sexta-feira, 17 de maio de 2013

Desenganados

A desconfiança não surge, muitas vezes, do facto de termos sido enganados, mas sim do facto de sermos desenganados. Vou tentar explicar. Uma coisa é mentirem-nos, iludirem-nos, levar-nos propositadamente a fazer uma escolha que nos prejudica a favor de quem nos enganou. Um logro, portanto. Outra, muito diferente, é acreditarmos que quem aparece a oferecer-nos uma solução sabe o que está a fazer, é sabedor do nosso problema e tem a resposta que nos convém, e virmos a descobrir que afinal não devíamos ter confiado, que a sabedoria não era assim tanta ou que o que nos ofereciam só remotamente poderia ser o que procurávamos. Este último tipo de desconfiança é demolidor, porque não se reporta a um aldrabão pouco escrupuloso mas a um conjunto indeterminado que passa a abranger todos aqueles que, com as mesmas conversas e sabedoria, nos poderiam ajudar efectivamente mas em quem já não acreditamos. Não confiamos, é a palavra certa, não nos descansam. Vem isto a propósito desta novidade de ser perfeitamente “óbvio” e "desejável" que se “esclareça” agora, preto no branco, que os depositantes de contas nos bancos são afinal “credores” e não “clientes” e que, como tal, fiquem sabendo que as vossas continhas são empréstimos incertos e não entregas com uma volta na ponta. Posta a questão assim, sentimo-nos todos um bocado estúpidos por não termos tido antes tal dúvida, os banqueiros, a actividade bancária e toda essa magnífica construção que sustenta hoje uma orgulhosa economia global assentava numa base de equívocos, chamemos-lhe assim, nós não perguntámos, eles não explicaram bem, confiámos que eles sabiam que nós não sabíamos e eles agora muito admirados por nós só agora percebermos.
O que seria talvez de perguntar, já desenganados, era se teria alguma vez sido possível ver crescer e afirmar-se tão grande e vasta rede de instituições, base de economias sofisticadas e a crescer nos países a afirmar-se, se nos tivessem remetido cartas em nos chamavam “caro credor” em vez de caro cliente, e a enunciar à cabeça qual a situação do banco, os riscos de falência ou o risco das operações que não entendíamos nem entenderemos nunca, antes de nos convidar a pôr lá o nosso dinheiro. Caro credor, perguntam agora eles, nas letras que não escrevem mas que eu agora leio, pelos vistos deveria ter lido sempre assim, quer emprestar-nos mais do seu dinheiro? Caro empresário, isto é uma roleta russa, se o seu banco falir paciência, andou a pedir-lhes emprestado e agora paga com juros, é credor do seu credor e devedor de quem lhe deve.
Pode ser tudo muito claro e evidente, por isso mesmo nos sentimos desenganados.

9 comentários:

  1. Isto é muito bom!...

    Sobre esta matéria estamos desenganados... Mas com tanto desengano alguns "elegíveis" já se precaveram, com certeza; assim sendo, é caso para os outros desconfiarem...

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  2. Eis um retrato muito fiel e sem recurso a maquilhagem, da corja que s~so os banqueiros, com a protecção e conivência dos governos.
    Diz o povo na sua sabedoria rústica que, "cães e lobos, comem todos".
    Confirma-se entretanto, que a falecida "banqueira do povo" a nonagenária Maria Branca dos Santos, que em "83" provocou o "esvaziamento" dos depósitos bancários, oferecendo um juro de 10% ao mês, e fazendo temer ao BdP o acidente de bancarrota (não, nessa altura o Dr. Tavatres Moreira não era ainda governador do banco do estado) era afinal uma devedora muito mais confiável que o próprio banco.
    É que ela, pagava imediatamente "à cabeça" os juros, o que fazia com que o dinheiro investido ficasse amortizado em poucos meses. Assim, desde que os credores não faltassem, os devedores nunca entrariam em incumprimento, o que não sucede afinal com os bancos, que até possuem um fundo de garantia.

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  3. Pois, cara Suzana, tendo toda a razão, esse desengano chama-se "regulação". A verdade é que ao contrário de enganados, nós queremos ser desenganados. A culpa é inteiramente nossa porque alguém nos disse que conseguia regular mas a verdade é que não há nada mais seguro que a diversificação e regulação significa concentração.

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  4. Caro Tonibler, de acordo, agora vêm dizer que talvez regulem "ma non tropo" ou seja, enquanto as coisas correrem bem, a partir daí é com cada um.

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  5. Quem tem muito, já pôs fora.
    Quem tem pouco, colchão...
    Pelo que vai ser o fim desses bancos. Não há saída alguma.

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  6. Não exageremos. A verdade é que estamos no meio de uma revolução que nunca ninguém passou, a extinção de estados, alguns milenares, para se fundirem num outro. Algumas coisas são completamente novas, como a formação de um espaço financeiro único, que nos coloca muitas questões transitórias porque há alguns passos que têm que ser dados. Um deles é que o Banco de Portugal já não serve para absolutamente nada. Está a tentar-se fazer dele aquilo que antes eram as delegações distritais, mas não faz sentido nenhum. Os depósitos vão voltar a ser garantidos pelo BCE quando o sistema financeiro europeu estabilizar, tal qual são hoje em Portugal, 100 000 euros por conta(em Portugal até pode ser mais, na realidade).

    E Suzana, nunca ninguém disse que estava segura contra revoluções e é isso que hoje se passa.

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  7. Cara Suzana Toscano ,

    Esse equivoco permitiu o crescimento economico baseado em credito privado até 2008, especialmente na caso da UE o equivoca era a regra.

    Nos EUA já existia uma percepção mais clara que depositos elevados tinham risco e como tal o peso do credito bancário lá é muito inferior.

    Esta também é uma boa oportunidade para bancos mais pequenos poderem aumentar as suas quotas de mercado, já que tereão uma mais fácil avaliação pelos "credores" depositantes.

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  8. Caro jotac, a generalidade das pessoas não tem outro remédio senão esperar que não aconteça o pior, e mesmo os que julgam que estão "a salvo" será tudo uma questão de dimensão da riqueza, e não de porto seguro.
    caro Bartolomeu, coitada da D. Branca, um verdadeiro anjinho ao pé do que vimos depois disso.Só não conseguiu chegar a ser "too big to fail".
    É verdade, Tonibler, vivemos uma autêntica revolução, não só pela dimensão mas também pela rapidez das mudanças. O pior é que nos tentam convencer de que está tudo controlado, que tudo resulta de uma bela estratégia e, claro, que tudo se passa para nosso bem. Só nos apercebemos do processo revolucionário em curso quando apanhamos com os efeitos em cima e totalmente desprevenidos.
    Caro Paulo Pereira, foi assim, sem dúvida, mas duvido que a oportunidade seja para os bancos pequenos, pelo contrário, imagino que vá acontecer o contrário e se constituam bancos enormes depois de engolidos os mais pequenos e, claro, os "regionais". Pelo menos é o que parece.

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  9. Se os depositantes credores criarem os seus proprios bancos mutualistas ou forem socios de bancos pequenos, terão mais garantias do que se manterem nos grandes bancos que têm contas demasiado complicadas e opacas.

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