Nas histórias do Astérix, a única coisa que os gauleses temiam era que o céu lhes caisse em cima da cabeça, mas o chefe Abraracourcix garantia “amanhã não será a véspera desse dia”.
A mim o que me causa mais insegurança é abrir um jornal espanhol e ver desenrolar-se o mesmo processo que se viu acontecer em Portugal. Quando o então 1º Ministro português teimava que não era preciso pedir ajuda e os juros subiam, e cada emissão de dívida era uma angústia parecida com as meias finais do futebol, nessa altura os meus amigos gregos disseram, muito simplesmente, os vossos ratings vão cair, cair, até ficarem lixo, os juros vão subir, subir, até terem que recorrer ao bail out, depois serão apontados a dedo e terão um plano de austeridade como nunca pensaram ser possível vir a ter. Viu-se o filme com adaptações em três ou quatro países (a Islândia, lembram-se, foi à bancarrota) e nessa altura sentimo-nos uma espécie de párias da Europa tão rica e tão trabalhadora, todos tão atilados e nós e os gregos tão trapalhões e tão preguiçosos. A mim o que me causa uma enorme insegurança é ver o mesmo filme, agora em câmara menos lenta, a passar em Espanha, e a começar a exibir-se em Itália, e parece que a “Europa” não tinha dado por nada, na altuira ainda se usava a palavra ignominiosa "contágio", como se fosse uma doença transmitida por alguns, os espanhóis estavam tão quietos e calados, afinal não sabiam como tinham as contas, a dívida das autonomias, as obras públicas absurdas, o estado dos bancos (mas não tinha havido uns infalíveis testes de stress?). O que eu não percebo é como é que isto é tudo tão surpreendente, como é que se falava em fire walls, em planos de austeridade absolutamente irrevogáveis e infalíveis, a França aliada à Alemanha na zanga e no castigo e agora afinal não era bem assim? Mas então eram todos tão definitivos nos diagnósticos sobre os países do bail out, e sobre os remédios também, e não conseguiam ver o que se passava – ou melhor, o que já se tinha passado! – em Espanha e se antevê com clareza em Itália? Também correm agora na net as listas de aeroportos espanhóis fantásticos em que não há aviões nem nunca houve, que custaram os agora escandalosos milhões, também surgem os escândalos nos bancos, como imensos, imensos zeros a dizer a dimensão dos prejuízos e Mariano Rajoy faz apelos dramáticos “Há instituições que nem sequer se podem financiar” e que”estas cimeiras não servem para nada se os países como a Espanha não se podem financiar”. A mim o que mais me espanta é que ainda tudo se passe como se fosse a maior surpresa do mundo e o céu só agora lhes tivesse desabado em cima da cabeça. Mas o facto é que a véspera desse dia já tinha passado há muito….
...e que o tempo vai resolver por si só o problema.
ResponderEliminarSinto o mesmo, Suzana. Há não muitos meses a ideia que prevalecia era a de que a Espanha, uma sólida economia, apesar dos riscos que corria por causa de uma bolha especulativa exatamente localizada onde esta crise começou - no imobiliário - só teria a temer os efeitos sistémicos das crises em países como Portugal, a Grécia e Irlanda. Afinal descobre-se que o verdadeiro perigo para a estabilidade vem exatamente da Espanha, da Itália e não ficaremos por aqui.
ResponderEliminarHá ins posts atrás refletíamos aqui sobre isso, que os lideres europeus, incapazes de (ou recusando-se a) compreender a realidade preferem pensar como o nosso caro Tonibler, creio que sem ironia, anota no comentário anterior: o tempo resolverá. Não duvido se as coisas assim continuarem. Questão é saber se o tempo resolverá no sentido de a Europa pelo menos garantir aos seus cidadãos, e sobretudo às novas gerações, os níveis de bem-estar que consegui ou se o empobrecimento e a convulsão política e social que inexoravelmente arrastará.
Eu, que não sou - longe disso - um determinista, prefiro pensar que podemos aproveitar o tempo para mudar o destino.
Suzana
ResponderEliminarÉ também surpreendente que a classe política europeia esqueça que qualquer que seja a solução institucional o tempo que medeia entre a decisão política e a sua produção de efeitos não se compadece com o desmoronamento das economias europeias e a destruição do próprio projecto europeu. A solução da crise não se resolverá apenas com austeridade. É surpreendente que os líderes europeus não se entendam na construção de uma solução. Esta falta de capacidade é confrangedora e os mercados aí estão a jogar e a manipular esta fraqueza.
Cara Suzana:
ResponderEliminarVai-se assim vendo que os malditos especuladores financeiros, que se diz terem actuado e continuarem a actuar sem motivo subjacente, talvez não tenham estado tão errados!...
Caro Ferreira de Almeida:
Refere que questão é saber se o tempo resolverá no sentido de a Europa pelo menos garantir aos seus cidadãos, e sobretudo às novas gerações, os níveis de bem-estar que foram conseguidos. O tempo dá muitas voltas e resolve muita coisa. Mas é difícil neste particular. O bem-estar conseguido foi obtido através da dívida pública, que não pode crescer até ao céu. Haverá um ciclo de ajustamento. Ciclo longo. Na economia, estes ciclos estão estudados. A crise da dívida pública devida a gastos excessivos criminosos dos governos vai trazer um ciclo longo de crescimento baixo até se atingir de novo o equilíbrio. Só os os miseráveis grandes economistas portugueses e mediáticos professores e políticos de trazer por casa não o sabem ou entendem. E querem a mudança de ciclo já. Obviamente impossível.
Não há milagres.
Apetece dizer que só há algo prejudicial para a dívida: a inflação. Quando o problema não se coloca neste patamar de excesso de consumo face à produção, porque não aumentar dívida se esta alimentar economias, devedores e credores. Quantitative easing é a palavra de ordem...
ResponderEliminarTudo o resto é destruição económica e o paradoxo de milhões sem pão e sem préstimo...