1.Alexis Carrel escreveu e publicou em 1935 um dos mais famosos ensaios sobre a natureza humana, intitulado “O Homem, esse desconhecido”...deixando a mensagem de que os homens, apesar do avanço da ciência e da tecnologia, mostravam muita dificuldade em conhecerem-se a si próprios...
2.Numa comparação caricatural, elidível certamente, poderá dizer-se que os Europeus criaram o EURO sem muitos deles terem a menor ideia e outros tantos terem uma ideia muito vaga da espécie de criatura que estavam criando...
3.Ainda hoje, volvidos mais de 12 anos sobre a sua paridura, subsiste um notabilíssimo desconhecimento quanto ao papel desta estranha moeda e sobretudo das regras de jogo que a sua utilização exigia fossem cumpridas para que se transformasse um benefício para a generalidade dos utilizadores...
4.Basta atentar na grande maioria dos comentários que são produzidos entre nós acerca da natureza da crise grega e das soluções (?) para a ultrapassar, para se concluir que a ilusão acerca do problema que a Zona Euro deixou criar é muito grande, não menor provavelmente do que a ilusão sobre as virtualidades do EURO na época em que foi criado...
5.Quando se admite que a solução é persistir nas políticas que nos conduziram ao estado de coisas com que estamos defrontados – ainda que sob uma roupagem oratória adaptada aos novos tempos, não deixando de reconhecer a necessidade de medidas correctoras mas rejeitando sempre as que são efectivamente propostas e alvitrando em contrapartida “soluções globais” e favoráveis ao “crescimento” – é evidente que nunca mais será resolvido o problema que tornou impossível a convivência pacífica com o EURO...
6.Ao afirmar-se o primado da política para a solução de um problema que, não deixando de ser político, é na sua génese um problema económico e financeiro – resultante, como afirmei em anterior Post, de opções erradíssimas de política económica acumuladas ao longo de mais de 10 anos, geradoras de desequilíbrios insustentáveis entre economias participantes de uma mesma zona monetária – está-se, consciente ou inconscientemente, a criar o “caldinho” adequado para que a crise se eternize e se transforme num pesadelo de consequências irreparáveis...
7.Pela observação que tenho feito da realidade nacional, quando, muito em síntese:
(i)Ouvi em 2000 um altíssimo responsável da política económica afirmar publicamente a irrelevância da balança externa corrente para uma região de uma união monetária como é actualmente Portugal, comparando-nos, nesse particular, ao Mississipi;
(ii)Ouvi em 2004 um aparte de um destacado deputado da oposição, dizendo que “isto é um um discurso do passado”, em reacção a uma intervenção que produzi na AR chamando a atenção para os altos riscos da persistência dos desequilíbrios da economia e do seu consequente endividamento;
(iii)Ouço agora apelar ao primado da política para resolver, através de soluções globais desconhecidas, rejeitando as soluções concretas que são propostas, um problema que na sua essência é económico e financeiro...
8....Começo mesmo a convencer-me de que o problema que criamos não tem porventura solução e que o EURO continua e continuará a ser, para uma fortíssima maioria dos nossos concidadãos, “esse desconhecido”...
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarNo dia em que António Guterres, como candidato a um segundo mandato como PM, disse numa entrevista a uma jornalista da TVI que não estava preocupado com o endividamento porque Portugal iria estar no pelotão da frente do Euro, aludindo assim a um efeito cambial (?!) para resolver o problema (possivelmente a minha parca inteligência não permite, ainda hoje, atingir com elevação a "teoria do fugitivo", reconheço), fiquei esclarecido quanto aos limites da natureza humana comandante. Por momentos, ainda pensei que depois de tal frase, o Governo, o Estado-Maior do PS e o Conselho de Estado iam todos reunir de emergência com o Gabinete Nacional de Psiquiatria Económica Aplicada. Mas não. Estava completamente errado, isto é, decorreu tudo normalmente, como sempre. Aliás, o que é mais chocante em Portugal é como factos como este e como o da publicação do livro do Prof.Medina Carreira em 2001 acontecem com a normalidade e impacto carcacterísticos da publicação de mais uma história do Asterix ou de um boletim sobre a pluviosidade na Austrália na primeira metade do Sec.XIV. Por estar rodeado de vizinhos por todos os lados, evito fazer aquilo que mais me apetece: berrar! Berrar bem alto "Tirem-me deste pesadelo!".
