quarta-feira, 10 de julho de 2013

Alô Berlim, Bruxelas, Frankfurt e Washington: Alguém está a ouvir?...

Portugal viveu, na semana passada, o mais grave desacordo político no seio da coligação PSD/CDS que governa o país desde Junho de 2011.
Deixando de lado considerações sobre a política caseira – que não cabem no âmbito deste texto –, creio que este episódio (tal como casos anteriores) acaba por estar também relacionado com a aplicação de um programa de ajustamento mal desenhado desde o seu início na sua vertente orçamental – e que nunca foi corrigido de forma certeira e adequada. E a verdade é que, olhando para o espectro político em Portugal, não acredito que fosse possível encontrar outro Governo mais cooperante com um programa da natureza daquele a que estamos sujeitos (apesar de ele ter sido maioritariamente negociado com a Troika pelo anterior Governo Socialista).
Tenho para mim que o garrote e a fadiga da austeridade – é disso que se trata – está a tornar-se insuportável, não apenas em Portugal, mas em boa parte do espaço da Zona Euro, o que poderá gerar revoltas sociais e, no limite, colocar em causa a própria democracia europeia e… o projecto da moeda única europeia.
São conhecidos os resultados eleitorais na Grécia, em 2012, que reforçaram forças políticas radicais de esquerda ou de direita (respectivamente, Syriza ou Aurora Dourada, este de inspiração nazi); e em Itália, já em 2013, que viabilizaram o regresso de Berlusconi (!) ou o nascimento de fenómenos “contra tudo e contra todos”, como o liderado pelo comediante Beppe Grillo, cujo partido, Movimento 5 Estrelas, foi a força política individual mais votada. E deve notar-se que estas tendências se sucederam depois das soluções tecnocráticas impostas por Bruxelas (ou Berlim), como Lucas Papademos na Grécia, ou Mario Monti em Itália (a coligação por si liderada teve uns esclarecedores 10% de votos…), provando-se que, mesmo que tenham sido úteis na altura, não podem ser a regra porque não são democráticas – e é na democracia que o projecto europeu assenta. Espantoso, mesmo, é que estes resultados eleitorais não tenham feito tocar todas as campainhas de alarme ao mais alto nível europeu… Até porque o que se vai conhecendo mais recentemente é revelador: em Espanha, o PP e o PSOE juntos não chegam sequer a 40% nas sondagens; em França, Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional (de extrema direita) já liderou alguns estudos de opinião recentes. Ao contrário do que alguns poderão pensar, o problema não é português, nem grego, nem irlandês, nem cipriota: é europeu. Com projectos radicais e nacionalistas a alastrar, é a Europa que sai enfraquecida.
Sucede que, na Troika, até agora, apenas o FMI parece ser capaz de reflectir sobre eventuais erros cometidos nos programas de ajustamento; ao contrário, CE e BCE (sempre sob a omnipresente sombra da Alemanha) insistem na mesma receita, independentemente dos resultados à vista de todos, e de estudos que vão sendo conhecidos (publicados pelo FMI em Outubro de 2012 e, recentemente, pelo Banco de Portugal) e que indiciam que, em tempos de crise, o impacto recessivo da austeridade pode suplantar em muito o impacto em tempos, digamos, “normais”.
A este propósito, ainda na semana passada tive a oportunidade de participar no encontro de economistas promovido pelo Presidente da República destinado a analisar o “pós-Troika”, do qual saliento as palavras de Marco Buti, Director-Geral para os Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia – que me deixaram siderado: resumidamente, Buti considerou inquestionável a continuação da aplicação do programa português como até aqui, e a manutenção das metas orçamentais que estão estipuladas. Isto com o argumento de que, se assim não for, perde-se a credibilidade.
Tenho a opinião exactamente oposta: tornar o programa realista através de uma flexibilização adequada das metas orçamentais que deixem, de algum modo, respirar a economia – e, consequentemente, desanuviar o ambiente social e político –, é que traria credibilidade. Nestas condições, Portugal continuaria a cumprir o programa (como até agora) e poderia, portanto, continuar a beneficiar do apoio do BCE (através do seu programa de compra de dívida pública OMT) – o que, estou convencido, mesmo que a dívida pública aumentasse mais do que o previsto no curto prazo, tranquilizaria os investidores e permitiria o desejável regresso ao financiamento em mercado.
E é isto que, creio, seria adequado para os restantes países com problemas: o seu endividamento tem, obviamente, que ser reduzido – mas com programas realmente exequíveis e realistas que minorassem as terríveis consequências sociais da (necessária) austeridade, e apoiados pelo BCE, cujo papel como lender of last resort sujeito a condicionalidade é imprescindível. E, nos restantes países (“sem problemas”), as orientações devem ser simétricas: políticas expansionistas, que acabarão por favorecer a procura externa dos países endividados, atenuando as suas dificuldades… e beneficiando o projecto da moeda única.
Se o (nosso) episódio político da semana passada tiver servido para abrir os olhos aos nossos parceiros e à Troika – que, até agora, e como já referi, parecem ter ignorado o que se passa em vários países europeus –, e levar a uma alteração das actuais orientações, então, de indesejável e dispensável, ele passará a… ter valido a pena. E – quem sabe?... – pode ser que assim seja: afinal, Portugal tem cumprido tudo o que se lhe pediu e, depois do fracasso na Grécia, é o país do Sul da Europa em que todos (nós, portugueses, por maioria de razão, mas também os líderes políticos europeus e a Troika) desejam (e precisam...) que o programa de ajustamento termine bem.

