quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A irresistível (inútil) tentação de clamar contra as agências de "rating"...

1.Acabamos de viver mais um daqueles momentos de exacerbado “patriotismo” por parte de habituais comentadores políticos da nossa praça, tendo como alvo desta vez – mais uma vez, de resto – as odiadas agências de “rating”, com especial atenção na malvadez praticada pela Standard & Poor’s que decidiu colocar o nível de “rating” da dívida pública portuguesa em “junk” – traduzido para “lixo”, no léxico doméstico.
2.Um dos mais destacados comentadores foi mesmo ao ponto de dizer “lixo não somos nós, são eles”, como se a classificação dada pela S&P tivesse alguma coisa a ver com pessoas e não com a qualidade da dívida que a República emite...
3....mas compreendo que para um republicano de excelência e crente incondicional nas virtudes axiomáticas desta República, o gesto da S&P até possa ser tomado como ofensa pessoal...
4.Desta vez nem o Governo escapou às manifestações de indignação, tendo um dos seus mais destacados membros sugerido a necessidade de uma “resposta europeia” às decisões da S&P...
5....no que entedi tratar-se quiçà de uma sugestão para mega-manifestação em Bruxelas, reunindo milhares de burocratas (eurocratas à cabeça), políticos e outras notabilidades, munidos de bandeiras e de cartazes com frases de protesto contra a malvadez imperialista, ao pior estilo “Yankee”, das agências de “rating” que atentam contra o Euro...
6. Felizmente, o Presidente da República manteve desta vez prudente silêncio, percebendo provavelmente que caberia em última análise aos mercados dar às agências de “rating” a única resposta com sentido útil.
7.E os mercados aí estão a responder, de forma inequívoca e sem perda de tempo; hoje aceitando tomar dívida pública portuguesa por um montante elevado - € 2,5 mil milhões – e a taxas bem inferiores às de anteriores leilões: € 496 milhões a 3 meses, taxa média de 4,346% (igual à de há 2 semanas, muito inferior à do último leilão de Dezembro); € 754 milhões a 6 meses, taxa média de 4,74% (anterior 5,25% em Nov/2011); € 1.250 milhões a 11 meses, taxa média de 4,986%.
8.Note-se que o IGCP já não realizava leilões de dívida por prazo superior a 6 meses desde a altura em que foi celebrado o acordo com a Troika, em Maio de 2011, o que confere especial (positivo) significado à colocação de dívida a 11 meses, a qual reflecte uma curiosa aposta dos investidores, ou seja do mercado (execrável criatura, para os nossos comentadores) na dívida portuguesa.
9.Com este resultado, adicionado ao sucesso da colocação de dívida espanhola ontem e de dívida francesa na 2ª Feira, está dada a resposta dos mercados ao anúncio da S&P, da última 6ª Feira, de baixar os “ratings” das dívidas da França e da Áustria de AAA para AA+ e de outras dívidas para “lixo”...
10....é a única resposta possível, face à considerável inutilidade das reacções dos nossos patrióticos comentadores... cujo patriotismo, suspeito, terá mais a ver com a ameaça de perda de vantagens e mordomias pessoais/grupo que esta República bendita lhes proporciona do que com a defesa da independência nacional ou da honra nacional...
11....mas tenho de admitir que essa suspeita será infundada/injusta, os ditos comentadores lá no fundo até serão grandes patriotas...

