quarta-feira, 30 de maio de 2012

Teatro de amadores

O Massano Cardoso escreveu aqui sobre a importância de se saber as regras para chegar a conclusões fidedignas a partir do que se pergunta e se responde, de modo a obter a verdade sobre uma matéria e se fundamentarem devidamente as conclusões e decisões. Mesmo sem conhecermos a complexidade dessa ciência e as variáveis que é preciso dominar para chegar a bons resultados, podemos com facilidade avaliar a importância dessa técnica para as nossas vidas. Um médico, por exemplo, deve ter a capacidade e o treino necessário para obter do doente os elementos importantes para fazer a sua história clínica, escolhendo as perguntas, avaliando a consistência e coerência das respostas, detectando e sabendo gerir o que o Massano indica como sendo os “vieses e variáveis de confundimento a fim de explicar quais as consequências em termos de qualidade de informação que se obtém no decurso de uma investigação”. Se o não fizer com a competência necessária, o doente pode induzi-lo em erro, manipular os sintomas e fazer interferir no diagnóstico variáveis que não seriam de considerar, levando a um tratamento errado. O mesmo se diga dos advogados, dos juízes e dos profissionais que têm a responsabilidade de ouvir, comparar, analisar e deduzir a partir não só de factos mas de depoimentos e testemunhos de vária ordem. Ou seja, isto de ser “investigador” não é para amadores nem para curiosos, por muito bem intencionados que sejam, e pode levar a graves injustiças ou erros grosseiros, em qualquer caso só por muita sorte é que se chega à verdade quando ela é difícil de deslindar.
Ora, acontece que a “investigação” está na moda em Portugal, lamentavelmente alheia a qualquer ciência ou técnica apurada no estudo e no pensamento exigente e disciplinado, alerta para os riscos e responsabilidade de uma acção alardeada e mal conduzida. De repente, há um investigador em cada cidadão, são os deputados, os jornalistas, as entidades várias, os bloguistas, os vizinhos, os espiões, em cada esquina há alguém com “suspeitas” e logo na outra há um pressuroso “investigador”. Investiga-se em directo nas televisões, na rádio, em folhetins nos jornais, nas leitarias, no café e nos empregos, há um jogo de futebol e logo se investiga tudo o que aconteceu, há um desastre e investiga-se no local de câmara em punho, há um incêndio e os bombeiros são interrogados em directo sobre a origem do fogo, desfilam no Parlamento os chamados a depor em investigações múltiplas e tantas vezes recorrentes. Que se saiba procurar e se descubra a verdade propriamente dita, ou mesmo que se chegue sequer a perceber que verdade procuram, já é secundário, a “investigação” tornou-se um teatro de amadores e tudo o resto é cenário.



13 comentários:

  1. Ha "investigações" e "investigações".
    Àquela que é feita pelo médico quando tenta, através das respostas às perguntas que formula ao doente que tem perante si, faz parte dos métodos de diagnóstico, mplementam-no auxiliam-no e não lhe será dado uso ou aproveitamento diferente.
    A investigação levada a cabo por um agente da autoridade ou da justiça, visa exclusivamente a reunião de elementos que irão provar a culpa ou a inocência de alguém, relativamente a um determinado caso.
    A investigação efectuada por um espião, visa compilar dados que possam condicionar determinado individuo, servindo para posteriormente ser usados coercivamente contra ele, levando-o a praticar actos, sob o efeito de chantagem. Algo a que assistimos com excessiva frequência e que tem origem em organizações privadas e secretas, ou nos meios de comunicação social.
    A calhandrice de bairro, de emprego, de partido, de clube, é também um fenómeno social, de menor dimensão, mas não menos lesivo da intimidade e da individualidade de cada um.
    Mas parece que o facto de termos nascido de alguém, nos condiciona a depender sistemáticamente de uma estranha condição humana.
    Lembro-me de Amália e do seu fado "Estranha forma de Vida" e do pequeno excerto «Que estranha forma de vida tem este meu coração, vive de vida perdida...
    Ora oiçam...
    http://www.youtube.com/watch?v=dKvcm2QV9tA
    ;)

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  2. Cara Suzana,

    Há coisa de uma semana assisti na Gulbenkian a uma mini-conferência sobre demografia e segurança social, a convite de um ilustríssimo membro da organização, e confesso que me chocou alguma facilidade com que os chamados "cientistas" sociais tiram conclusões de forma a que "ninguém os mande prender".