Alô Berlim, Bruxelas, Frankfurt e Washington – alguém está a ouvir?...

Texto publicado no Jornal de Negócios em Julho 09, 2013.

6 comentários:

  1. É isto mesmo.

    A austeridade excessiva é um erro mais que provado.

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  2. todos comeram, uns com barrigada de lobos esfaimados
    e agora ninguém quer pagar a conta

    é necessário que se diga que os contribuintes
    estão falidos, mas que se acrescente que têm de pagar e não bufar

    palavras-chave:
    falidos
    pagar
    dieta

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  3. Discordo completamente, Miguel. É claro que o argumento do Buti é uma estupidez, a necessidade não vem daí, vem do facto do nosso país ter hoje 300 milhóes de habitantes e não 10 milhões, dos estados terem as competências de meras municipalidades e se comportarem como pequenos reinos do Sião. Mas a necessidade está lá e não vai desaparecer, pelo contrário. Assim só há duas hipóteses, o colectivo absorve a dívida e começa a recolher impostos mais reduzidos (leia-se, acabam-se os estados) ou, querendo manter o estado, há uma conta para pagar, não se pode cortar impostos e o estado tem que se comportar como uma municipalidade.

    Programas "realistas" que passem por manter os estados e aumentar dívida, esqueça, isso já não existe há uns tempos. E não é por questões políticas.

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  4. Ao fracasso da Grécia seguir-se-á, mais tarde ou mais cedo, o fracasso de Portugal. Um, por ser mau aluno, o outro, por ser bom aluno.
    Mas não se está mesmo a ver que a receita é que está errada?

    Só que a receita faz parte do credo neoliberal, e para os neoliberais o que conta é a acumulação do capital nas oligarquias financeiras. Dê por onde der, nem que para isso seja necessário pôr um país ou mesmo a Europa a pão e água.

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  5. Em resumo, a banca provoca a crise. A banca se afunda. O Estado a resgata com dinheiro público. O resgate aumenta o défice público. Há que reduzir o défice. E aumentam-se impostos e aplicam-se cortes sociais. Os cortes prejudicam gravemente a cidadania. Os cortes fazem retroceder a actividade económica. Aumenta o desemprego. Banca e grandes empresas fogem a mais impostos que nunca. A fraude fiscal reduz as receitas do Estado. O Estado se endivida. A banca, especuladora e insolvente, continua recebendo ajudas públicas. E, por esta razão, aumenta o défice público. Banca, grandes empresas e gendarmes internacionais da minoria rica exigem a redução do défice. Isto é. Para reduzir o défice, os dóceis governos cortam mais direitos sociais… Continua a história interminável.

    Não é uma crise: é um saque. Saque (também denominado pilhagem ou latrocínio) é apoderar-se de modo ilegítimo e indiscriminado de bens alheios. E temos o direito e o dever de defendermo-nos do roubo.

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  6. A vitória de Portas e o renascimento de Cavaco explicados ao pequeno Seguro.
    http://supraciliar.blogspot.pt

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