Foram múltiplas as vozes, de diversos quadrantes da sociedade e do espectro político e institucional, que se levantaram contra a injustiça que esta medida configurava, tendo sido proposto, em alternativa, o lançamento de um imposto extraordinário que levaria “apenas” um dos subsídios para toda a sociedade – e não apenas para o sector público e os reformados.
É sabido que, muito antes de estes cortes salariais acontecerem – aliás, bem antes dos do ano passado – avisei, num Congresso do meu Partido, o PSD, para uma tal inevitabilidade. Continuo hoje a pensar que, no actual contexto, não havia outras possibilidades – como não existiram, no ano passado, ainda com José Sócrates como Primeiro-Ministro. Já nem se trata de esgrimir argumentos quanto à injustiça desta medida (haverá medidas violentas de austeridade, como esta, que sejam justas?...), ou de nos agarrarmos à repartição do esforço de ajustamento orçamental estipulado no Programa de Assistência Económica e Financeira em Maio último (2/3, no mínimo, do lado da despesa pública; 1/3, no máximo, do lado da receita), ou de, comprovadamente, os ajustamentos assentes maioritariamente na redução da despesa terem uma muito maior probabilidade de sucesso do que os baseados mais no aumento da receita. Não.
Tudo isto é verdade – e já foi por mim abordado, recentemente, em intervenções orais ou escritas. Apresento hoje outro argumento que me parece ser também muito válido para defender este desagradável corte salarial contra um adicional aumento de impostos. Uma análise da evolução dos números da receita fiscal mostra que, a soma do montante cobrado em impostos directos e indirectos, e incluindo ou não as contribuições para a segurança social, estará, em 2012, de acordo com o OE agora aprovado, sensivelmente ao mesmo nível da importância de 2008: cerca de EUR 61 mil milhões ou cerca de EUR 41 mil milhões, respectivamente.
Sucede que, entre 2008 e 2012, assistimos, em Portugal, a vários (e fortes) aumentos da carga fiscal: em todas as taxas do IVA, no IRS, no IRC, no IMI, no Imposto sobre produtos petrolíferos, no Imposto sobre veículos, no Imposto sobre o tabaco… e a lista poderia continuar, até cobrir praticamente todos os impostos e taxas que pagamos. O que isto significa é que já nos encontramos, claramente, na parte descendente da conhecida curva de Laffer[i] (a sombreado na figura), em que aumentar mais os impostos já tem efeitos contraproducentes na receita cobrada, seja porque prejudica mais do que proporcionalmente a actividade económica, seja porque incentiva a fraude e a evasão fiscais…
… Pelo que, lançar mais impostos (do que os já estão previstos para 2012 e que, infelizmente, não são poucos…) conduziria, está-se mesmo a ver… a uma receita menor do que a que seria previsível (o que, mesmo nas actuais circunstâncias, é um risco bem real: por exemplo, com uma recessão mais profunda do que se estima, mais empresas encerrarão portas, o desemprego será maior e o consumo diminuirá ainda mais – logo, a receita cobrada, seja em sede de IRS, de IRC ou de IVA, entre outros impostos, será menor).
t* - nível óptimo de tributação, a partir do qual taxas de impostos mais elevadas diminuem a receita cobrada.
Assim, na actual conjuntura, trocar o corte de salários e pensões pelo lançamento de uma sobretaxa extraordinária seria trocar o certo (a redução da despesa pública que os cortes proporcionam e que o Governo sabe com exactidão) pelo incerto (um imposto cuja cobrança poderia, com grande probabilidade, e como já referi, situar-se abaixo do previsto). Isto para além dos factores que já atrás referi (que, no contexto que enfrentamos, não podem ser ignorados), e de agravar (mais…) a já de si muito desfavorável posição de Portugal em termos de competitividade fiscal no contexto europeu e global (situação que, como é público, muito me tenho esforçado por denunciar e combater desde há mais de 10 anos, infelizmente sem grandes resultados). Seria, pois, aumentar o risco – que, como se sabe, já existe – de termos que lançar mão de (ainda) mais austeridade para atingir o défice previsto para o próximo ano. Com todas as negativas consequências que daí decorreriam. Sinceramente, mesmo que outros factores não existissem – e existem, como se viu – só este não seria mais do que suficiente para não se optar por uma tal solução?!...
