1. Foi notícia, há poucos dias, uma declaração de António Borges (AB), expressando o entendimento de que não existe necessidade de mais austeridade na economia portuguesa, uma vez que o objectivo fundamental das medidas de austeridade adoptadas ao abrigo do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro/PAEF (incluindo as de 2013, obviamente) está conseguido: a economia está reequilibrada, depois de anos sucessivos, mais de 15, de crónicos desequilíbrios que acabaram na asfixia financeira da Primavera de 2011.
2. Estou de acordo, no essencial, com esta opinião de AB; de resto, como alguns dos nossos comentadores de boa memória certamente recordam, tenho repetido, em sucessivos Posts aqui editados, a opinião de que o objectivo nº1 do PAEF consiste exactamente no reequilíbrio da economia, não sendo o objectivo orçamental – sem prejuízo da sua grande relevância face à enormidade dos recursos que o Estado (em senti amplo) consome – mais do que instrumental para a realização daquele nº1.
3. Mas AB acrescentou o seguinte: não é necessária mais austeridade mas...torna-se ainda necessário diminuir o défice público, uma vez que temos esse compromisso com os credores internacionais (certamente numa alusão indirecta a um programa de reforma da despesa pública que continua na ordem do dia)...
4. E aqui parece existir uma aparente contradição na posição assumida por AB: se não é necessária mais austeridade mas, ao mesmo tempo, torna-se necessário reduzir o défice público, o que implica, nas actuais condições da economia, mais austeridade...como entender?
5. Para superar esta aparente contradição, julgo necessário considerar que o rápido ajustamento da economia portuguesa, que se pode rotular de extraordinário, excedendo largamente as metas oficialmente estabelecidas – é agora certo que o saldo conjunto das balanças corrente e de capital será positivo em 2012, o que já não se verificava há mais de 15 anos – se ficou a dever ao formidável esforço do sector privado, que suportou, em grande parte, os custos deste ajustamento...
6. ...e, consequentemente, não é possível nem justo impor mais austeridade ao sector privado, que foi forçado a reduzir, na ordem das muitas centenas de milhares, a força de trabalho que ocupava antes deste processo se iniciar, e que contraiu as suas estruturas até ao limite do imaginável...ou seja, foi “esmifrado até ao tutano” para usar um termo bastante popular...
7. E que, por isso, qualquer esforço ADICIONAL de ajustamento que cumpre ainda realizar, nomeadamente para obter um excedente nos pagamentos com o exterior que permita à economia um efectivo desendividamento externo, terá de caber ao sector público (em sentido amplo)...
8. Só que, como já percebeu pelas numerosas iniciativas que por aí se vão desenrolando numa sucessão de sábias e solenes orações - tendo como denominador comum o lugar que os oradores ocupam à mesa do Orçamento e a vontade indómita de defender esse lugar - o tal esforço adicional do Estado muito dificilmente será realizado no ambiente reinante...
9. ...para já, o relatório do FMI com sugestões (não mais do que isso) para a reforma da despesa pública, encontra-se reduzido a cinzas, já quase não resta uma linha do que lá foi escrito...ontem e mais uma vez foi arrasado sem dó nem piedade...
10. ...e ainda nem se conhece o pronunciamento do TC sobre o OE/2013 e as 1.001 inconstitucionalidades de que supostamente enferma...
Os que se sentam à mesa do orçamento escundam-se com a destruição do estado social e com os serviços públicos, que lhes enchem a barriguinha...
ResponderEliminarA afirmação de AB é correcta porque ele está a pensar na palavra "americana". E a palavra "americana" aplica-se a cobrar impostos porque na despesa americana basta meter a rotativa em funcionamento. Não vejo nenhuma contradição por causa disto (e admitindo que ele está a pensar o mesmo que eu:) )
ResponderEliminarO que é relativamente revolucionário num país em que se acha que a despesa pública deve ser aquilo que os outros estão dispostos a pagar e a emprestar e não o valor que é de facto entregue.
Caro Luís Moreira,
ResponderEliminarE não me diga que não é um escudo inviolável, esse que refere...
