Dizia-me há dias um amigo que tem que fazer um esforço para telefonar todas as noites à mãe, uma senhora já com 80 anos que vive sozinha. Queixava-se de que ela fica a contar as mesmas histórias vezes sem conta, sempre com os mesmos detalhes que a ele não lhe dizem nada, sobre pessoas que não conhece ou que já morreram há muito tempo mas que, quando ele quer mudar de assunto e contar-lhe coisas da vida dele, pelas quais uma mãe se devia interessar, fica irritada e queixa-se de que ele nunca tem paciência para ela. E que as conversas acabam sempre com os dois meio amuados.
Uma amiga minha teve que ir tomar conta do pai enquanto a mãe recuperava de uma cirurgia no hospital. Indignava-se com os hábitos dele, queria mudar e corrigir, até o modo como ele falava da mãe a indignava, até que o pai lhe disse que estava melhor sozinho, o que a magoou profundamente. É óbvio que ela não podia entrar pela vida deles adentro e impor-lhes a sua lógica, por muito boa e sensata que fosse, o mais que temos é que nos fazer leves, não fazer sentir a nossa ajuda, deixar que a sua normalidade se mantenha, a mudança é terrível e baralha-os completamente.
É muito difícil tratar de pessoas com muita idade e o facto é que não estamos preparados para isso. Toda a gente tem imensas teorias e leituras sobre como tratar com as crianças, trocam-se experiências, fala-se com o médico, não há detalhe nenhum que escape à indústria da educação, mas quanto a velhos, estamos conversados, é um vazio absoluto. Mesmo com os médicos, salvo um ou outro caso raro, ficamos muitas vezes mais angustiados do que antes, receitam uma infinidade de medicamentos, de exames tantas vezes inúteis, o dia a dia torna-se complicadissimo e quantas vezes temos a sensação de que uma boa parte daquela trapalhada era dispensável se soubessemos perceber melhor o que é a evolução de uma pessoa na parte final do seu tempo de vida, o que é a decrepitude, e não a doença. E, no entanto, faz muita falta, sobretudo quando temos mesmo que nos ocupar deles um tempo largo das nossas vidas, cada vez maior porque as exigências aumentam exponencialmente com o grau de longevidade. Acontece-me agora com frequência falar sobre isso com outras pessoas que têm os mesmos dramas, e o que verifico é que vamos fazendo o que nos lembramos, e o que podemos, mais por instinto, tantas vezes ditado pelo amor que lhes temos, do que por sabermos com alguma ciência o que fazer. Isto significa que muitas vezes teimamos em fazer o que não devíamos, insistimos, exasperamo-nos, às vezes até nos ofendemos com a falta de resposta, estou eu aqui e esforçar-me por te animar e tu nem respondes, não gostas deste filme?, não viste a revista nova?, também não te interessas por nada!, mas a verdade é que nao percebemos nada do fenómeno do envelhecimento, do que é que se passa naquelas cabeças, o que os afasta de nós e o que pode prendê-los um pouco. A minha mãe diz-me com frequência, não vês que isso já nao me interessa nada? Quando quero que ela caminhe um pouco, para combater a imobilidade quase absoluta, nem levanta os olhos do chão, tanto lhe faz se é o mar se é um monte, se o café está cheio ou vazio, às vezes hesito se devo insistir, revolto-me por achar que não reconhece o meu esforço, mas depois percebo que estou a pensar tudo mal, quero fazê-la parte do meu mundo, interessar-se pelo que eu achei nteressante e estes mundos já não se cruzam, só lá muito atrás, talvez, mas agora não, os círculos não são secantes, com sorte um pouco tangentes, mas a natureza vai fechando o seu ciclo e afastando, protegendo, cerrando os seus braços em torno da memória, a natureza prepara o desprendimento, do mesmo modo que a natureza prepara uma criança para crescer. Com as crianças sentimos o fascínio de os trazer até nós, com os velhos sentimos a angústia de os ver afastar-se, encerram-se porque é assim mesmo, tem que ser, se calhar tem mesmo, o facto é não sabemos como cuidar deles nem percebemos como aprender esta nova forma de amar. É difícil, sim.
Uma amiga minha teve que ir tomar conta do pai enquanto a mãe recuperava de uma cirurgia no hospital. Indignava-se com os hábitos dele, queria mudar e corrigir, até o modo como ele falava da mãe a indignava, até que o pai lhe disse que estava melhor sozinho, o que a magoou profundamente. É óbvio que ela não podia entrar pela vida deles adentro e impor-lhes a sua lógica, por muito boa e sensata que fosse, o mais que temos é que nos fazer leves, não fazer sentir a nossa ajuda, deixar que a sua normalidade se mantenha, a mudança é terrível e baralha-os completamente.