[i] A curva de Laffer, da autoria do economista americano Arthur Laffer, estabelece a relação teórica entre o valor arrecadado com impostos por um Governo e todos os possíveis níveis de tributação ou de carga fiscal. Se a tributação for nula, obviamente a receita arrecadada também o será; até um determinado nível de tributação considerado óptimo (t*), o aumento da receita cobrada será mais do que proporcional ao aumento da carga fiscal; a partir daí, o lançamento de mais impostos conduz a perdas de receita, porque, teoricamente, a partir de um determinado nível de tributação, os incentivos à produção ou à criação de valor são decrescentes (no limite, com uma carga fiscal de 100% não há qualquer incentivo para que o sujeito passivo da obrigação fiscal crie valor – pelo que não haverá qualquer receita cobrada).
Nota: Texto publicado no jornal "Sol" em Dezembro 09, 2011.
É por isso que muitos de nós tem vindo a alertar que o ajustamento devia ser feito por via da diminuição da despesa pública (como gestor não entendo como não se vê as enormes deficiências no estado) e nunca por aumentos de impostos (nomeadamente em bens cuja "construção" é feita em mão de obra nacional intensiva. Um estudo rápido efectuado com base em valores do volume de negócios da restauração demonstra que a partir de 15% de quebra de volume provocado por aumentos de taxas "Laffer" está presente). Isto extravasa para o domínio do sector dos ginásios e de múltiplas pequenas actividades que não tem efeito não só no desequilíbrio externo como no volume de receita.
ResponderEliminarDr. Miguel Frasquilho:
ResponderEliminarA valia técnica não está em causa.
No entanto, desejo afirmar-lhe que há um campo onde tudo se decide seja ´momento económico seja cultural e que é o político.
Neste último campo, o Primado da Lei é matriz fundamental. Mude-se a Lei se necessário fôr, mas enquanto estiver vigente o actual texto (v.g. constitucional)só com hermenêuticas de trapézio é que se consegue justificar o confisco ou nacionalização parcial.
Conseguindo-se por via da hermenêutica do trapézio, consegue-se um poderoso precedente: o circunstancial sobrepõe-se à intenção normativa estabilizadora, e aqui abre-se a caixa de Pandora.
Um Povo que já de si tem dificuldade em amar o cumprimento da Lei, vê naquilo que seriam os seus excelsos...a incumprir a lei.
O corte da despesa só pode ser um: reduzir o Estado. Seja nas prestações sociais, seja nos despedimentos da Função Pública, seja na plafondização das pensões.
Para tanto: revisão da Constituição.
Se andarem por atalhos, em vez de percorrerem o caminho do Direito, fazendo-o uma farsa, legitimam a violência da sociedade civil, pois o contrato foi incumprido pelo próprio momento político.
Senhor Deputado,
ResponderEliminarEste eleitor fica baralhado com as suas contas.
Este ano, o corte de meio mês na pensão é imposto. Para o ano o corte de dois meses é corte de despesa. Em que ficamos?
Levem-nos a massa mas não nos façam passar por tolos.
Já agora corrija e faça por corrigir aos seus pares a incorrecção da designação de subsídios aos reformados pela segurança social. Não há subsídios, há prestações.
Quando são calculadas, as pensões são calculadas pelo valor anual. Depois, por asneira sistemática, dividem esse valor por 14 prestações e a duas delas chamam subsídios de férias (a reformados!!!!!) e de Natal.
Os pensionistas da segurança social não são subsdidiados pelo Estado. Descontaram toda a vida profissinal um valor correspondente a quase 35% do seu salário ilíquido.
Não os insultem!
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ResponderEliminarConcordo inteiramente com o caro Rui Fonseca.
ResponderEliminarQuando se tenta justificar o injustificável dá nisto...