode falhar, se a máquina de preservativos, não estiver preparada para efectuar upgrades...
ResponderEliminarCaro tonibler, em termos de engenharia, seja de transportes ou qualquer outro ramo, o seu projecto para a A1 é tudo menos neutro. Atrever-me-ia mesmo a dizer que é francamente mau. A engenharia em qualquer dos seus ramos visa a criação de estruturas ou sistemas que criem elementos novos ou melhorem os até então existentes. Seja a qualidade de vida, a eficiencia dos processos (que se traduz em eficiencia económica, qualidade de vida, melhor uso dos inputs, etc, etc). Ora ao destruir a A1 para fazer outra ao lado não está a alcançar nenhum desiderato que não seja alcançado pela A1 existente, logo, do ponto de vista estrictamente da engenharia não faz sentido absolutamente nenhum.
ResponderEliminarDo lado da economia também não me parece que faça. Ora, portagens por portagens, os utilizadores pagarão o mesmo preço quer seja na A1 existente quer na nova construída 10 metros ao lado. A diferença é que sem destruir a existente e construir a nova ao lado pode com esse dinheiro constituir stocks de capital para investir noutra coisa qualquer (útil, entenda-se). Destruindo a existente e construindo outra ao lado está a paga-la com dinheiro que deixa de ser usado para investir em algo com utilidade.
Sigo com muito interesse a V/ discussão. E entendo bem os pontos de vista de cada um.
ResponderEliminarPergunto no entanto a Zuricher o seguinte: admitindo que faz sentido do ponto de vista técnico e económico uma ligação em AV a Madrid, entende que existem condições políticas para infletir a convicção generalizada pelo discurso dos atuais partidos no poder que no passado recente foi o que foi? E acredita o meu caro Zuricher que essa inflexão, a ser possível, se fará na actual conjuntura com argumentos como os que têm sido até agora "testados"? Recordo: (i) necessidade de aproveitamento de fundos comunitários dedicados; (ii) possibilidade de conciliar a preocupação de poupança com a necessidade da linha (versão low cost, de via simples e sem atravessamento do Tejo...); (iii) viabilização, "à boleia" da AV, da linha de transporte de mercadorias segundo bitola europeia...
Caro JMFA,
ResponderEliminarDesculpe lá meter ainda esta bisca pelo meio, mas tem que ir...
Caro Zuricher,
Tenho uma máquina de venda de preservativos a mais, portanto tenho uma melhoria em termos de infraestrutura.
Do ponto de vista económico, acabou de justificar a razão pela qual não se deveria construir AV para Madrid. (nem falo entre Poceirão e Caia...) A exploração pode dar lucro, mas é óbvio pela utilização das infraestruturas actuais que economicamente o projecto é uma perfeita asneira.
A questão é que já tenho uma A1, não é usada e ainda não a paguei em termos de "externalidades", porque é que uma máquina de preservativos faria a nova A1 ser mais usada se não é pelos preservativos que eu ando na A1? Obviamente com o exemplo da A1 fui buscar o extremo do argumento, mas o TVGV para Madrid está mais próximo deste extremo que do outro extremo que é "não tenho meio de chegar a Madrid ainda hoje". E isto parece-me indiscutível.
E ainda não comecei a usar os argumentos como "e então Sines não ia ficar a abarrotar de contentores espanhóis?" para destruir o projecto...
Não tem de pedir desculpa, Tonibler. Pena é que não veja publicamente estimulado o debate nestes termos...
ResponderEliminarCaro Ferreira de Almeida, tentarei explicar-me o melhor possivel e desculpar-me por ficar um comentário longo que terei que repartir por dois comentários dado o limite de caracteres. Abreviarei o mais possivel o assunto tocando nos pontos mais relevantes.
ResponderEliminarNão sei se é possivel inflectir a opinião pública dado o que os dois partidos da coligação levianamente foram dizendo ao longo dos anos. Mas algo sei: estão a perceber que o que peroraram ao longo dos tempos é inexequivel mercê dos compromissos anteriormente assumidos pela Républica. Na notícia do Público que deu azo a este seu post e à troca de impressões que se lhe seguiu o mais relevante não é a alteração que o governo está a tentar negociar com o consórcio vencedor mas sim outra coisa que lá está dita: "salvar a face de Passos Coelho". O que o governo está a tentar negociar é exactissimamente o mesmo que estava já adjudicado com a singela alteração de a linha em bitola 1435mm passar a ser única entre o Poceirão e Vendas Novas e entre Évora e o Caia. Criou-se um certo clima de expectativa na opinião pública que a realidade se encarregou de gorar. Agora o governo anda a ver o que pode fazer para não perder a face mesmo já tendo percebido que o que dizia que ia fazer, suspender o projecto, não fará. Simplesmente porque não pode fazer. Entretanto já vimos piruetas deliciosas e até a "linha em bitola europeia para transporte de mercadorias" já é apenas "linha até ao Caia para transporte de mercadorias". Isto porque quando o Álvaro veio a Madrid, o ministro Blanco certamente lhe explicou que, para mercadorias sem restrições, o que haverá no Caia é uma linha em bitola 1668mm e não uma em bitola 1435mm. Já volto às mercadorias e à bitola.
