É sempre o mesmo dilema, como é que se arruma uma estante? De todas as coisas que se vão amontoando numa casa ao longo da vida, a estante dos livros é talvez a mais representativa da vivência dos seus habitantes. Ao princípio parece enorme, os livros organizam-se à larga, estão quase todos novos, de casa dos pais vieram só os preferidos, os “nossos” foram chegando a pouco e pouco. Depois há uma altura em que temos que dividir os espaços, este lado é o teu aquele o meu, não mistures tudo porque depois nunca encontro o que procuro. O espaço é cada vez mais apertado, as vagas de livros sucedem-se e a evolução das preferências ou da curiosidade de cada um também, os mais antigos são empurrados para o alto, onde só se chega com o escadote, mesmo assim há os que nunca cedem o seu espaço de honra, os preferidos, os que podemos querer reler, os que consultamos com frequência. Essas fileiras, as dos preferidos, sofreram várias erosões à medida que as crianças cresceram e tiveram interesse em os ler, empresta-me este, posso levar aquele, primeiro migraram para a estante delas, muitos migraram já para as casas respectivas, ainda me custa encontrar livros novos no espaço cativo de alguns dos meus favoritos. Ao fim de umas décadas na mesma casa, para além de estantes suplementares na arrecadação onde jazem as vitimas das sucessivas arrumações e novas definições de prioridades, uma estante é um verdadeiro retrato dos habitantes da casa, mostra os seus gostos, a sua sensibilidade, os autores que mais os marcaram, um certo caos cultural ou uma tendência firme por certos temas, enfim, é todo um pequeno mundo ali a espreitar e a mexer-se, sob a enganosa capa da imobilidade. Parecem muito quietos, os livros, mas se os tiramos do sítio sai-lhes o diabo do corpo, as memórias saltam de repente e nós andamos de um lado para o outro atrás delas.
Por isso arrumar uma estante é sempre uma complicação, lembras-te deste livro, já viste a dedicatória, estava em tal emprego quando o comprei, ou em tal sítio, este foi o meu pai que o trouxe, aquele foi o teu pai que mo deu, aquele custou uma fortuna, estes trouxemos das viagens que fizemos, já nem lembrava, deixa esse, não mudes, esse sim, pode ir lá para cima, esse não, esse para que o queres, e quando não nos lembramos começamos a folhear e lembramo-nos logo, ah, já sei, é mesmo interessante, queres ouvir um bocadinho?, e assim se passa a tarde toda de domingo, os livros todos espalhados no chão, a pilha dos que são para sair ainda tão pequena e os que são para ficar, mais os que andavam por aí espalhados pelos cantos, fazem um monte enorme. Fiquei angustiada com as escolhas, não gosto de me separar dos meus livros, nem sequer de os mudar de sítio, gosto deles assim caóticos, nunca consegui organizar por autores, ou por temas, ou seja lá pelo que for a não ser por gostar mais ou menos deles, ou de quem mos deu, ou pela memória que despertam. Dá-me um secreto prazer que a minha metade da estante seja um enigma para os outros, uma balbúrdia, como dizem os entendidos, pois sim, mas é assim que eu gosto.
De modo que fiz uma bela tentativa de organização, tive um trabalhão e acabou tudo mais ou menos como estava, tirando uma dezena de novos que entraram e de antigos que saíram, mas ainda não me convenci a separar-me deles, mais uns dias e ficam em segunda fila, e volta tudo ao mesmo.
Por isso arrumar uma estante é sempre uma complicação, lembras-te deste livro, já viste a dedicatória, estava em tal emprego quando o comprei, ou em tal sítio, este foi o meu pai que o trouxe, aquele foi o teu pai que mo deu, aquele custou uma fortuna, estes trouxemos das viagens que fizemos, já nem lembrava, deixa esse, não mudes, esse sim, pode ir lá para cima, esse não, esse para que o queres, e quando não nos lembramos começamos a folhear e lembramo-nos logo, ah, já sei, é mesmo interessante, queres ouvir um bocadinho?, e assim se passa a tarde toda de domingo, os livros todos espalhados no chão, a pilha dos que são para sair ainda tão pequena e os que são para ficar, mais os que andavam por aí espalhados pelos cantos, fazem um monte enorme. Fiquei angustiada com as escolhas, não gosto de me separar dos meus livros, nem sequer de os mudar de sítio, gosto deles assim caóticos, nunca consegui organizar por autores, ou por temas, ou seja lá pelo que for a não ser por gostar mais ou menos deles, ou de quem mos deu, ou pela memória que despertam. Dá-me um secreto prazer que a minha metade da estante seja um enigma para os outros, uma balbúrdia, como dizem os entendidos, pois sim, mas é assim que eu gosto.
De modo que fiz uma bela tentativa de organização, tive um trabalhão e acabou tudo mais ou menos como estava, tirando uma dezena de novos que entraram e de antigos que saíram, mas ainda não me convenci a separar-me deles, mais uns dias e ficam em segunda fila, e volta tudo ao mesmo.
Ainda bem que decidi ir fazer biscoitos ao fim da tarde, estava a precisar de me distrair.
Mesmo, mesmo a propósito deixo aqui uma ilustração deste seu post:)
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=SKVcQnyEIT8&feature=player_embedded
Como eu entendo bem este post!
