Há já mais de dez
anos que, como se sabe, defendo a política fiscal como instrumento estratégico fundamental
de atractividade e competitividade, captação de investimento, dinamização da
actividade e criação de emprego. Em particular, a literatura da especialidade
mostra que a tributação sobre as empresas, o IRC, ocupou um lugar de destaque
neste domínio a partir da segunda metade dos anos 90, com a concorrência (também
fiscal) entre países potenciada pela globalização e, na Europa, pela criação da
Zona Euro e a consequente impossibilidade de os países membros disporem de instrumentos
que permitiam ganhar (ainda que artificialmente) competitividade, como as políticas
monetária e cambial.
Infelizmente, Portugal não só não soube antecipar as principais tendências
internacionais nesta matéria, como caminhou na direcção oposta. A tendência global
foi para baixar as taxas do IRC e simplificar procedimentos, eliminando
distorções pela redução ou eliminação de benefícios, deduções e isenções; já no
nosso país, não só o “choque fiscal” apresentado em 2002 não foi concretizado
como, mais recentemente, foram criados níveis adicionais e mais elevados de
tributação sobre as empresas. Assim, na fiscalidade directa sobre as empresas, Portugal
compara mal em termos internacionais: o nível de tributação é muito elevado
face à média europeia; o sistema é muito complexo, com inúmeras deduções,
isenções e excepções que dificultam o combate à fraude e evasão fiscal. Sem
surpresa, diversos inquéritos às empresas referem estes factores entre os
maiores obstáculos ao investimento no nosso país. E casos de sucesso que
podíamos adaptar à nossa realidade não faltam: Irlanda e Holanda, com níveis
diferentes de tributação, são os mais conhecidos pela sua competitividade; no
leste europeu, a reforma concretizada na Eslováquia em 2004 é um exemplo
paradigmático de simplificação do sistema fiscal e descida das taxas de
imposto, neutral em termos orçamentais e com significativos resultados
positivos na dinamização da economia e na criação de emprego.
Embora tarde, Portugal parece ter finalmente acordado para a importância estratégica
da competitividade fiscal ao nível do IRC, quer pela voz do Ministro da
Economia e Emprego, em primeiro lugar, quer, também, pelas vozes do Ministro
das Finanças e da Troika (pelo FMI). Para o nosso país, é fundamental atrair
investimento – porque o rácio de
capital investido por trabalhador se situa bem abaixo da média da UE-27, travando
a melhoria da produtividade e, portanto, impedindo a criação sustentada de mais
riqueza e (mais e melhor) emprego. Ora, como a
literatura científica confirma, o instrumento fiscal mais adequado para este
fim é a tributação directa sobre as empresas.
Assim, sendo favorável a alterações imediatas que nos tornem mais
competitivos neste domínio, como a proposta de baixar temporariamente para 10% o
IRC aplicável a novos projectos de investimento, proponho, resumidamente, em
termos estruturais, que se avance para (i)
apenas uma e muito baixa taxa de imposto (preferencialmente não superior a
15%) que, sendo a sua face mais visível, seria bastante apelativa; (ii) alargar a base de tributação a
todas as empresas pela criação de um método
de determinação do rendimento por recurso a índices de base técnico-científica para tributar pequenos contribuintes; (iii) simplificar o sistema, reduzindo drasticamente e tornando
mais eficiente a despesa fiscal, direccionando adequadamente os (poucos)
incentivos que devem existir (por exemplo, para estimular a internacionalização
da economia). Eis uma reforma que pode ser desenhada para ser neutral em termos
orçamentais – e ser, ao mesmo tempo, pró-investimento, crescimento e emprego.
Apesar de tudo, mais vale tarde do que nunca…
Nota: Este artigo foi publicado no último sábado, 24 de Novembro, no semanário Expresso.
Ainda ontem, almocei com um amigo que trabalhou no grupo "Pingo Doce" e está em desacordo com a deslocação da Jerónimo Martins para a Holanda.
ResponderEliminarAlém deste grupo, outros ha que optaram também por deslocar as suas sedes para outros países, aos quais entregam os seus impostos.
A decisão, do meu ponto de vista, não se prende exclusivamente com as condições mais favoráveis que as fiscalidades desses países oferecem. Acima disso, encontra-se, a meu ver, a política canalha usada pela autoridade tributária. A antecipação do pagamento do imposto, a dificuldade de restituição de impostos indevidamente cobrados, as diversas burocracias e o sempre presente espírito de que, à partida, todo o cidadão-pagador é um potencial fraudulista.