A mesa do Orçamento deve ser um lugar muito apetecível, para suscitar tão emocionadas e ardilosas profissões de fé em sua defesa.
Caro Tonibler,
Desta vez o ilustre comentador baralha-me, não vejo bem o que tem a rotativa americana, nesta altura quase incandescente, é cerrto, a ver com a temática abordada por AB...
Eu bem sei que o Tonibler vai uns anos luz à frente da generalidade dos pensadores, mas neste caso admito que se tenha adiantado em demasia...
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarQuem viaja à velocidade da luz nunca vê nada :)
Só foquei a rotativa americana por causa da forma como os economistas americanos e aqueles que pensam como eles, como me parece ser o AB, encaram a expressão "austeridade" que significa cobrar impostos. O cortar despesa é coisa que se faz automaticamente com a impressora. Isto para dizer que AB não me parece ter sido incoerente na forma como ele pensa...
Concordo com esta leitura do que terá pretendido dizer AB. O que me faz confusão, tal como o caro Tonibler aqui vem acrescentar, é que se considere que "austeridade" e "economia" sejam divorciadas do que se passa no sector público, como se a função do Estado num país como o nosso pudesse alguma vez resumir-se, à maneira americana, à cobrança de impostos. Ignorar o papel do Estado, e das funções (e despesas)sociais na economia e no progresso da vida do país e dos portugueses só pode conduzir a erros graves, como não tardaremos a constatar. E não é só pelo facto de muitos, mas mesmo muitos "privados" estarem sentados à mesa do orçamento.A perplexidade causada pelas palavras de AB resultam disso mesmo, de não se identificarem com uma realidade nacional que, mal ou bem, é a que existe e que esteve fortemente associada ao progresso que o país teve nas últimas décadas.
ResponderEliminarCaro Tonibler,
ResponderEliminarEssa noção de que o corte da despesa se pode fazer rapidamente com a impressora (de notas) parece-me uma noção verdadeiramente revolucionária...a impressora pode facilitar a despesa, certo, corta-la talvez seja bem mais difícil...
E, em qq caso, comparar a impressora do BCE à do FED afigura-se de uma temeridade só acessível a muito poucos, talvez só mesmo aos que raciocinam à velocidade da luz, como será o caso de V. Exa...
Cara Suzana,
ResponderEliminarRegisto, com muito apreço, sua concordância em relação à leitura...
Quanto ao facto de haver "privados" com assento no Mesa do Orçamento, eu diria que estarão até em maioria muito qualificada.
Embora se sentem a essa Mesa pessoas colectivas - algumas das quais privadas mas mais serão públicas - no caso dos comensais que são pessoas singulares, e que constituem a larga maioria, são todos "privados", por definição...
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarAs afirmações do AB podem ser interpretadas como um balão de ensaio de uma corrente moderada dentro do PSD / Governo, para que o governo acabe por anunciar dentro de alguns meses como fez Espanha e Irlanda que não irá implementar mais medidas de austeridade significativas.
Alias o relatorio do FMI é tão bacoco com aquela ideia de apresentar numeros parciais de 2010 , que pode ser também interpretado como uma forma de criar ambiente para que nada se faça de concreto no dominio da despesa.
Como se pode verificar no OE 2013, a saude com 5% do PIB e a educação com 4% do PIB estão muito abaixo da média da Zona Euro, sendo a despesa social mais elevada apenas nas pensões da CGA e nos subsidios de desemprego, estes provocados pelo colossal aumento de desemprego nos ultimos 24 meses.
Restaria cortar nos outros departamentos que estão acima da média , o que é uma hipotese pouco provavel.
Na minha opinião, com a recessão de 2% em 2013 vai ser impossivel continuar na teimosia Troika/Governo , e assim se lança AB.
Caro Paulo Pereira,
ResponderEliminarInvejo sinceramente a visão idílica destes assuntos que perfilha...tomara eu e muitos dos nossos concidadãos poder confiar nessas receitas mágicas para as dificuldades que enfrentamos, não precisavamos de estar a passar por esta austeridade que tanto nos incomoda...
