segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Meninos roubados

Certos acontecimentos causam-me estranheza e incompreensão. Dou voltas e mais voltas, mas não consigo encontrar justificação para os ditos. É certo que os seres humanos são todos diferentes uns dos outros, física e intelectualmente, isso é bom, mesmo desejável, desde que não implique a adoção de atitudes que possam provocar dano nos seus semelhantes.
Em Espanha o fenómeno dos meninos roubados à nascença é uma das maiores obscenidades que pode atingir uma sociedade, e que merece algumas reflexões. Cerca de 300.000 pessoas terão sido atingidas por um processo de falsas adoções e compra de bebés. Tudo começou com a guerra civil em que eram retiradas às combatentes republicanas presas os seus filhos para serem entregues às famílias franquistas. Uma estratégia maligna, castigar as republicanas e “nacionalizar e cristianizar” os pequenos. Lentamente o sistema “aperfeiçoou-se” com a retirada das crianças aos pais sempre que estes necessitassem de socorrer das instituições públicas. A situação tornou-se mais complexa com o tempo, beneficiando muito provavelmente com estas práticas, quando passaram a retirar às mães as crianças à nascença, informando-as de que as mesmas tinham falecido. Uma prática que começou a ser denunciada com casos de filhos que encontraram os pais biológicos mais de quarenta anos depois. Tenho acompanhado muitos casos. Uma obscenidade sem paralelo. Cada vez que leio estas notícias arrepio-me. O homem é capaz de coisas inimagináveis. Esta, a de roubos de crianças à nascença, é uma delas. Muitos da roubos foram feitos sob a alçada da cruz ou apadrinhados por instituições religiosas, ou seja, por quem deveria respeitar a dignidade e os direitos humanos. Uma perversidade que me incomoda sempre que leio os relatos. Calcula-se que 15% das adoções ocorridas entre 1960 e 1990 sejam deste cariz.
A justificação dada por um grupo de freiras, entregar a famílias ricas e sem filhos crianças roubadas à nascença, é algo de diabólico traduzindo incoerência no pensamento e na prática de quem se esperaria o oposto.
O pensamento dos intervenientes nesta epidemia silenciosa, que tanto sofrimento terá produzido em muitas famílias, baseia-se numa pretensa superioridade moral, ao escolher os “melhores” pais para determinadas crianças. Um propósito “superior”, a que não era alheio proventos económicos nada pequenos. Presumo que os protagonistas destes crimes deverão sentir-se bem, reconfortados mesmos, porque cumpriram uma missão ditada por princípios sob os quais, pratiquem o que praticar, estão sempre certos e, até, legitimados pelo poder divino. Assim nasce a intolerância e a pretensa superioridade de alguns.
A espécie humana desagrega-se a olhos vistos, originando sub espécies culturais, cujo radicalismo é manifesto. Não é difícil profetizar o que irá acontecer no futuro, conflitos muito graves agravados pelo encolhimento do planeta, cada vez mais pequeno, cada vez mais cheio de ódio e dominado pela intolerância.

5 comentários:

  1. CAro Massano cardoso, ao ler a história da Europa no Pós Guerra e os crimes inimagináveis que se cometeram durante muitos anos e quase até aos nossos dias, creio que os tempos que vivemos hoje são quase um sonho de humanidade e bem estar. Vi há pouco tempo uma reportagem sobre esse tema de que fala e o médico responsável pela clínica onde terão ocorrido maior número de casos nunca foi preso e dizia que nunca tinha feito nada contra a lei e que nada do que se contava era verdade.Na altura da reportagem (não sei em que data seria) ainda s emantinha a exercer clínica. Saberemos algum dia o que realmente se passou?

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  2. O ser humano é capaz das maiores atrocidades, dos crimes mais hediondos e sempre em nome de uma ideologia ou de tradições impossíveis de compreender. Os meninos roubados e “vendidos” .. pais que torturam e matam as próprias filhas – os tais crimes de honra... É mesmo para se ficar arrepiada.

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  3. Suzana. São centenas os casos em justiça e graças às novas tecnologias, estudo do ADN, é inequívoco que foram cometidos esses crimes. Resta saber se serão ou não condenados, mas isso é outra história e prende-se, segundo li, com a ausência de legislação para a adoção que ocorreu no país vizinho até muito recentemente.
    Evidentemente que um dia saber-se-á tudo, como é óbvio, então, o ser humano é capaz de descobrir o que aconteceu há centenas e centenas de anos e não vai descobrir "isto"?
    Quanto à sua frase, "um sonho de humanidade e bem estar" para caracterizar o nosso tempo, permita-me que lhe diga, não concordo minimamente, somos perfeitamente iguais ao que éramos há séculos ou há milénios, o mesmo animal, apenas mais refinado graças às tecnologias e ao desenvolvimento, mas em termos de comportamento e de evolução não melhorámos um milímetro. Provas? Basta olhar o que se faz por esse mundo fora a todos os níveis. A mesma bestialidade, umas vezes expressa de uma maneira violentíssima, outras mais encapotadas e sofisticadas, mas sempre o mesmo homem. Sou um pessimista? Talvez, mas até agora ninguém me convenceu de que está melhor ou em vias disso. Enfim, olhos são olhos, almas são almas...

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  4. Concordo consigo, a natureza humana não mudou em nada de essencial, havendo oportunidade revela-se tal como era há um século. O que foi possível, a meu ver, foi organizarmo-nos em sociedade na Europa ocidental de modo a evitar essas brutalidades em massa e a violência generalizada, mesmo de pessoa para pessoa, a que se assistiu em meados do século passado.Uma espécie de orgia selvagem que não poupou nada nem ninguém. Podem regressar, tal e qual eram? Sem dúvida, mas nada nos impede de apreciar o que temos entretanto, enquanto dura, com a esperança de que persista, ao menos por medo e instinto de sobrevivência.

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  5. Caro Professor Massano Cardoso
    Medonho e monstruoso, sem perdão. É difícil compreender tamanha brutalidade, com a característica de ser executada de forma ordenada e organizada, afinal consentida.

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