É muito difícil tratar de pessoas com muita idade e o facto é que não estamos preparados para isso. Toda a gente tem imensas teorias e leituras sobre como tratar com as crianças, trocam-se experiências, fala-se com o médico, não há detalhe nenhum que escape à indústria da educação, mas quanto a velhos, estamos conversados, é um vazio absoluto. Mesmo com os médicos, salvo um ou outro caso raro, ficamos muitas vezes mais angustiados do que antes, receitam uma infinidade de medicamentos, de exames tantas vezes inúteis, o dia a dia torna-se complicadissimo e quantas vezes temos a sensação de que uma boa parte daquela trapalhada era dispensável se soubessemos perceber melhor o que é a evolução de uma pessoa na parte final do seu tempo de vida, o que é a decrepitude, e não a doença. E, no entanto, faz muita falta, sobretudo quando temos mesmo que nos ocupar deles um tempo largo das nossas vidas, cada vez maior porque as exigências aumentam exponencialmente com o grau de longevidade. Acontece-me agora com frequência falar sobre isso com outras pessoas que têm os mesmos dramas, e o que verifico é que vamos fazendo o que nos lembramos, e o que podemos, mais por instinto, tantas vezes ditado pelo amor que lhes temos, do que por sabermos com alguma ciência o que fazer. Isto significa que muitas vezes teimamos em fazer o que não devíamos, insistimos, exasperamo-nos, às vezes até nos ofendemos com a falta de resposta, estou eu aqui e esforçar-me por te animar e tu nem respondes, não gostas deste filme?, não viste a revista nova?, também não te interessas por nada!, mas a verdade é que nao percebemos nada do fenómeno do envelhecimento, do que é que se passa naquelas cabeças, o que os afasta de nós e o que pode prendê-los um pouco. A minha mãe diz-me com frequência, não vês que isso já nao me interessa nada? Quando quero que ela caminhe um pouco, para combater a imobilidade quase absoluta, nem levanta os olhos do chão, tanto lhe faz se é o mar se é um monte, se o café está cheio ou vazio, às vezes hesito se devo insistir, revolto-me por achar que não reconhece o meu esforço, mas depois percebo que estou a pensar tudo mal, quero fazê-la parte do meu mundo, interessar-se pelo que eu achei nteressante e estes mundos já não se cruzam, só lá muito atrás, talvez, mas agora não, os círculos não são secantes, com sorte um pouco tangentes, mas a natureza vai fechando o seu ciclo e afastando, protegendo, cerrando os seus braços em torno da memória, a natureza prepara o desprendimento, do mesmo modo que a natureza prepara uma criança para crescer. Com as crianças sentimos o fascínio de os trazer até nós, com os velhos sentimos a angústia de os ver afastar-se, encerram-se porque é assim mesmo, tem que ser, se calhar tem mesmo, o facto é não sabemos como cuidar deles nem percebemos como aprender esta nova forma de amar. É difícil, sim.
;)))
ResponderEliminarAcontece comigo mais ou menos o mesmo que com o seu amigo, cara Drª. Suzana. Com algumas diferenças;
A minha mãe, também com 80 anos de idade, também viuva e a teimar em querer viver sózinha, apesar de a casa dela distar da minha, 5 minutos de carro, também repete vezes sem conta os acontecimentos que lhe preencheram a vida até uma certa idade, penso que, até à idade em que a recta começou a teimar tornar-se uma linha curva, descendente.
Todos os dias, no regresso do emprego passo na casa dela. Conta-me como passou o dia, onde foi, o que fez, com quem conversou, o que disseram, comenta as notícias dos telejornais, preocupa-se imenso com o desemprego e com a possibilidade de um dia, algum de nós, filho, nora, netos, nos virmos a encontrar nessa situação. Daí para as recordações do tempo de criança, e das dificuldades que passou, é um pulinho. Riu-me e respondo-lhe que estou preparado para o desemprego.
-Estás?
-Estou, mãe. Olhe, até era um favor que me faziam; deixava de ter de ir todos os dias para Lisboa.
-Ah pois, e alimentavas-te do ar...
-Não havia problema, fazia uma horta, criava umas galinhas... não me está sempre a dizer que quando era criança, os tempos eram difíceis mas que nunca passou fome, porque em sua casa havia de tudo? Então? Eu faço o mesmo!
-Mas o que é que tu percebes de agricultura, para criares o suficiente para alimentar uma casa?
-Olhe mãe, em último caso venho cá a casa comer uma sopinha, assim já não morro de fome.
-Tu brincas com tudo, pensas que a vida é para levar assim á ligeira, sem preocupações, mas olha que as coisas estão muito feias, cada dia ha mais pessoas desempregadas, vais ver que a continuar assim, qualquer dia, andam todos a roubar-se uns aos outros; a mim já não me faz diferença, o meu tempo já passou, agora vocês que são novos...