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarPara juntar ao ponto 7. na sequência de um seminário numa escola de Economia de onde leccionam grandes nomes da política e do comentário nacionais sou questionado sobre um ponto que era fulcral no entendimento daquilo que se tinha estado a falar na última hora. À laia de pergunta a servir de resposta, perguntei a quem me questionava "Diga-me, profa, o que é a economia?" na esperança de poder responder usando a resposta dela que seria, pensei, tirada da ponta da língua em tal templo de especialistas. A Sra., meio engasgada, disse: "Bem, a Economia é o ramo do conhecimento..." . Interrompi, embaraçado (e a pensar "já fizeste asneira da grossa...") e completei a dizer que me referia ao conjunto de mecanismos físicos, não ao ramos do conhecimento. E a resposta foi "Oh, ele há tantas teorias..."
Na verdade, caro Tavares Moreira, o que não falta são "especialistas" em moedas únicas, nas entradas, nas saídas, nas desvalorizações e valorizações; nos organismos financeiros europeus há deles às "mãozadas". Agora, perceber no que é que a moeda (não) tem alguma coisa a ver com o assunto? Oh, ele há tantas teorias...
Caro Flash Gordo,
ResponderEliminarA passagem que cita do dicurso político do ex-ex-ex PM é verdadeiramente admirável e ilustrativa da absoluta cegueira e ignorância que dominava o pensamento dos dirigentes da época, e que se manteve galhardamente até aos nossos dias...
Não admira,pois, o que nos aconteceu, o mais do tempo entregues, como temos estado, a tão esclarecidas mentes!...
Caro Tonibler,
É isso mesmo, o episódio que relata é uma boa amostra do "pensamento" dominante nas esferas esclarecidas do País...
Boa noite,
ResponderEliminargosto de o ler, mas neste particular sendo certo que há muita ignorância por aí no que toca a saber o que é uma moeda ou uma dívida (devia ser leccionado na escola primária...), parece-me que exagera na "culpa" que atribui à unidade de conta em todas estas crises e falsas crises.
É que o projecto era mesmo esse, deixar de usar as batotas monetaristas numa área gigantesca, hiper-diversa e de mais de 400 milhões de habitantes dos mais qualificados e instruídos do planeta. E focar no essencial, criar, empreender, investigar, inventar e vender para o nosso enorme mercado e para todos os outros na medida do mérito de cada um.
É ambicioso, mas é um salto civilizacional porque vale a pena lutar e onde acho que Portugal tem lugar.
Fizemos grandes esforços para apanhar alguns comboios, depois borregámos mais de uma década, mas acredito que ainda podemos corrigir o tiro.
Porque a alternativa parece-me equivaler a pensar logo à partida que o Dr vale menos que um qualquer Schauble da vida e que a cada contrariedade temos sempre no topo das opções atirar a toalha e colocar a culpa em alguns bodes expiatórios imateriais clássicos.
Cumps,
Buiça
Caro Buíça,
ResponderEliminarNão deixando de reconhecer algum méito nas suas congeminações em torno deste tema, peço-lhe o favor de notar que não atribuí ao Euro qq espécie de "culpa" por este desabamento na respectiva Zona...
A responsabilidade, muito menos a "culpa", não é da moeda é sim de quem, tendo elevadas responsabilidades de gestão da economia e das finanças públicas, não foi capaz de entender as regras para a utilização da moeda em condições de benefício geral...
Caro Tavares Moreira
ResponderEliminarA primeira coisa que um alemão faz quando se junta a um grupo é acertar o passo com os outros.
Como o disse há um valente par de posts atrás, o euro é um marco com anabolizantes (não foi bem assim mas, a ideia geral é esta).
