Ia fazer quatro anos, um menino lindo, cabelos dourados, lábios rosados, olhar divertido, língua já atrevidota, léxico tipo salada com palavras próprias, originais, que nunca irão fazer parte do idioma que o acolheu, mas que ficarão a perdurar na mente e nos corações de quem teve oportunidade de o ter como um novo sol que não foi a tempo de aquecer a humanidade. Um dia o sol não acordou e o mundo ficou privado de um linda estrela. Tinha adoecido. Os esforços dos familiares e amigos foram em vão. Ainda tentaram criar uma onda de solidariedade, que ondulou um pouco, embora sem crista, apagando-se na areia do esquecimento.
A forma como a solidariedade humana se manifesta é muito interessante. Ela existe, mas precisa de ser estimulada, precisa de publicidade, de "marketing"(?), que palavra tão estranha para abordar num pequeno texto. Não há volta a dar, as grandes manifestações de solidariedade são previsíveis, quando se centram em redor de uma figura pública e são mais comezinhas nos outros casos. Os seres humanos são muito esquisitos. Emocionam-se sempre com a doença de uma criança ou com uma catástrofe colectiva, mas "ignoram" ou "distraem-se" com tragédias discretas ou pequenos dramas infantis que circulam como folhas de outono, caem, são pisadas e passam a alimentar o esquecimento dos vivos. Talvez se apercebam desta aparente incongruência, e rematam muito bem, se não ajudar este menino pode ser que outros possam beneficiar desta onda.
Relativamente à onda de solidariedade e de generosidade que está em curso apetece-me dizer: Deus queira que o menino, mais um menino sol, consiga encontrar um dador. Mas será que Ele quer? A lotaria imunológica é uma realidade inquestionável, havendo por vezes alguém que é compatível com as necessidades do doente. Lotaria, jogo, mais duas palavras que não queria utilizar e ainda por cima associadas a Deus. Nunca acreditei na célebre frase segundo a qual "Deus não joga aos dados". Não joga? Joga pois, deve ser mesmo viciado no jogo, a única forma que deve ter encontrado para se entreter na eternidade, essa substância de que deve ser feito, olhando para este pobre e desgarrado planeta como se fosse uma espécie de pano verde em que as crianças são utilizadas como dados. Joga e não faz batota, mas deveria fazer, sobretudo quando está em jogo a vida de um menino sol que corre o risco de apagar-se antes de ter a oportunidade de aquecer a humanidade. Sempre calado e sempre indiferente à dor e ao sofrimento, resta-nos apenas os homens e as mulheres de boa-vontade que não se vergam e não se entretêm a jogar.
Deixa de jogar aos dados!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarQuanto mais alta é a "visibilidade" da vítima, maior é a solidariedede que recebe; no caso em apreço essa solidariede exponencia-se uma vez que se trata de um menino em risco de vida. Mas não deixa de ser estranho que assim seja, fica-me a sensação que é rara a verdadeira solidariede, aquela que se faz no anonimato...
ResponderEliminarE é nestes casos que também penso que Deus não está em toda o lado...
...solidariedade
ResponderEliminarEspero que os dados da recolha possam ser guardados.
ResponderEliminarTem razão tonibler...agora que fala nisso, a base existe, certo?
ResponderEliminarNão sei. Não sei se a lei não obriga a destruir os dados todos após cumprido (que se espera cumprido) o objectivo.
ResponderEliminarA sensação que tenho nestas coisas é que a lei é impossível ser boa para todos. Pode dar-se o caso de o pressuposto ser "não se pode fazer bases de dados médicos ou genéticos" e pronto. E tb não se pode dizer que esteja mal.