Dissecando um por um, a questão dos fundos comunitários não tem tanto a ver com os que se percam mas sim com os que têm que devolver-se, com a agravante de que Portugal teria que devolver os que recebeu e mais os que Espanha recebeu para o troço Mérida-Caia por estar este incluído num itinerario trans-fronteiriço. Ou seja, um belo imbroglio.
A via única sem atravessamento do Tejo. Ser em via única até posso dar de barato mas a supressão da travessia do Tejo não. Isto porque sem a travessia do Tejo o tempo de viagem não é competitivo. Ilustrando deixo números relativos à ligação Madrid-Barcelona.
2005 - 5h. 480000 pax - 9,7% quota.
2007 - 3h55. 763000 pax - 13,7% quota.
2009 - 2h38. 2652000 pax - 46,9% quota.
Os tempos de viagem cairam duas vezes em valores similares, 1h05 em 2007 e 1h17 em 2008. Com efeitos totalmente diferentes. A diminuição de 1h05 não teve efeitos muito sensiveis mas a de 1h17 permitiu mais do que triplicar o número de passageiros e a quota de mercado. E só tenho à mão os valores para o numero de passageiros porque as receitas (mercê da captação de passageiros de mais alto yield com a segunda diminuição) aumentaram muito mais do que apenas este pouco mais de triplo. Ainda este ano será feita uma redução de cerca de 15 minutos que permitirá ao caminho de ferro passar definitivamente (com apenas esses 15 minutos!) a quota de mercado dos 50% e em yields seguramente a dos 60-65% numa estimativa pessoal muito conservadora. Dei o exemplo do que se passou com a ligação Madrid-Barcelona mas podia identicamente falar em Paris-Londres, Paris-Bruxelas-Colonia e outras. Muito em breve teremos caso semelhante no que toca a Paris-Strasbourg.
E agora a bizarria da bitola de 1435mm para mercadorias. Primeiro e antes de mais, para mercadorias irrestritas, no Caia e em Vilar Formoso há e continuará a haver uma linha em bitola de 1668mm. E continuará nos próximos 20-30 anos dado que até chegar bitola europeia em via convencional à fronteira Portuguesa decorrerão anos. Por outro lado a própria história de se dizer que com bitola Europeia o custo das exportações Portuguesas baixa muito sensivelmente e a quota da ferrovia aumentará brutalmente é totalmente desmentida pela realidade existente. Espanha é o principal destino das exportações Portuguesas. Portugal e Espanha têm a mesma bitola. A quota de mercado do transporte ferroviário de mercadorias entre os dois países é de quase 4%. Será por causa da bitola ser igual?
ResponderEliminarPor outro lado esta história toda da bitola 1435mm de Sines tem mais pormenores jocosos.
Falar-se em que Sines servirá toda a Europa é ignorar que existem mais portos no resto da Península Ibérica e na Europa. O hinterland do porto de Sines alcança, no máximo, Madrid e no que toca a trans-shipment multi-modal pode almejar, no máximo, trabalhar conjugadamente com os portos até Valencia e daí para Sul. Não com os que estão a norte do sistema Valencia/Sagunto. Daí para cima (grosso modo, do Vale do Ebro para norte) existem os sistemas Valencia/Sagunto, Barcelona, porto seco de Zaragoza e Santander/Bilbao que se articulam.
Outro pormenor é falar-se em exportações Portuguesas em bitola europeia mas ao mesmo tempo falar-se em linha de bitola europeia a partir de Sines. Dá-se o caso de que o grosso das exportações industriais está de Coimbra para Norte. Ou seja, fica a linha no sitio exactamente oposto àquele onde teria eventual freguesia. Sendo que ninguém sabe que freguesia seria essa dado isso nunca ter sido avaliado.
E, claro, ainda o pormenor que, das duas uma: ou toda a rede ferroviária a Sul do Tejo ficaria isolada do resto da rede ferroviária nacional por ser convertida para bitola 1435mm ou ter-se-ia que construir uma linha em bitola 1435mm ao lado da já existente (ou reconstruir a actual em bi-bitola o que é pouco natural dados os constrangimentos técnicos da bi-bitola).
Ou seja, tudo o que tem sido dito para justificar estas piruetas é duma incoerência técnica assombrosa.
Incidentalmente e a talhe de foice, preocupa-me esta maluqueira das mercadorias em bitola europeia. É que enquanto se perde tempo com isso não se fala no que é importante e em porque é que a ferrovia tem apenas 4% da quota de mercado no transporte de mercadorias com o principal destino das suas exportações, que está ao lado e por acaso até tem a mesma bitola.
Agradeço-lhe imenso meu caro Zuricher.
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