Como o disse já e escreveu, não compreendemos isso mas, outros compreenderam: Holanda, Austria, Belgica mesmo a Irlanda.
Agora não podemos, porque não acertamos o passo, fazer como a anedota da autoestrada e clamar que todos estão em sentido contrário.
Por isso, o seu ponto final pode ser mais do que um temor....
Cumprimentos
joão
Caro João Jardine,
ResponderEliminarEssa sua comparação ao automobilista que circula em contra-mão numa AE, insurgindo-se contra o risco que os demais condutores o fazem correr, é perfeita para ilustrar esta aventura mal calculada que estamos a viver!
Quanto ao meu temor, espero sinceramente que não passe disso mesmo, mas há que acautelar...
Com o euro, veio um conjunto de regras que deveriam ter sido cumpridas: limitação de défices, limitação de dívida pública, etc, etc. Essas regras não foram cumpridas, porque muitos políticos e governos, nomeadamente do Partido Socialista que foram os que, no euro, mais ocuparam o Governo, nunca as perceberam, por ignorância pura, ou quiseram aplicar, por demagogia "criminosa". Aqui está a génese, que em Portugal não é outra.
ResponderEliminarO espantoso é que as soluções que se vêm dando para crescer são as mesmas que levaram à crise, como muito bem diz o Tavares Moreira.
Sem uma outra cultura económica e sem mudança radical de mentalidade não vamos lá. Continuamos com o mesmo veneno.
No entanto, para grandes males, grandes remédios. E nós teremos que o tomar. Isto sem negar que a Europa também anda a ver mal o filme. Ou intervém a sério, ou não intervém. E se tivesse intervindo a sério, nunca se falaria da crise de Espanha ou da Itália. Já estariam resolvidas. Agora, como se tem feito, arranjar mecanismos que não suscitam confiança e até são contraditórios, como o aumento do Fundo de Estabilidade, para gerar estabilidade, e obrigatoriedade de perdão de 50% da dívida grega, o que gera instabilidade, arranjar mecanismos tão contraditórios é um verdadeiro paradoxo.
Tem razão, interpretei ao contrário. A haver "culpa" ela é dos governantes que não sabem e não da moeda. Está claro.
ResponderEliminarQuando li sobre o euro desconhecido lembrei-me de durante os fantásticos anos da sua implementação, todos os político e economistas concordarem e anunciarem coisas como "agora é a valer", "o euro vai exigir muito de nós", de Cavaco a Guterres, Sousa Franco e tantos outros sempre explicaram, avisaram, aconselharam cautelas.
Tenho para mim que foi no segundo meio mandato de Guterres, quando passámos a ter ministros das finanças sem peso, que tudo descambou de vez.
Nomeadamente: com um primeiro ministro de outra formação, Pina Moura nunca podia ter sido escolha; uma "orçamentista" como Ferreira Leite idem; Bagão Félix nada podia com Santana Lopes em cima; na mesma lógica Campos e Cunha fez muitíssimo bem em demitir-se quando ficou claro quem iria mandar; Teixeira dos Santos prestou um mau serviço ao país por aceitar emprestar credibilidade àquela quadrilha.
Foram aproximadamente 10 anos perdidos assim. Espero que se fale disto para não voltar a acontecer.
As minhas desculpas pela injustiça anterior.
Cumps
Buiça
Caro Pinho Cardão,
ResponderEliminarQuase 100% de acordo! A difrença, pequena de resto, tem a ver com o conceito de "intervenção a sério": pela razão simples de que, em minha opinião e num problema desta escala, essa "intervenção a sério", se for mal calculada, pode redundar num desastre sem recuo...
E o saber se é bem ou mal calculada é de escrutínio quase impossível a priori...
Caro Buíça,
Não tem nada que se desculpar, ora essa!
Quanto à sua digressão histórica acho-a bem interessante, permita-me apenas o reparo de que MFL terá sido a única responsável que teve uma noção muito próxima do problema que tinha em mãos e que o tentou atacar com coragem...até ser triturada por eminentes personalidades que entendiam haver mais vida para além do défice...