Estou a recordar-me do título escolhido pelo inspiradíssimo articulista que há umas semanas aqui citei, a propósito do incompreendido e mal-amado Artur Baptista da Silva, adaptando, com sua licença: "O que diz Paulo Pereira e o Governo não quer ouvir...".
Caro Tavares Moreira, o grande Robert Mugabe garantiu que a despesa pública do seu estado se reduziu a quase zero. Formula infalível....
ResponderEliminarBem lembrado, caro Tonibler, um grande estadista e crescimentista (á paulada, sempre que preciso...), que fez do Zimbawe uma economia-modelo...e olhe que esse até recorreu à fórmula da rotativa, de tal maneira que esta até gripou!
ResponderEliminarPor falar nisso, descobri que a Amazon.com vende exemplares da famosa nota de 100 000 000 000 000 de dólares do Zimbabwe por 2.5 USD's...
ResponderEliminarCaro Tonibler,
ResponderEliminarSeria uma excelente ideia oferecermos uma nota dessas aos nossos estimados crescimentistas, que, por certo, muito valorizariam a oferta!
É o símbolo de uma bem sucedida política de crescimentismo, embora noutro continente!
Não sei. Sabe o meu caro que o facto das pessoas ganharem 100 triliões de dolares é um efeito das políticas de crescimento, mas o facto de já não darem para comprar uma carcaça é efeito das políticas austeritaristas ordenadas pelo grande capital....
ResponderEliminarCaro Tavares Moreira,
ResponderEliminarO que diria se existissem paises que mantêm deficits publicos de mais de 8% ao longo de muitos anos, e onde os seus bancos centrais "imprimem" (compram titulos ...) mais de 20% do PIB , e cujo resultado é bastante positivo em termos do PIB, desemprego e inflação?
Será que usariam a tal formula mágica ?
Será que o AB conhece a tal formula ?
Caro Pereira,
ResponderEliminarEsse país suavíssimo que refere será porventura o Zimbawe ou outro em que a moeda com curso legal seja o Dólar?
E já agora será possível entender melhor esse conceito de impressão do PIB - seja 20% ou outra qualquer percentagem?
Mas se essa é a sua fórmula (mágica, por suposto) porque razão não a assume, aberta e publicamente?
Pode estar certo de que, pelo menos aqui no 4R, não seria mal acolhido, bem pelo contrário! Poderemos discordar, eventualmente, mas trataremos o tema com toda a urbanidade e respeito, como é de resto merecedor!
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarOs casos dos EUA, R.Unido; Suécia e Japão são esclarecedores de que as teses monetaristas ou austriacas de que a "impressão", QE, ou simplesmente compra de titulos pelos bancos centrais num valor de mais de 20% do PIB são apenas mitos urbanos.
O aumento da base monetária apenas tem como resultado uma redução das taxas de juro , que é o que verifica nesses casos, e também no caso da BCE.
Mas o mais simples é estudar o caso português de 1983-1985, e como a tal magia aconteceu nessa altura.
O deficit externo foi eliminado mas a queda do PIB e o aumento do desemprego foram muito reduzidos.
O que eu queria dizer é :
ResponderEliminar"Os casos dos EUA, R.Unido; Suécia e Japão são esclarecedores de que as teses monetaristas ou austriacas de que a "impressão", QE, ou simplesmente compra de titulos pelos bancos centrais num valor de mais de 20% do PIB causa grande inflação ou desvalorisação ou instabilidade e desconfinança, são apenas mitos urbanos.
O caso do Zimbawe é um caso de destruição da capacidade produtiva do país.
Caro Paulo Pereira,
ResponderEliminarA propósito do "seu" défice de 8% do PIB, ao que parece parte integrante de uma receita de conforto económico e financeiro, li hoje mesmo a notícia de que o défice orçamental americano em 2013não deverá exceder 5,3% do PIB...
As coisas não estão a correr bem lá pelo tio SAM, a avaliar por este dado...