ResponderEliminarUm pouco como a Suzana, não consigo fazer uma verdadeira arrumação dos meus livros, porque tenho a maior das dificuldades em lhes decretar a sentença de morte, transferindo-os para o "arquivo morto" situado na arrecadação. Há tempos mandei fazer uma estante em madeira na dita arrecadação para receber os livros com a dignidade que merecem. Gastei um bom dinheiro com a ideia. Qual quê, não consigo separar-me deles, ainda que muitos deles já estejam em segunda fila, perderam o lugar de destaque. Antes em segunda fila em cima, do que em primeira fila em baixo!
ResponderEliminarCara Suzana, do que se foi lembrar a minha cara Amiga, do que se foi lembrar... Há assuntos em que prefiro nem pensar e o dos livros é um deles. Lá chegará o dia em que saio eu de casa para ficarem os livros... Aliás, se um dia os juntar todos na mesma casa é o que tenho de mais certo. Com o passar dos anos acumulam-se a perder de vista e, tal como a Suzana e a Margarida, sou totalmente incapaz de desfazer-me seja de que livro for. Na verdade é algo que nem sequer gosto de emprestar. Vão-se comprando, vão-no-los oferecendo, mais os da faculdade e profissionais, estes e aqueles, enfim, juntam-se umas centenas de titulos em menos de nada. O problema é que o espaço, ao contrário da Praça do Comércio, não é elástico!
ResponderEliminarNos dias sombrios, não sei bem porquê, apetece-me olhar para a estante, rever os títulos, folhear umas páginas, e depois caminhar com ar melancólico para o sofá no propósito de alguma leitura.
ResponderEliminarMas ontem não. Estava um dia brilhante a convidar um piscar de olhos ao mar, sentado numa esplanada, um almoço ligeiro e económico como convém, foi o que fiz, ali na Ericeira.
Mais tarde, já em Lisboa, fui ver a "Dama de Ferro". Vale, a meu ver, pela interpretação magistral de Meryl Streep, também um pouco pela analogia do discurso político com o atual, o que me levou a pensar que não saímos do mesmo, não inovamos, mas somos muito bons a papaguear...
os livros enchem de pó todo um espaço, logo é deixá-los quietinhos que a geração seguinte logo se encarrega de os pôr no lixo.
ResponderEliminarOu o pessoal da câmara de Lisboa se a pessoa em causa tenha sido semi-devorada por ratos ou cães...ultimamente é mais cães.
quantas vezes se pode voltar a ler um livro?
no máximo 3
excepto: diccionários e enciclopédias e livros de culinária
Como eu a entendo, Dra. Susana! Tive direito a um Kindle de presente de Natal, para nao continuar a multiplicar o espaco ocupado por livros, mas nao eh a mesma coisa...
ResponderEliminarAna Rita, parece mesmo feito de propósito,na versão animada o efeito é fantástico!
ResponderEliminarCaros Ferreira d'Almeida, Margarida e Zuricher, se calhar é o problema de uma geração, o mesmo gosto pelos livros, cultivado muitos naos, e as casas muito mais pequenas, onde mal cabe uma estante. Há dias, a propósito de umas obras que penso fazer em casa, foi lá um entendido que demolia quase tudo, paredes e portas, espaços largos, tudo uito bonito nmo papel, mas é claro que os móveis tinham que ser outros, minimalistas, a primeira condenada foi logo a minha preciosa estante, incompatível com a "visualização" do espaço.
Caro jotac, tem toda a razão quanto ao dia maravilhoso, mas na véspera quase me matei de cansaço a tratar do meu jardim, estive a cortar a sebe e a tirar ervas, nem imagina como me custava sequer o gesto de levantar os braços para arrumar as prateleiras. Além disso fomos dar um enorme passeio a pé, logo de manhã, por isso soube-me muito bem ficar em casa, não fosse a infelz ideia de arrumar a estante e teria tido um domingo fantástico :)
Car Goggol, não deixa de ter razão, é um ponto de vista prático, sensato, mas nem tudo se ajusta a essa visão racional, na hora de deitar os livros fora (e não só os livros)lá vem o histórico exigir a sua parte de leão :)
Cara MM, não é não, o melhor mesmo é ficar ocm as duas coisas, pelo menos o kindle não ocupa espaço...
Devo confessar que as "minhas" estantes estão sempre perfeitamente "organizadas". Cá em casa o uso capião ainda só se aplica aos hemisférios do leito e por isso as estantes vão sendo "desorganizadas" pela Dulcineia.
ResponderEliminarMas deixe-me sugeri-lhe, cara Suzana Toscano, o seguinte argumento para silenciar os que a chamam de caótica. Diga simplesmente que o conhecimento é uma rede como este mapa, pouco compatível com a linearidade da estante. Aliás há uma multitude de linhas/caminhos no seu mapa dos livros e cada arrumação é um passeio. Os organizados são uns monótonos...
Obrigada pela sugestão, caro Mandatário do Réu, embora não ligue nenhuma aos que me criticam o caos, não deixarei de os remeter para o seu mapa!
ResponderEliminarOlá,
ResponderEliminarqueria mais informações sobre a imagem com a qual você começou a postagem.
Obrigada,
Pamela