7 comentários:

  1. E porque não aceitar que os novos ratings são os ratings merecidos?
    A verdade é que se atribuiem ratings às aplicações financeiras (dívidas soberanas também) em função da sua rentabilidade e segurança.
    Ora, em países que nunca vão voltar a crescer e que detêm uma dívida (a que está a ser avaliada) substancial, que rentabilidade (real) e segurança existem e lhes estão associadas? ZERO.
    Claro que é muito melhor aplicar os fundos (também o nosso dinheiro está nesses fluxos financeiros) nos países emergentes onde se cresce, se investe e onde está todo o restante dinheiro…
    Quem aplica dinheiro (que tenha guardado para quaisquer necessidades futuras) numa tasca velha, suja e sem futuro, que se “arrasta” à custa de qualquer dinheiro que possa apanhar, sem pensar na sua devolução, quando tem ao lado um restaurante moderno, na moda e bem gerido, que também procura investidores e garante a respectiva retribuição e segurança? Ninguém.
    http://notaslivres.blogspot.com/2012/01/7600000000000-de-dolares.html
    E não vale a pena achar que isto é conluio americano pois os EUA não terão senão o mesmo destino. O futuro está no crescimento das populações mais pobres, dispostas a trabalhar por menos dinheiro, enquanto as populações mais ricas, vão vendo o trabalho se lhes escapar por entre os dedos para os primeiros. Com o trabalho vai a riqueza e o nível de vida. Que, reconheçamos, é alto de mais para o Planeta em que vivemos. Principalmente quando 3/4 da população ainda vive bem lá por baixo…
    http://existenciasustentada.blogspot.com/
    Mas não é tudo. O sucesso dos leilões é totalmente fictício. Apenas resulta da aplicação ilimitada de liquidez (500 mil milhões) que o BCE disponibilizou aos bancos. Sustentada em dívida, para aplicar em nova dívida. Tudo isto é apenas um remedeio e um adiamento do problema.
    Adiamento que (convenhamos) é necessário para ganhar o tempo necessário para as mudanças. Infelizmente, estas "soluções" são cada vez mais "monstruosas" e menos intervaladas. Até não dar...

    ResponderEliminar
  2. Eu depois de ter ouvido um muito mediático político nacional a justificar os 60 mil euros que gastou na decoração do seu gabinete de secretário-de-estado de "coisa nenhuma" com "até saiu barato..." não tenho grandes dúvidas do patriotismo envolvido.

    ResponderEliminar
  3. Caro Gonçalo,

    Em algum ponto deste Post encontra oposição à justeza do cortes de "rating"?
    Curiosamente o PM italiano, Mario Monti, declerou que as agências de rating têm razão(o "rating" da dívida italiana baixou 2 notches...). Contrastes...

    Caro Tonibler,

    Devo até admitir que esse Secretário de Estado seja dos mais patrioticamente indignados contra as agências de "rating" que, sem qq respeito por S. Exas., põem injustamente a nú o lado menos bom desses patrióticos trabalhos de decoração dos gabinetes governamentais...

    ResponderEliminar
  4. Caro Tavares Moreira, o IGCP diz que emitiu a 11 meses "a pedido de investidores", mas qual é afinal o interesse dos investidores em investir a 11 meses em vez de ser a 3 ou a 4? É porque estão cheios de confiança ou por outra razão qualquer de ordem prática e conjuntural? Porquê 11 meses e não 1 ano, ou dois? Ou este sinal afinal não é sinal de coisa nenhuma ou seja, não merece nem elogios nem reservas, é uma decisão de gestão sem outro significado senão esse mesmo?

    ResponderEliminar
  5. Cara Suzana,

    Admito que o prazo dos 11 meses tenha sido escolhido para que o vencimento ocorra ainda em 2012, doutro modo seria mais normal uma emissão a 12 meses, completando o leque das emissões de ontem (3, 6 e...meses).
    Os tais investidores estarão porventura confortáveis com o risco português até final do ano, para além disso deverão querer esperar para ver...
    Assim sendo, é possível que em Fevereiro venham a realizar alguma emissão a 10 meses, quem sabe...

    ResponderEliminar
  6. Não encontro. Estava a corroborar a sua exposição.

    ResponderEliminar
  7. Caro Gonçalo,

    Registo a sinceridade da sua declaração.
    Entretanto o Presidente acabou por não resistir e deixou hoje cair uma nota pública de agastamento em relação às agências de rating...não havia mesmo necessidade, que pena...

    ResponderEliminar