Fala-se muito no défice de natalidade, que está
a preocupar muitas nações, entre as quais a nossa, já que de ano para ano
nascem menos crianças, que, por sua vez, são geradas em úteros cada vez mais
envelhecidos. Consequências? Muitas, nomeadamente problemas demográficos com
implicações a vários níveis. O fenómeno é relativamente novo, começou a dar os
primeiros passos há meio século com a descoberta de uma das maiores invenções
da humanidade, a "pílula". A mulher libertou-se, passou a controlar a
natalidade separando-a da sexualidade, autonomizou-se, revolucionou o mundo e a
vida sofreu grandes e profundas transformações.
Uma substância química pode originar estranhos
e complexos fenómenos e, ao mesmo tempo, ter outras implicações, nomeadamente
de natureza ambiental. Um dos principais componentes dos contracetivos orais, o
etinilestradiol (EE2), é lançado nos esgotos através da urina. Sabendo que mais
de cem milhões de mulheres tomam estes compostos, é fácil de compreender que
alcançam com facilidade rios, estuários e lagos provocando alterações em muitas
espécies, eliminando algumas e originando, sobretudo, o estado de
"interessexo".
Não é de hoje a preocupação dos cientistas com
estes fenómenos, mas, atendendo ao crescente número de mulheres que usam a
pílula e à insuficiência das estações de tratamento na eliminação destes
produtos, tudo leva a crer que estejamos a caminhar para mais um desastre
ecológico a somar a tantos outros. Neste momento, uma doutoranda, que acabou de
realizar o seu trabalho nesta área, detetou resultados preocupantes que irão
ser discutidos em breve. Numa das nossas conversas, confessou-me que a minha
sugestão de estudar os batráquios nos cursos de água foi muito complicado e que
lhe "deu água pelas barbas". Teve enorme dificuldade em os encontrar,
e quando os capturava - um pequeno parêntesis apenas para informar que obteve
autorização do ICN para obter amostras de sangue, libertando os animais logo de
seguida -, verificava que eram "raquíticos" e quase sempre fêmeas;
machos nem vê-los, aparecia por vezes um ou outro.
A natureza anda a levar todos os dias nas
"trombas" com uma pílula monstruosa! Perante esta realidade, o Parlamento
Europeu agendou para discussão a contaminação ambiental pelos estrogénios e a
respetiva correção, levantando de imediato a necessidade da indústria
farmacêutica ter de encontrar substitutos, e em doses mais baixas, apesar de já
terem sofrido uma forte redução, e serem utilizados meios relativamente
sofisticados para reduzir e tratar convenientemente nas estações de águas
residuais estas substâncias. Não é que seja difícil, mas é dispendioso,
calcula-se que só no Reino Unido seria necessário um investimento de 24 mil
milhões de euros para livrar a natureza dos efeitos do EE2.
O preço da água está sempre a subir e na fatura
está incluído os "resíduos". Se um dia destes vier a ser aprovado
algo no sentido de evitar a poluição estrogénica em curso, então, a fatura
aumentará dramaticamente, incluindo, quiçá, uma nova rubrica, "taxa de
poluição estrogénica".
Este planeta é mesmo curioso e os seres humanos
não lhe ficam atrás. Inventam, poluem, logo, têm de reinventar, para poluírem
em seguida! Ciclos humanos que acabam quase sempre em poluição. Espero que um
dia destes a poluição antropogénica não esterilize de vez o planeta, é que não
há “procriação medicamente assistida” capaz de tratar um "ventre"
desta grandeza...
uteros artificiais ..ahahahhaha o quarentão ..andou a ver o Matrix ..hahah ahahah
ResponderEliminarMuito interessante, caro Prof.
ResponderEliminarEstá-me a parecer, caro Professor Massano que os homens da nossa geração, irão ter de assumir, num futuro próximo, uma grande responsabilidade.
ResponderEliminarNão, não me refiro à responsabilidade pela poluição. Mas sim à de salvar a humanidade da extinção.
É que, ao que me parece, os homens da nossa geração, ainda não se acham afectados pelos efeitos do desinteresse sexual.
Caro Professor Massano Cardoso:
ResponderEliminarMuito interessante este post a chamar atenção para o custo/benefício que o progresso acarreta para a vida de todos nós.
Ao que parece, a evolução da humanidade está intimamente ligada a tudo o que de mau ocorre no ambiente, incluindo no meio hídrico, concorrendo para alterações genéticas da espécie humana, e para a alterações da biodiversidade de que dependemos. Enfim, uma panóplia de malefícios sem os quais não viveríamos tão bem, apenas possíveis devido aos progressos da ciência.
Quem é que se lembrou do EE2 na urina chegar aos rios? Acho que tão impressionante como os efeitos é a ideia de ir à procura de semelhante coisa. Brilhante.
ResponderEliminarRealmente, na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma...
ResponderEliminarTonibler
ResponderEliminarTambém andam à cata dos derivads de drogas. Nem imagina o que pode acontecer aos peixes. Apanham cada pedrada! Acho que já escrevi qualquer coisa sobre este assunto há alguns anos. Vou tentar descobrir.
É verdade, Suzana, tudo se transforma e de que maneira! Até que um dia nos transformemos em quê, não sei, mas não será em coisa boa...
Não sei, caro Massano, arranjamos por um lado e estragamos por outro, é uma fatalidade, mas estamos condenados a prosseguir, a corrigir, a inventar outros remédios que trazem curas e também outras doenças, tal como o mito de Sísifo...Mas não somos livres de desistir, só somos livres de continuar, acho que era Nietzsche que dizia que a vida é uma corda esticada sobre um abismo, não se pode parar, não se pode olhar para baixo, nem se pode retroceder.
ResponderEliminarsou quimico reformado e agnóstico.
ResponderEliminaro iluminismo substituiu Deus pela ciência. questiona-se desde então a sua posição em relação aos conceitos e realidades do progresso. Havel foi um dos seus criticos recentes
A ciência não é arrogante, a religião não é arrogante. Há cientistas arrogantes, há religiosos arrogantes, assim como há religiosos e cientistas humildes. Há os que crêem em Deus, os que não acreditam ou não sabem em que acreditar e há os "meios-crentes". Presumo que Havel se intitulava como tal. Entretanto, tudo o que puder ajudar a alma dos homens, e os seus corpos, bem assim como a própria natureza pode ser considerada como uma manifestação da transcendência, "a única alternativa real à extinção".
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