“Os tempos medíocres, escreveu Albert Camus em A Queda, geram profetas vazios. Os anos 70 ofereceram uma rica colheita deles. (…) Era, muito autoconscientemente, uma era de “pós-tudo”, em que as perspectivas futuras pareciam enovoadas. Como observou na altura o sociólogo americano Daniel Bell:”O uso do prefixo hifenizado “pós” indica (uma) sensação de se viver num tempo de intervalo”.
(Tony Judt, in Pós-Guerra, História da Europa desde 1945, p. 544)
Tenho uma certa embirração com os prefixos “re” ou “neo”, palavras como “revivalismo”, “refundação”, reestruturação”, “remake”, “repensar”, e a infinidade de “neos” que por aí se ouvem deixam-me logo desanimada, mesmo que possam ter um grande significado por parte de quem as invoca. É que re-qualquer-coisa faz-nos fixar no que está, amarra-nos ao que já conhecemos e de que não gostamos mas que afinal gostamos tanto que não queremos mudar mas apenas refazer, recuperar ou lá o que seja que daí resulte. É que o prefixo re, em si mesmo, não nos diz nada, o sentido do que procuramos fica encalhado no próprio objecto em que concentramos a atenção, sejam as fundações, a estrutura ou o pensamento, ou a moda, a música, os filmes, ou os tempos que se viveu. Em cada “re” ou em cada “neo” , há um paradoxo, pois invoca a mudança ao mesmo tempo que nos limita o olhar e a capacidade de imaginar diferente. Ficamos presos ao que conhecemos, leva-nos a “re”-visitá-lo, ou a imitá-lo vestindo-o de maneiras novas, mas o miolo é o mesmo, é parte integrante da equação e tantas vezes o neo não é mais do que uma mascarilha frágil do impostor à procura de uma identificação que não é a sua. Mas os “re”, tal como os “neo”, têm outros defeitos. É que o conhecimento e a ousadia de pensar ou executar algo de inteiramente novo é muito diferente do que se exige a quem quer conservar, melhorando ou alterando. Neste caso, é preciso conhecer bem, conhecer profundamente, apreender os alicerces, não confundir o que determina e o que inquina, só se refaz o que se quer guardar porque tem valor, só se refunda o que é indispensável sabendo o que o tornou indispensável, só se retira da poeira do passado e se traz de novo à modernidade o que nos deu gosto ou nos fez felizes. Ou seja, quando se “re” qualquer coisa, a essência não deve mudar, logo, é preciso conhecê-la e respeitá-la, sem o que surgirá outra coisa qualquer que, provavelmente, só nos trará desconsolo e nostalgia do que nos lembrávamos que tínhamos. Já quando se cria, se inventa, se rejeita, então é preciso correr o risco de imaginar melhor, de convencer a substituir e de preparar para a diferença que resultará da mudança. Os “re” e os “neo” são reafirmações, não são rejeições, por isso, quando divorciados do valor do que se pretende preservar, ou trazer de volta, são apenas prefixos vazios.
À questão do "neo", temos de adiccionar outra que considero de maior importância e que é, a de encontrarmos nos outros, a abertura de espírito necessária para entenderem e desejar entender aquilo que é a nossa visão do projecto que concebemos.
ResponderEliminarE aquilo que estou a referir, assenta numa demasiado vasta experiência negativa neste campo.
Até há muito pouco tempo e dado o meu temperamento voltado para a concepção de novos projectos, fui concebendo e apresentando superiormente soluções fundamentadas, que me pareciam importantes, sobretudo porque permitiam reduzir significativamente despesas.
O último projecto que apresentei baseava-se no aproveitamento das águas pluviais que se desperdiçam, para rega de jardins e lavagens de viaturas. Demonstrei que a redução da despesa pagaria o investimento necessário em 4 anos.
O projecto para além de ecológico, constituia uma inovação, apesar de algumas unidades hoteleiras já terem implementado processos idênticos.
Ficou em "águas-de-bacalhau" por falta de visão de quem decide...
“Neste caso, é preciso conhecer bem, conhecer profundamente, apreender os alicerces, não confundir o que determina e o que inquina, só se refaz o que se quer guardar porque tem valor, só se refunda o que é indispensável sabendo o que o tornou indispensável, só se retira da poeira do passado e se traz de novo à modernidade o que nos deu gosto ou nos fez felizes. Ou seja, quando se “re” qualquer coisa, a essência não deve mudar, logo, é preciso conhecê-la e respeitá-la, sem o que surgirá outra coisa qualquer que, provavelmente, só nos trará desconsolo e nostalgia do que nos lembrávamos que tínhamos. Já quando se cria, se inventa, se rejeita, então é preciso correr o risco de imaginar melhor, de convencer a substituir e de preparar para a diferença que resultará da mudança. Os “re” e os “neo” são reafirmações, não são rejeições, por isso, quando divorciados do valor do que se pretende preservar, ou trazer de volta, são apenas prefixos vazios.”
ResponderEliminarÉ-me difícil elaborar um comentário a este post, porque ele próprio se desenvolve de forma simples transparente e autocrítico, derivando (uma boa parte) para a análise morfológica das palavras, de forma a desmistificar evidências desconchavadas de uma certa parolice política, como se tudo o que é estudao e o seu contrário fossem a mesma coisa. Fantástico!
Suzana
ResponderEliminarMas que excelente "tratado"!
Para mudar o que quer que seja é preciso conhecer, com "re" ou sem "re", para se poder concluir se é com "re" ou sem "re" que se quer intervir. Não conhecer a realidade ou fazer dela tábua rasa só pode dar mau resultado, com "re" ou sem "re".
Caro Bartolomeu, cabe aos decisores ter essa abertura de espírito, sem isso nada feito, aliás um lider que o seja de facto tem por natureza a capacidade de convencer, de argumentar e também de discernir o que deve mudar e o que deve ser preservado. Se quem decide não tem estas características, a probabilidade de não se mudar nada, ou de se ir estragando o que existe, é muito grande.
ResponderEliminarObrigada, caro jotac, ainda bem que o texto lhe suscitou interesse e reflexão, é isso que aqui pretendemos fazer :)
Margarida, muitas vezes o balanço que se faz do que foi feito não tem em conta essa razão de fundo, a incapacidade de distinguir o que terá a virtude de melhorar do que não terá efeito ou causará apenas desgaste e, tantas vezes, atribui-se a fenómenos como o da resistência à mudança, boicote, interesses ocultos, enfim, tudo o que deveria ter sido possível contornar se a proposta fosse virtuosa.