terça-feira, 22 de novembro de 2011

"Deixa de jogar aos dados!"

Ia fazer quatro anos, um menino lindo, cabelos dourados, lábios rosados, olhar divertido, língua já atrevidota, léxico tipo salada com palavras próprias, originais, que nunca irão fazer parte do idioma que o acolheu, mas que ficarão a perdurar na mente e nos corações de quem teve oportunidade de o ter como um novo sol que não foi a tempo de aquecer a humanidade. Um dia o sol não acordou e o mundo ficou privado de um linda estrela. Tinha adoecido. Os esforços dos familiares e amigos foram em vão. Ainda tentaram criar uma onda de solidariedade, que ondulou um pouco, embora sem crista, apagando-se na areia do esquecimento.
A forma como a solidariedade humana se manifesta é muito interessante. Ela existe, mas precisa de ser estimulada, precisa de publicidade, de "marketing"(?), que palavra tão estranha para abordar num pequeno texto. Não há volta a dar, as grandes manifestações de solidariedade são previsíveis, quando se centram em redor de uma figura pública e são mais comezinhas nos outros casos. Os seres humanos são muito esquisitos. Emocionam-se sempre com a doença de uma criança ou com uma catástrofe colectiva, mas "ignoram" ou "distraem-se" com tragédias discretas ou pequenos dramas infantis que circulam como folhas de outono, caem, são pisadas e passam a alimentar o esquecimento dos vivos. Talvez se apercebam desta aparente incongruência, e rematam muito bem, se não ajudar este menino pode ser que outros possam beneficiar desta onda.
Relativamente à onda de solidariedade e de generosidade que está em curso apetece-me dizer: Deus queira que o menino, mais um menino sol, consiga encontrar um dador. Mas será que Ele quer? A lotaria imunológica é uma realidade inquestionável, havendo por vezes alguém que é compatível com as necessidades do doente. Lotaria, jogo, mais duas palavras que não queria utilizar e ainda por cima associadas a Deus. Nunca acreditei na célebre frase segundo a qual "Deus não joga aos dados". Não joga? Joga pois, deve ser mesmo viciado no jogo, a única forma que deve ter encontrado para se entreter na eternidade, essa substância de que deve ser feito, olhando para este pobre e desgarrado planeta como se fosse uma espécie de pano verde em que as crianças são utilizadas como dados. Joga e não faz batota, mas deveria fazer, sobretudo quando está em jogo a vida de um menino sol que corre o risco de apagar-se antes de ter a oportunidade de aquecer a humanidade. Sempre calado e sempre indiferente à dor e ao sofrimento, resta-nos apenas os homens e as mulheres de boa-vontade que não se vergam e não se entretêm a jogar.
Deixa de jogar aos dados!

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Quanto mais alta é a "visibilidade" da vítima, maior é a solidariedede que recebe; no caso em apreço essa solidariede exponencia-se uma vez que se trata de um menino em risco de vida. Mas não deixa de ser estranho que assim seja, fica-me a sensação que é rara a verdadeira solidariede, aquela que se faz no anonimato...

    E é nestes casos que também penso que Deus não está em toda o lado...

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  3. Espero que os dados da recolha possam ser guardados.

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  4. Tem razão tonibler...agora que fala nisso, a base existe, certo?

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  5. Não sei. Não sei se a lei não obriga a destruir os dados todos após cumprido (que se espera cumprido) o objectivo.
    A sensação que tenho nestas coisas é que a lei é impossível ser boa para todos. Pode dar-se o caso de o pressuposto ser "não se pode fazer bases de dados médicos ou genéticos" e pronto. E tb não se pode dizer que esteja mal.

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