Entrou revelando alguma dificuldade na visão, mas, mesmo assim, o olhar embaciado pelo tempo não conseguia esconder que ainda mantinha alguma vitalidade física e uma sabedoria interessante. A pele, encarquilhada pela idade e curtida pelo sol, dava-lhe um ar típico de uma figura retirada de um quadro a óleo de cenas agrícolas. Queixava-se de dores nas costas. Tudo aconteceu depois de andar a carregar baldes. - Mas andava a transportar baldes de água? - De água? Não! De milho, milho seco da eira para as arcas. Milho para o inverno. Não me foi difícil saber o que poderia estar por detrás. Mais algumas perguntas, e outras tantas respostas, às quais juntou esclarecimentos sobre o seu pequeno calvário, levou a que o rural, de olho baço mas vivo de sabedoria, começasse a mudar de entoação. Baixou de tom, começou a querer engasgar-se de propósito, denunciando que pretendia dizer algo que não devia. Apercebi-me da sua vontade, logo, utilizei uma estratégia de desinibição, permaneci calado e coloquei um ar de responsabilidade e de respeito pelo que iria dizer. - Sabe, senhor doutor, "quando o mal é prolongado até o diabo é culpado". - Como?! Perguntei. E o senhor repetiu mais uma vez face à minha admiração. - Curioso. Nunca tinha ouvido semelhante ditado. Sorri. Em seguida disse-lhe que era muito interessante o que tinha dito. - Se me permite, vou registar neste papel, porque adoro ditados populares. A satisfação do doente estava a ficar ao rubro. Vi perfeitamente que tinha causado um efeito muito forte. Não sabia o que é que tencionava dizer. Apesar desta interrupção, o que eu estava a fazer era reforçar a confiança para poder ouvir o que ele tinha em mente. Assim foi. Colocou, novamente, a sua entoação inicial, abriu o sorriso com que tinha entrado e, calmamente, explicou o sentido do ditado. - Como as dores não passavam, nem mesmo com os medicamentos, o motorista que nos levou ao hospital disse-nos que, em tal parte, havia uma espécie de massagista que é muito bom nestas coisas e que valeria a pena tentar. Ele, o massagista, levava quinze euros, enquanto o motorista "cobrava" dez. - Fora o frete? - Sim, fora o frete. - E depois? - Lá fui. Foi ontem. - Ai sim? Pelos vistos...- Sim, não resultou! - Parei a conversa por aqui, não valia a pena estar a malhar em ferro frio. Depois de mais algumas conversas, que me agradaram sobremaneira, fiz o que devia fazer, tratar das dores e corrigir outros problemas mais do que visíveis e que já deveriam ter sido tratados há muito.
A afabilidade e a satisfação do senhor e da mulher eram mais do que evidentes e, no que toca a ditados, os dois acabaram por me dizer: - Oh senhor doutor, nós sabemos mais ditados. - Acredito que sim. - Então prepare-se, porque quando regressarmos vamos contar-lhes mais alguns. Ri com satisfação, até parecia que já estava melhor das dores.
Vou esperar! Uma coisa é certa, todos os dias, e a toda a hora, aprendo com quem me procura. É tão bom ouvir coisas que desconhecia. Um perfeito analgésico para muitas dores da existência.
«Mais vale quem Deus ajuda, do que quem muito madruga». Pelos vistos, o doente que consultou o caro Professor, madrugou demais, durante demasiado tempo. Conhecedor que é dos provérbios populares, o seu doente devia saber que: «a ocasião faz o ladrão», e não se ter deixado levar pela conversa do taxista. Agora; «depois de casa roubada, trancas à porta» e como «da discussão nasce a luz» resta-lhe seguir a razão e: «Dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E desta forma voltará tudo ao que era dantes... se possível, com menos dores nas costas... se achar quem transporte por ele, os baldes do milho...
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