Li estas férias um livro notável "Gente do Passado - os Últimos dias da Aristocracia Russa", do historiador Douglas Smith que, baseado em cartas, registos e testemunhos, conta a história esquecida da destruição da aristocracia russa, e não só, nas sucessivas ondas de terror desde a revolução bolchevique até à morte de Estaline em 1953.
Nunca, em momento nenhum da História, faltaram razões, fundamentos e teorias para justificar as decisões e os actos ou para arregimentar apoios, seguidores e executantes. As maiores monstruosidades da História foram precedidas de elaboradas teses inovadoras recheadas de amanhãs que cantam que, pintando o futuro de todas as cores do arco íris, consideravam necessário ou justificado, para esse efeito, o sacrifício de quantos fossem precisos para eliminar os obstáculos. É certo que o progresso e a mudança das sociedades se fez muito por revoluções, guerras e ações brutais que selecionaram sucessivamente os “capazes” dos que “resistiam” ou, simplesmente, os que não resistiram. Mas muitos desses custaram milhões de mortos, destruição maciça, décadas de miséria, de recomposição de valores e, quantas vezes, sentimentos de culpa que constituíram verdadeiros anátemas para alguns povos durante gerações. Basta ler alguns livros de História, ou de filosofia, para nos assombrarmos com a dinâmica esmagadora dos argumentos, da limpeza de conceitos, da deturpação mental coletiva que anestesiou consciências e legitimou atitudes que muitos pensariam inconcebíveis. Não será talvez possível deter ondas demagógicas que varrem tudo, uma e outra vez,como métodos seguros de abrir espaço à ação política, ondas que se formam primeiro pela acusação ou pela mentira insidiosa, construída e alimentada, ondas que crescem em hostilidade, vagas que clamam por “justiça” e, por fim, a tempestade que varre tudo à frente, obscurecendo inteligências, empedernindo consciências, cegando as evidências. Mil e uma vezes, olhando a História, tentando compreender a História, nos perguntaremos, como foi possível?, e outras mil e uma vez embarcaremos nos mesmos movimentos brutais ditos transformadores, guiados por luzes que só uns vêem mas que encadeiam todos os outros, atordoados por razões e argumentos que nos escandalizam primeiro, nos paralisam depois e que, finalmente, talvez, pode ser que não, nos vencem a resistência até encolhermos os ombros ou mesmo as tomarmos como boas. É nesse momento que se move, uma vez mais, a roda da História, e o sentido dela será sempre determinado pela qualidade e força da consciência e das razões invocadas e dos métodos seguidos. Não faltam exemplos do que foi bom, mau, criminoso ou simplesmente inominável, e são esses sulcos profundos que marcam a fisionomia dos países, da sua gente e culturas, das civilizações, em suma, depois de passada a revoada.
Pois é.
ResponderEliminarDesde o título ao conteúdo, noutra 'dimensão' e perante o estado a que se chegou, a lembrar-me um título de um dos nossos ayatolas.
"Os Devoristas" , século XIX, Vasco Pulido Valente. Em Portugal.
Sugestivo título, este.
Pois, cari Bartolomeu, os títulos são importantes :)
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