    Como, pelas circunstâncias da vida, tenho o olho treinado para estas coisas, consigo com alguma facilidade apanhar os "ceteribus paribus" escondidos e os ângulos demasiado vincados nos gráficos que indicam falta de cardinalidade nas amostras mas impressionou-me a forma afirmativa como, apesar das óbvias limitações dos resultados, as conclusões eram apresentadas sem o respectivo "disclaimer". E nenhum deles era menos que doutorado e, supostamente, sujeito às regras éticas que devem seguir independentemente da assistência ter formação científica ou não.

    Isto para dizer (introdução longa...) que é muito mais fácil para o "médico" induzir em erro o "doente" que o contrário, omitindo alguns factos relevantes à conclusão. O investigador até pode não conhecer as metodologias (como admito que os cientista sociais não conheçam) mas tem sempre que ter nos ombros a responsabilidade associada à credibilidade porque o "doente" vai sempre acreditar naquilo que ele lhe disser. Se calhar mais que mostrar que não há um investigador em cada um de nós, há que colocar nos curiosos a responsabilidade de o fazer. Os médicos têm-na, os outros(mesmo os profissionais)...nem por isso.

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  3. "Ora, acontece que a “investigação” está na moda em Portugal"

    É natural, parece-me, ainda que não seja amador da "arte".

    Quando a investigação que deveria ser realizada por quem é pago pelos contribuintes para o fazer dá notícias quase todos os dias da sua inépcia, quando não de outra culpa mais grave, o que é que naturalmente acontece?

    O boato, a intriga, a acusação infundada, lado a lado com a notícia fundamentada, não raras vezes passada por aqueles a quem incumbe investigar.

    Se a justiça não funciona é natural que irrompam os julgamentos da justiça popular.

    Há que reconhecer que é nas mãos de muitos daqueles que se julgam vítimas desta justiça popular, que esteve ou está a capacidade para melhorar a investigação e a justiça.

    Não raramente alguns dos que, acusados na praça pública, afirmam "confiar na justiça" na realidade confiam que a justiça não funcione. Caso contrário, há muito que a teriam posto a funcionar.

    Não são apenas os cidadãos comuns
    que descem ao terreiro para acusar e julgar consoante os seus próprios critérios, ignorando a lei. São os próprios agentes da justiça que dão correntemente exemplo disso.

    Leu o que escreveu o bastonário da Ordem dos Advogados, recentemente, no JN, acerca dos seus três antecessores no lugar? Aconteceu alguma coisa?

    Este apenas um exemplo, entre muitos, do estado de degradação a que chegou a justiça em Portugal.

    Já agora, penso que a comparação com o diagnótico médico com o tema que aborda é forçada. Mas se quiser ir por aí terá de levar a comparação para as situações dos que, desiludidos com a medicina,
    procuram alternativas nas medicina populares, nas ciências obscuras ou na intervenção da divindade.

    Salvo melhor opinião.

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  4. A metodologia básica da investigação é a mesma para qualquer das áreas humanas, obter informação válida e correta que permita atuarmos como deve ser. Para podermos atuar precisamos de informação e esta tem de ser obtida de forma correta e válida. Ponto final. Esta afirmação serve para a medicina, para a física, para a biologia, para as ciências sociais, serve para as nossas compras do dia-a-dia, serve para tudo.
    Relativamente ao comentário anterior dos "desiludidos com a medicina" só tenho a dizer o seguinte: a medicina não desilude ninguém, porque não oferece mais do pode, porqur se baseia em princípios científicos e está sempre sob escrutínio. Os "desiludidos com a medicina" são os que julgam que a medicina pode dar tudo o que pretendem. Não pode, não consegue, infelizmente. A procura das medicinas alternativas é que mereceria mais atenção, por vários motivos, oferecem o que não podem dar, não estão sujeitas a escrutínio científico e vivem à custa da ansiedade alheia. O mesmo se passa com o recurso às divindades. Parece-me espúrio colocar no mesmo plano a medicina científica, as ditas alternativas e o divino. Seria bom que começássemos a colocar nos devidos sítios o que podem oferecer cada uma delas, mas não as comparando como habitualmente fazem ou pretendem fazer. Porque não comparáveis. Além do mais, os que labutam na área da medicina sabem, e muito bem, o que acontece com estes "dissidentes, e até com os seus mentores e cultivadores, quando as coisas não estão a funcionar nas "alternativas" ou no "divino", procuram-nos e nós recebemos-los e fazemos o que pudemos, com respeito e dignidade perante o sempre trágico sofrimento humano e sem recriminações ou juízos de valor, porque compreedemos ou julgamos compreender o comportamento humano. Só peço uma coisa, não coloquem no mesmo plano o que não faz parte do mesmo. Quanto ao resto, cada um é livre de proceder como entender.