-Ora mãe, se o seu tempo já passou, deixe estar que o meu também já não lhe falta muito para passar, não se esqueça que já tenho 57 anos, não tarda ando de bengala.
Então, olha para mim de uma forma que só as mães o fazem e eu juro que me está a ver em calções, os joelhos esfolados, a transpiração a correr pela cara e a recordar-se dos tempos em que chegava a casa, terminada uma futebolada com os meus amigos e depois de uma valente copaneira de água lhe pedia uma sandes de qualquer coisa e ela me respondia: agora não podes comer sandes nenhuma, vai mas é lavar-te que está quase na hora de jantar, e eu: então só uma bolachinha... vá lá mãezinhaaa...
Depois de uma escassa meia hora de conversa, sentados no sofá da sala, lado a lado, regressa a preocupação; pronto não te empates mais comigo, vai lá que a tua mulher já deve estar à tua espera para jantar.
Despedimo-nos sempre com um longo abraço e uns beijos. A Ela, porque talvez lhe sirva de lenitivo para as horas de solidão, que lhe preenchem o dia. A mim, porque me preenchem um espaço de amor que cada dia precisa ser realimentado.
Eu já conheci mais do que uma pessoa, jovens, que têm esse problema de só se interessarem pelas suas próprias histórias e absolutamene nada pelas histórias da vida dos outros. Pelo que, afirmo, essa não é uma caraterística só de velhos, nem sequer principalmente de velhos. É uma caraterística da personalidade de algumas pessoas. Há pessoas que são totalmente egocêntricas, só se interessam por si mesmas e pouco ou nada pelos outros.
ResponderEliminarNão estamos mesmo, Suzana. Essa é a terrível verdade...
ResponderEliminarGostei muito :)
ResponderEliminar;)
ResponderEliminarCaro Dr. Ferreira de Almeida, já se deu ao... "trabalho" de contabilizar a quantidade de coisas que ao longo da vida aprendeu, sem ter necessidade que alguém o ensinasse?
A verdade, e permita-me que semi-discorde, reside na quantidade.
Se amamos, não existem limites... para reconhecer o amor que recebemos e retribui-lo na medida do possível.
Se bem que, nunca conhecemos com exatidão a quantidade do amor que recebemos, tornando-se impossível e viável, salda-lo completamente.
Aqui entre nós; se fosse possível fazer um balancete à velha maneira comercial; com uma coluna dedicada ao deve e outra ao Haver.... estou certo que os dígitos da primeira, superariam inexorávelmente, os da segunda.
Talvez por isso, eles sejam tão complacivos para conosco...
;)
Perante a riqueza do texto, e dos comentadores...só se pode dizer: a velhice interroga-nos no limite.
ResponderEliminarPara aprender a lidar com os velhos é preciso envelhecer e quando envelhecemos eles, os velhos, já não estão cá. Quanto às crianças é muito mais fácil, elas são "passado", mas a velhice é futuro. Ver o futuro é muito difícil, olhar para o passado é fácil, logo, nós, os ainda não "velhos", somos incapazes de compreender a última etapa da vida. Só quando lá chegarmos, se é que lá cheguemos, podemos compreender certos comportamentos. Os livros ensinam tudo, menos viver e ter a experiência da última idade...
ResponderEliminarPois é, caro Professor M C, nessa altura, os velhos deixaram de estar cá e os novos, já cá não estão. Por conseguinte, os iguais a nós, ficam sózinhos; uma sensação que imagino seja idêntica àquela que sentíamos quando em criança, acordávamos a meio da moite e o escuro nos envolvia.
ResponderEliminarQuando os meus filhos eram pequenos, muito pequenos mesmo, ensinei-os a conhecer o escuro. É impressionante o efeito que o escuro causa na nossa psique, fazendo-nos sentir inteiramente desorientados e vulneráveis. Uma das aprendizagens que considero da maior importância para atingir um bom grau de auto-confiança, é precisamente a de compreender o escuro, aprender a movimentar-nos no escuro, sem temer obstáculos físicos ou emocionais. Aprender a compreender as coisas, tal e qual elas se nos apresentam e então, depois, partir para formas mais "evoluidas" de compreensão.
Compreendo a sua interpelação, meu caro Bartolomeu. Mas pelo conjunto de apontamentos aqui deixados e pela minha própria experiência de vida, creio ter a Autora do post inteira razão - não fomos preparados para lidar com a velhice dos nossos. À margem, penso de resto que não fomos preparados para lidar com a nossa própria velhice que imaginámos passar-se num eterno cruzeiro, plena de ajudas.
ResponderEliminarÉ genial a forma com a Dra. Suzana aborda este tema, enriquecendo-o com a sua própria experiência.
