quarta-feira, 15 de agosto de 2012

"Mimi"...

Tenho muitos hábitos com os quais me dou razoavelmente bem. Um deles é não planear uma saída, vou à deriva, à bolina, esperançado em encontrar algo que me dê prazer, qualquer coisa nova, desconhecida, de preferência ambos. Nem sempre acontece, mas também não me lembro, o que é natural, mas quando encontro sinto uma enorme satisfação, e não me esqueço.
O dia, que deveria ser de verão, despertou aborrecido, com saudades de uma boa invernia, acontece quando se inicia os idos de agosto. Mesmo assim embiquei em direção a Viseu, cidade onde vou cumprir ritualmente promessas que nunca prometi. O instinto levou-me à procura de uma pequena peça, fosse o que fosse, desde que me desse satisfação e prazer. Desta feita não encontrei nada que me agradasse. Paciência. Entrei no recinto da Feira Franca, onde vou há dezenas de anos. Apesar de todas as modificações operadas nos últimos anos, continua a mostrar teimosamente uma velhice resistente a quaisquer liftings ou operações plásticas. No pavilhão das exposições vi logo à entrada um aviso de exposição de pintura do Museu Grão-Vasco sobre Joaquim Lopes. Um cartaz com uma mulher, meio impressionista, atraiu-me com uma força indescritível. Entrei na sala onde pude observar vários quadros a óleo, a pastel e aguarelas que fazem parte do acervo do museu viseense. Nem queria acreditar no que estava a ver, tamanha era a beleza das obras expostas, uma mistura de naturalismo e de impressionismo. Confesso que nunca tinha ouvido falar deste pintor (1886-1956) que foi professor na Escola das Belas Artes do Porto. Seduziu-me particularmente a forma como pintava as diferentes luzes enviadas pelo sol e a sensibilidade com que realçava as paisagens. Tive que adquirir o catálogo, através do qual me apercebi de quem se tratava, o que fez, como fez, como pensou, como se relacionou, como produziu, com quem conviveu e como sofreu. Uma figura notável das nossas artes, que também foi o autor do magnifico painel de azulejos, que me seduz desde que me lembro que existo, e que se encontra no Rossio de Viseu. Mas a mulher, a Mimi, é um encanto. Olho para o quadro e ponho-me a pensar quem seria. Há qualquer coisa de muito especial e que deverá atrair qualquer um. Um enigma para ser descoberto e redescoberto conforme os nossos desejos e emoções, seja o que for que pensemos sobre esta senhora não deverá estar muito longe da realidade.
Partilho esta pequena impressão, porque vem confirmar aquilo que há muito me apercebi. Temos gente genial, artisticamente de um valor difícil de quantificar, somos "donos" de um património de que nos deveríamos honrar, mas não o fazemos, porque os desconhecemos, pelo menos a grande maioria de nós. Conhecemos de cor e salteado nomes de artistas de outros países, indiscutivelmente excelentes, que nos proporcionam prazer e que fazem parte da essência cultural de qualquer um, mas não temos, nem de perto nem de longe, a mesma atitude e carinho pelos nossos. Estou certo de que se fôssemos capazes de criar uma aura idêntica ao redor dos nossos artistas seríamos muito melhores em tudo o que fazemos, ficaríamos mais ricos e o nosso ego atingiria outros patamares com reflexos nas múltiplas atividades que estão na base da grandeza de uma nação. Mas, infelizmente, tal não acontece. É pena, porque temos pessoas verdadeiramente geniais. Só é preciso divulgá-las até à exaustão. Que os responsáveis as promovam e verão que ficaremos mais ricos. Eu, pelo menos, confesso que fiquei.
Vale a pena ver a exposição e adquirir o respetivo livro-catálogo sobre um brande mestre da pintura portuguesa, Joaquim Lopes.

5 comentários:

  1. A maior aventura de um ser humano é viajar. E a maior viagem que alguém pode empreender, é para dentro de si mesmo.
    ;)
    «Tive que adquirir o catálogo, através do qual me apercebi de quem se tratava, o que fez, como fez, como pensou, como se relacionou, como produziu, com quem conviveu e como sofreu.»
    A confissão desta inquietação, lembrou-me uma cena do início de um romance de Augusto Cury, não me recordo o título, que se passa numa aula de anatomia, em que o professor divide os alunos em grupos de 5 distribuindo-os pelos cadáveres disponíveis. Antes de dar início à aula, o professor adverte os alunos, que só responderia a dúvidas e questões, no final da aula. Não obstante, assim que a aula se inicia, um dos alunos levanta a mão, dando sinal ao professor de querer dizer algo. O professor não o atende e, momentos depois, o mesmo aluno volta a levantar a mão indicando querer colocar uma questão. Irritado, o professor autoriza-o a falar, obrigando-o a ser breve. Então o aluno pergunta se o professor sabe o nome de algum daqueles cadáveres, o que faziam, de que gostavam, onde viviam, etc.
    Após alguns momentos de silêncio, o professor esclarece o aluno de que se trata de corpos de pessoas que faleceram na rua, absolutamente desconhecidos, e sem qualquer identificação; e que, a única coisa que sabe, é que um deles era conhecido por "Poeta da Vida".
    O aluno enceta então uma procura incessante pelas ruas da cidade, perguntando a quem encontrava, se conheceu alguem pelo nome de Poeta da Vida. Finalmente encontra um homem que afirma tê-lo conhecido bem. Perante a insistência do aluno de medicina, para que lhe contasse pormenores acerca de tal personagem, o homem responde-lhe que só o fará se ele lhe responder a uma pergunta a que nunca ninguém conseguiu responder...
    ;)))

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  2. Ponho-me a imaginar qual seria pergunta. Só vejo uma.

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  3. temos a sério?

    e são génios subterrâneos?

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  4. Concordo com o caro professor M. Cardoso.
    De facto se exceptuarmos os futebolistas (que também são artistas na sua arte), sempre tivemos dificuldade em reconhecer o mérito de muitos dos nossos concidadãos e, não raras vezes, só quando são reconhecidos por estrangeiros é que vamos logo atrás para darmos o nosso amén.
    Acho que este comportamento tem a ver como a maneira como estivemos fechados ao mundo durante o período de Salazar, levávamos uma vida comezinha, sem estímulo à inovação fosse em que fosse, que nos criou ausência de crítica e sentimentos de inferioridade.
    Na realidade são muito poucos os especialistas ou até intelectuais que se atravessam para dizer -sim senhores, este quadro, este escrito, são reveladores de grandes artistas...
    Por isso os meus parabéns, por nos dar a conhecer este pintor!

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  5. Apesar de todas as evolucoes os nossos
    artistas ainda tÊM que se consagrar "la fora" se querem ser reconhecidos por cá"

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