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  5. Concordo com o Professor Massano Cardoso quando diz que para podermos compreender e actuar sobre a realidade precisamos de informação e esta tem de ser obtida de forma correcta e válida. É evidente que haverá sempre restrições e muitas são as situações, especialmente nas ciências sociais, em que os resultados são incontestáveis, do tipo 2+2=4. Há sempre uma margem de erro, quanto mais não seja porque os olhos não vêem todos da mesma maneira.
    Caro Tonibler
    Sempre muito crítico em relação à "realidade" em que nos inserimos!

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  6. O Massano Cardoso já respondeu aos comentários, é difícil acrescentar alguma coisa. No entanto, as reflexões que este tema suscitou a cada um mostra bem como em todas as áreas a falsa ou a má investigação podem dar origem a "verdades" que depois condicionam o pensamento ou as opções das pessoas. O caso queo caro Tonibler aqui traz é interessante,é mais fácil a um médico (ou a quem tem a técnica)conduzir até ao resultado, o grande problema, caro Tonibler, é quando se invoca a palavra "investigação", que tem na nossa imaginação uma referência séria, a estudo, a análise, a objetividade, para bloquear ou intimidar qualquer tentativa de avaliação crítica quanto aos resultados. Duvido muito que um médico faça isso, ou um profissional digno desse nome, mas os charlatães invocam a "investigação" para usurparem essa preunção de seriedade, por isso é que é grave. Veja lá como já são recebidos os "estudos", com desconfiança, e porquê?, porque sob a cpa credível de "estudos" passam todas as trapalhices que se quer fazer crer.

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  7. Cara Suzana,

    o médico, ao contrário do "médico", tem nos ombros a responsabilidade da investigação, mesmo que esta não seja feita na zona da engenharia e seja na medicina científica. Se é aldrabão, vai preso. Se há zona do conhecimento em que devemos estar razoavelmente seguros (apesar dos casos que sempre acontecem e que o prof. M. Cardoso aponta de quando em vez) é na medicina.
    Já no resto...

    Caro Prof. M. Cardoso,

    quanto aos métodos (para não chamar metodologia) essa é a minha opinião, é a sua e é a de todos aqueles que lidaram com ciências naturais durante a vida. Mas não é deles.

    A razão porque se (auto!)intitulam de "cientistas sociais" e não simplesmente cientistas que se debruçam sobre temas da sociedade, está relacionada com uma enorme "largueza" com que esses métodos são usados, como olhar para uma variável social e fazer as contas "com tudo o resto constante" como se estivesse num laboratório a controlar parâmetros ou montar uma amostra com 20 telefonemas. Se eu já acho a matemática aplicada um tema muito forçado...

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  8. Cara Margarida,

    Pelo contrário, já consigo ver alguns méritos em muita coisa do que se tenta fazer e compreendo ainda mais as dificuldades. Por outro lado, isso faz-me ser muito mais crítico face a outras, porque o "playing field" é o mesmo. E se algum contacto me faz admirar quem reme para a frente, faz-me ser muito mais crítico com quem serve de lastro. E há muitas coisas que não precisam de ser mascaradas de ciência para serem válidas...

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  9. Professor Massano Cardoso,

    Admito que, por culpa minha,fui mal interpretado.