ResponderEliminarMas porque será que que pensar a velhice me deixa angustiado!?
Suzana
ResponderEliminarSó aprendemos aprendendo e pelo caminho temos vitórias e derrotas. Os nossos Pais que aprendemos a conhecer com juventude, energia e querer deixam-nos surpreendidos com as mudanças trazidas pela velhice. Sendo a velhice um processo parece que aos poucos e poucos se vão desprendendo esquecendo também como são os filhos. E depois há os inevitáveis afastamentos. Mas o amor está lá, sempre, ganha é novas expressões que precisamos de descobrir.
Caro Bartolomeu, vê-se bem que este tema também lhe ocupa o pensamento e a observação e que também procura adoptar uma atitude que corresponda às necessidades e ao interesse da sua mãe.É uma arte, essa de deixar que as memórias fluam, que se encontrem pontos de contacto, lembrar a infância é sempre um valor (quase)mas com a idade os cuidados vão muito além disso, ou então varia com as pessoas, é claro, há pessoas que se mantêm sempre interessadas no que existe à sua volta, há outras mais egocêntricas, como diz o caro Luis Lavoura, é mais difícil alcancá-las quando se fecham no seu mundo. E também é verdade que, como lembra o Ferreira de Almeida, e o jotac, através deles, e do modo como percebemos como é difícil dar-lhes a alegria e o conforto físico e animico de que necessitam, vemos a nossa própria velhice, e como ficamos dependentes sem nos podermmos fazer entender, expressam-se queixas e, tal como as crianças, espera-se que os "adultos" saibam ver e reolver os problemas. Mas falta-nos saber muita coisa, falta-nos disitinguir o que é alheamento do que é falta d ememória, o que é depressão do que é direito a que os deixem em paz, o que é falta de apetite ou natural defesa dos execessos que ocorpo já não aguenta, enfim, uma infinidade de pequenas coisas que talvez fossem fáceis de estudar e ensinar, não sei. Eu tenho aprendido muito com pessoas que tomam conta de idosos, às vezes julgo que sei porque conheço melhor a pessoa a cuidar, mas depois percebo que é falta de experiência, e veja a eficácia com que se resolvem alguns problemas que para mim eram uma complicação.
ResponderEliminarCaro jotac, não serve de nada angustiarmo-nos, mas podemos sempre aprender alguma coisa para nos defendermos no futuro, na medida do possível.
Caro Massano Cardoso, compreendemos melhor, é certo, mas temos menos paciência, menos generosidade, o tempo para nós também assume uma importância enorme, também já é a nossa vez de receber em vez de estar disponível, temos outros encargos, enfm, já é difícil ser filha, mãe e, tantas vezes, avó, tudo ao mesmo tempo!A minha mãe, quando a contrariamos, diz que temos que perceber que ela já tem 86 anos e que não podemos exigir que actue como quando tinha 40, e eu já me surpreendi a responder-lhe que nós, as filhas, também já não temos 15 anos, saímos de casa há 40 anos e temos a nossa vida, hábitos, compromissos e o nosso ritmo, a adaptação tem que ser mútua. E ela fica muito amuada, mas lá vai percebendo, acho eu, mas isso não elimina esta sensação permanente de nunca se fazer o suficiente para se sentirem bem.
desculpem as gralhas "excessos", claro, mas uma ou outra letra saltitante, também é da falta de óculos :)
ResponderEliminarSim, cara Drª. Suzana, entendi muito bem a que angústias se referiu. Obviei-as no meu comentário e resumi-o ao aspecto generalista, porque aquilo que o ultrapassa, pertence estritamente ao âmbito daquilo que é íntimo, logo, incomentável.
ResponderEliminarNo entanto ha imensos aspectos de como a vida se processa, que passam ao lado da nossa atenção, e que colidem por assim dizer, com outros da esfera íntima que fomos construindo ao longo da vida.
O social, o profissional, o íntimo e o familiar, constituem um polinómio, por vezes difícil de manter em equilíbrio.
Talvez muitas vezes nos falte a energia que essa equação exige.
Afinal, não basta alimentarmo-nos para que a tenhamos garantida. Ela flui e basta um pequeno nada, para que o seu nível se torne insuficiente. Queiramos ou não, somos seres dependentes de energia em todos os aspectos, é essa a nossa origem e tem sido ao longo dos milénios essa energia que tem feito a espécie prevalecer e evoluir. É essa energia de que nos alimentamos e que também produzimos, o motor que faz mover o mundo, que nos faz ser activos, tanto física como mentalmente e que nos faz sentir bem com nós próprios, e com os outros. Em suma, que nos proporciona o tão desejado equilíbrio e bem estar, que nos dá alegria e nos deixa ver com mais nitidez as cores que tornam o mundo simpático e atraente.
;)