Estes e outros aspectos, motivam alguns empresários que se sentem enteados de um país que gostariam de ver prosperar, caso a política financeira fosse aplicada de uma forma equilibrada e racional, a emigrar administrativamente. É o caso, julgo, da Jerónimo Martins, uma empresa pelo que sei, preocupada em crescer de uma forma correcta e consciente das dificuldades do país e das pessoas, coisa que a Autoridade Tributária parece propositadamente ignorar.
Na conversa com aquele meu amigo e perante a sua irredutibilidade, demonstrei-lhe com um exemplo prático, convidando-o a imaginar uma família constituida por 10 elementos; pai, mãe e 8 filhos, todos trabalhadores, excepto o pai, mas em que todos entregam ao paí os ordenados, para que este o administre, garantindo ao agregado, alimentação, saúde, segurança e educação. No entanto, o pai, passeia-se o dia todo num carro topo de gama, almoça e janta em restaurantes caros, veste nas melhores marcas e, a meio do mês, reune a família e diz-lhes: vão ter de trabalhar mais, encontrar mais um emprego porque o dinheiro não chega.
Este exemplo ficcionado, ilustra a meu ver a realidade do nosso país e do nosso governo.
Subscrevo o conteúdo, embora com algumas reticências já que de per si a taxa de IRC não é vista pelo empresariado como a maior inimiga da economia (a burocracia sim e os custos de contexto que vão em crescendo - onde pára o simplex?)
ResponderEliminarMas ia mais longe, nomeadamente na discriminação do IVA por actividades sem impacto externo - como os pequenos serviços internos - das de impacto externo.
E ainda mais longe como na eliminação da taxa de 5% que se quer cobrar às empresas por alegadamente terem a trabalhar consigo falsos recibos verdes.
Esta medida «espontânea» vai eliminar mais empregos - efeito contrário ao pretendido - e está a ter efeitos de alteração do paradigma.
É que muitos empresários já incapazes de responderem a mais um custo para as suas depauperadas empresas, estão a exigir aos seus "falsos recibos verdes" que se colectem como empresários. Este é mais um efeito medidas sem pensar/«ouvir» os sujeitos.
Ouvir a sociedade civil nas medidas, os agentes económicos, seria a actividade mais «bem paga» à sociedade pelo parlamento.
Miguel
ResponderEliminarQuestiono-me porque só está em causa captar novo investimento. Também é necessário reter o investimento existente, trata-se na fase em que nos encontramos de conter a destruição de actividade económica e emprego. Não vejo que esta distinção seja benéfica. O que faz sentido é que o investimento já existente e o novo investimento, nacional ou estrangeiro, beneficiem da redução da taxa de IRC. Ou estarei a ver mal?
Entendida a direcção correta é admissível que se avance a ritmos correctos para não se dar o caso de darmos passos maiores que as nossas pernas. Mas entendo que, no final, teremos que ir até mais longe:
ResponderEliminarhttp://existenciasustentada.blogspot.com/2010/09/8-impostos.html
É claro que, para irmos até este ponto (ler o post) teremos que ir acompanhados. Mas isso é garantido, mais cedo ou mais tarde. O confronto comercial entre os países desenvolvidos (com cada vez menos trabalho, emprego e riqueza) e os emergentes obrigará a estas alterações...
"Isto" já "lá" não vai, sem pontapé na nuca e murro no estômago, como diz o Pessore Marcelo...
ResponderEliminarAntes, como agora, só paga IRC quem quer. A medida é neutra do ponto de vista fiscal e os amanuenses do estado sabem bem porque a propõem.
ResponderEliminarA polémica estalou há dias :
ResponderEliminarA Starbucks , a Amazon e o Google não pagaram um chavo de IRC sobre os biliões de Libras ganhos no RU .
A explicação : Deve-se ao aproveitamento de "loopholes" na Lei .
É legal ? É .É imoral ? É imoralíssimo .Irá continuar ? Certamente que sim .
Moral (!) da história : Os impostos são para os pequenos comerciantes da High Street.Serão forçados a fechar ? Life is a bitch .
manuel.m
Vamos lá chegar. É inútil cobrar impostos sobre o rendimento.
