É normal que nos momentos de crise política em que se coloca a questão da subsistência dos mandatos dos órgãos de soberania, se discuta sobre as saídas constitucionais para a situação. O que julgo verdadeiramente patológica é a pluralidade de opiniões sobre o que a Constituição dispõe, em especial sobre o papel do Presidente da República.
Há uns anos assinei, com o meu Amigo e Colega Ricardo Leite Pinto, um texto que deu origem a um livrinho sobre o sistema português publicado pelo INA, onde depunhamos sobre as vestes de bombeiro (a locução é do Professor Gomes Canotilho) que nestes momentos o PR deve envergar. Esse depoimento continua, a meu ver, atual e corresponde, ainda que se respeitem melhores opiniões, à vontade do legislador constituinte que se revela pela letra das normas constitucionais, lida numa perspetiva sistémica como tem de ser. Aqui deixo uma parte:
"(...) é no capítulo respeitante às patologias terminais do Governo que a Constituição destaca o papel da Assembleia e do Presidente. No que tange à sua subsistência, o Parlamento tem duas importantes armas: pode o Governo solicitar à Câmara a aprovação de um voto de confiança sobre uma declaração de política geral ou sobre um qualquer assunto de interesse nacional ou a Assembleia votar uma moção de censura sobre a execução do programa do Governo ou outro assunto de interesse nacional. A não aprovação da primeira e a aprovação da segunda por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções levam à demissão do Governo (artos 193°, 194º e 195° al. e) e f)).
Do lado do Presidente da República a Constituição confere-lhe também o poder de demitir o Governo. Contudo, acrescenta que aquele só o poderá fazer "quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado" (art.195º n. 2). A fórmula constitucional é de difícil densificação e parece apontar para a existência de situações de facto graves que não tenham outra solução constitucional que não pela via da demissão do Governo. A doutrina discute se tais situações excluem as eventuais quebras de confiança política entre o Presidente e o Primeiro-Ministro. Alega-se em defesa dessa tese que existe autonomia política do Governo perante o Presidente, o que significa não existir solidariedade política entre o Presidente e o Primeiro-Ministro e que o Governo não conduz urna política do Presidente, consagrando-se uma clara autonomia entre o Presidente e o Governo na condução da política geral do país, que compete a este último.
É verdade que o referido princípio da autonomia governamental está bem patente na nossa Constituição. Mas daí não pode retirar-se, só por si, a afirmação de que o poder de demissão exclua toda e qualquer quebra de confiança política do Presidente no Primeiro-Ministro. Ao menos nas situações antes referidas dos governos de iniciativa presidencial, a hipótese da quebra de confiança política não é de excluir, podendo a mesma gerar, por natureza, uma situação de irregular funcionamento das instituições democráticas.
Em todo o caso o único juiz do referido dispositivo constitucional é o Presidente da Republica, e é a ele e só a ele que compete avaliar caso a caso a verificação das referidas circunstâncias.
(...)"
Interessante post, caro Ferreira de Almeida e muito oportuno porque andava em busca da oportunidade para perguntar-lhe algo. Pode o Presidente forçar um governo técnico como aconteceu em Itália? Isto seria exequivel em Portugal? Ou um governo de bloco central? Ou seja, essencialmente a pergunta é se o Presidente, sem novas eleições, pode forçar um governo que tenha alguma garantia de estabilidade e possa governar o país por mais um tempo.
ResponderEliminarComo de consitucionalista todos devemos ter um pouco, parece-me que
ResponderEliminarnão se encontrando esgotadas as duas saídas previstas na Constituição - moção de confiança e moção de censura - o PR não deve tomar a iniciativa de dissolver a AR e convocar eleições antecipadas.
Mas pode, e deve, do meu ponto de vista, tentar aquilo que não tentou antes de dar posse a este governo, (como não tentou antes de dar posse ao governo minoritário de Sócrates): pressionar os partidos que subscreveram o memorando com a troica a integrarem e suportarem na AR um governo para enfrentar a crise.
Se o não tentar, falhará imperdoavelmente, pela terceira vez.
Se tentar e falhar, deve informar claramente os portugueses das diligências feitas e dos resultados parcelares obtidos, e das mais que previsíveis consequências resultantes dessa falha.
"Forçar" é um termo que eu não utilizaria. Pode utilizar o seu poder de influência junto dos partidos políticos com expressão parlamentar para encontrar uma solução governativa estável e minimamente consistente. A Constituição manda atender aos resultados eleitorais para a indigitação do PM (resultados das últimas eleições, e não das que muitos analistas ficcionam, antecipando resultados de um sufrágio inexistente)e, por isso, a primeira solução passará naturalmente por tentar a constituição de um Executivo encarregando personalidade do partido mais votado para as diligências destinadas à constituição de uma equipa governamental que, à volta de um denominador programático comum, reuna o maior consenso parlamentar.
ResponderEliminarNão sendo possível, eu sou de opinião que nada na Constituição - nem a regra do atendimento aos resultados eleitorias - afasta a possibilidade de ser indigitado personalidade escolhida pelo PR, desde que obtenha o consenso do(s) partido(s) mais votados e a garantia de que será apoiado por uma maioria parlamentar como é constitucionalmente indispensável.
Mas o quadro constitucional, permitindo isto, tem de encaixar as circunstâncias de cada crise e atender ao mapa da representação parlamentar, à capacidade e responsabilidade dos lideres políticos e também, o que é decisivo, ao prestígio do Chefe do Estado de onde lhe vem o essencial da autoridade para influenciar uma solução que encontre respaldo no parlamento.
Obrigado! :) Já agora uma pergunta adicional. Pode o Presidente da Républica assumir também a chefia do governo? Ressalvando, claro, o apoio parlamentar que explicou na sua resposta. Ou seja, com o apoio da assembleia, pode o Presidente da Répulica ser também chefe do governo?
ResponderEliminarNão, meu caro Zuricher. Diferentemente de outros sistemas semi-presidenciais (como o francês) as funções de Chefe do Estado e chefe do Governo estão separadas e não podem ser confundidas por via da titularidade dos cargos e do exercício de competências. Por isso o apelo que por vezes se faz para que o PR tome esta ou aquela medida no âmbito das política geral do País não tem qualquer sentido no quadro constitucional atual.
ResponderEliminarO PR pode, porém, presidir ao Conselho de Ministros, mas só se o Primeiro Ministro lho solicitar, sem que, mesmo nessas circuntâncias, se possa dizer que assume a liderança do Executivo.
O nosso figurino constitucional quis o PR como árbitro do jogo político. Ora, o árbitro não joga sob pena de deixar de o ser.
Que bom, quer dizer que isto se vai resolver com o Cavaco? Muito mais descansado. Desta vez também vem a senhora de Fátima ou vai-se fazer sem a incomodar?
ResponderEliminarJosé Mário
ResponderEliminarObrigada pelos esclarecimentos. É que paira uma grande nuvem sobre o assunto e as interpretações já começaram. À total confusão e desinformação vai um passinho...
Penhorados agradecimentos, take 2. :)
ResponderEliminarVai resolver-se com Cavaco, como foi sendo resolvido por todos os PR depois de Eanes.
ResponderEliminarCom o sucesso que está à vista.
Enquanto com o General se estava a começar, a experiência subsequente, já devia ter levado a uma clarificação.
Agua ou vinho?
Semi-nada ou híbrido genético?
Rainha de Inglaterra (ou Itália), ou Rei de França?
Very peculiar people.
No palácio de Belém, uma corte de assessores e um governo sombra, visto de perto em 1980-83, zelam pelos indígenas.