    Não coloquei, nem intuí colocar, a medicina, que me merece o maior respeito, assim como os seus profissionais, no mesmo plano das medicinas alternativas, etc.
    Não. Nunca seria possível cometer um erro tão grosseiro.
    Aliás, há em Portugal uma distância enorme, geralmente reconhecida, entre a competência dos profissionais da saúde da incapacidade dos agentes da justiça.

    O que afirmei foi que, assim como há pessoas que, por razões que não vale a pena referir agora, se voltam para alternativas que, frequentemente, são patranhas, também, por falta de justiça fundada nas leis, a justiça popular julga e incrimina com base naquilo que ouve ou lê.

    Poderá ser diferente num país onde o direito de expressão é livre?
    Pode, se caluniadores ou prevaricadores forem julgados e condenados nos termos da lei em tempo oportuno.

    Confrontamos-nos frequentemente com notícias de que nos vão assaltar a carteira. Ainda esta semana li num diário muito conhecido que o governo decidiu pagar 130 milhões de euros por dívidas de um personagem que é dono da Naval 1º. de Maio. É apenas um exemplo. Que fica muito longe do monumental rombo que representa o BPN. Mas há mais. Mais demais.

    Dir-me-ão: A justiça julgará.
    Quando?
    Só sei que por conta deste e doutros já estamos a pagar com língua de palmo.
    Nem podemos perguntar porquê?

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  10. Existem paises onde o estado social financia medicamentos homeopáticos. Pude assistir com os meus próprios olhos a pessoas educadas aceitarem receitas homeopáticas receitadas por médicos "normais".

    A homeopatia é medicina?

    Sobre o resto não concordo com o que se diz sobre as ciências sociais. Neste momento estão muito próximas da botânica mais primitiva. Mas coligir informação, estatísticas etc já é ciência.

    Agora "obter informação válida e correta que permita atuarmos como deve ser." isso é mais engenharia ou ciência aplicada. Por redução ao absurdo os indivíduos que andam a derreter dinheiro no LHC querem actuar aonde com o bosão de higgs? Só se for na minha carteira...

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  11. Há estados sociais que financiam muitas "coisas", e é cada uma, meu Deus!!! Quase que me apetecia dizer: muita merda.
    Médicos "normais" a receitar produtos homeopáticos? O que é que isso quer dizer? Não garante nada, pois que, em todas as profissões, existem "normais" que não passam de "anormais"!
    Os indivíduos que "andam a derreter" dinheiro no LHC e noutras coisas "aparentemente" sem sentido são os mesmos que descobriram "coisas", inicialmente sem sentido, mas que vieram a ser indispensáveis para que possamos expor as nossas ideias através de um computador, que estranho aparelho!, que criaram a net, que permitiram que se realizassem viagens espaciais, que se descobrissem métodos de diagnóstico e de tratamento mais eficazes. Ao procurar partículas "esquisitas" estão a criar condições para o desenvolvimento da física, base do progresso e do conhecimento científico e técnico. Da minha parte não me oponho a que gastem dinheiro nessas iniciativas, antes pelo contrário. O que me chateia e incomoda é quando gastam dinheiro em comparticipações de placebos, em parcerias público privadas, em monumentos megalómanos e noutras coisas que nos têm afligido ao longo dos tempos, para não falar dos vigaristas encartados e socialmente aceites e venerados.
    Quanto a "obter informação válida e correta que permita atuarmos como deve ser", não é engenharia coisa nenhuma, nem ciência aplicada, é apenas bom senso, respeito e consideração pela verdade.
    Mas voltando à frase "Homeopatia é medicina"?. Para mim não é! É apenas uma área de negócio, mas se considerar "medicina" como algo que cura ou proteja de algo prejudicial, então considere como tal, mas coloque lá ao mesmo nível, o conselho do padeiro, as bruxas, o padre Fontes de Vilar de Perdizes, o beato João Paulo II, os pastorinhos de Fátima, o abraço de um amigo e até a minha saudosa avó...

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  12. Rui Fonseca

    Está esclarecido e pode perguntar, sempre, porquê! Porque também irá permitir que se responda sempre. Ou será, por analogia, que "não se pode responder"?

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  13. Caro Massano Cardoso,

    Obrigado pelo seu esclarecimento. De facto cheirou-me a esturro. Mas o meu amigo confirma que não deve ser viés olfactivo.

    Cumprimentos, IMdR

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