ResponderEliminarhttp://existenciasustentada.blogspot.com/2010/09/8-impostos.html
Será tudo sobre o consumo. Incluindo o financiamento da Segurança Social.
Caros,
ResponderEliminarMuito obrigado pelos vossos comentários e sugestões, com as quais concordo quase por inteiro.
Deixem-me só referir que a questão dos novos investimentos é porque neste momento é impossível baixar o IRC para todos - o que eu defendo há anos, como sabem... Embora defenda também a reforma do impostos como o Ministro das Finanças anunciou, e eu até concretizo o "como" no meu texto...
Obrigado mais uma vez a todos.
Caro Miguel.
ResponderEliminarAcha justo que uma empresa que actualmente paga 25% IRC financie (indirectamente através dos seus impostos) uma concorrente sua que se instale agora a pagar 10% IRC. Baixar o IRC para todos, sim! Acabar com benefícios fiscais, sim! IRC selectivo para algumas empresas imoral, e concorrência desleal. O sistema tem de ser simples e pouco (ou mesmo nada) dependente de qualquer benesse ou poder de decisão estatal. A palavra de ordem é simplicidade e estabilidade. IRC baixo para todos e para muito tempo. Caso contrário não vamos lá.
Cumprimentos,
Alexandre Gonçalves
Além dos comentários anteriores sobre a subversão da sã concorrencia, nomeadamente com prejuízo das pme, medidas _temporarias_ de baixa de impostos não dão segurança fiscal a ninguém. Consegui-se-à atrair investimento dessa forma? Nao me parece...
ResponderEliminarBaixar o IRC para atrair investimento ? Só se for abaixo de zero ! Senão vejam :
ResponderEliminarUm projeto patrocinado pelo Guardian e pelo ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists ) ,presente em mais de 60 países e fundado em 1997 pelo Center for Public Integrity , com Sede em Washington DC acaba de revelar que só nas Ilhas Virgens Britanicas ,um tax- heaven , cerca de 30 individuos são Directores de nada mais do que ... 21.554 empresas ! Um certo James Grassick consegue a proeza de dirigir 4.196 ,outro de nome Philip Croshaw fica perto com 4.043 ,outros ainda e são muitos ,ficam modestamente por pouco mais de mil .
Claro que são apenas nominalmente diretores recebendo um razoavel estipendio para apenas dar o nome ,ficando essas Empresas com residencia fiscal nas IVB ,ao abrigo de coisas desagradaveis tais como pagar impostos .
As ilhas podem ser Virgens mas estes figurões há muito que they are f*cking the tax-payers .
Concordo com o Alexandre Gonçalves. Esta disparidade de taxas parece-me até inconstitucional. O que é preocupante é os srs. deputados não se aperceberem que se baixassem as taxas em muitas das rubricas do orçamento possivelmente as receitas fiscais subiriam. Com a aprovação deste napalm fiscal o descalabro estará instalado para o ano. E sres. deputados da maioria, não digam depois que não foram avisados, porque não colhe depois virem dizer que o estado do país assim o exigia se este orçamento é por todos reconhecido como ir agravar todas as situações.
ResponderEliminarA descriminação fiscal às empresas terá um efeito devastador na atual estrutura empresarial, nomeadamente nas áreas de negócio mais lucrativas, que atrairão novos e velhos investimentos (estes travestidos)do grande empresariado deixando ao outro as migalhas da subsistência e a insolvência. Tal como se apresenta, esta medida é desastrosa, um erro incompreessível.
ResponderEliminarRedução de IRC, sim; para todos! Mas, como foi dito antes, nem é essa a principal razão do bloqueio empresaria; são os custos de contexto: a excessiva burocracia, a atitude persecutória das Administrações central e local, a insanidade regulamentadora e a descapitalização progressiva do empresariado pelo Estado.
O Governo tem que fazer muito melhor que isto e já! Se o Ministro da Economia não sabe fazê-lo, tem que ir para lá outro!
"índices de base técnico-científica para tributar pequenos contribuintes", essa ideia nem é genial nem nova. É cópia da norma do IRS. Há anos que os políticos os pretendem estabelecer no IRS sem que tal tenha acontecido.
ResponderEliminarParece-me uma péssima ideia, os politicos está visto não os conseguiriam determinar. Segundo me parece é só uma proposta "off record" sua.