domingo, 27 de outubro de 2013

Ajustamento

Várias senhoras numa loja. Começam a conversar sobre a crise, as dificuldades de gerir o dinheiro da família, onde passaram a poupar, até que uma diz que teve que falar com a empregada a dias para lhe reduzir as horas de trabalho. Fazia muita diferença às duas, dizia ela, porque agora chega mais tarde a casa, os filhos chegam da escola, é uma dificuldade, à outra porque lhe faz falta o dinheiro e ninguém a contrata por uma hora ou duas por semana, além de não compensar o tempo dos transportes. Então  a empregada propôs-se ficar com o mesmo horário mas deixando de "querer a Caixa" ou seja, sem fazer os descontos para a segurança social. Mas então quando se reformar, disse a senhora, não quer reforma?,  olhe que mais vale pouco que nada. A empregada encolheu os ombros, já tenho os anos suficientes para a reforma mínima, daí não passo, isso está garantido e a essas " eles" não vão, já tinha decidido não pagar mais nada, a senhora "dá baixa de mim" e eu faço as horas todas como até agora, ganhamos as duas, com o meu marido desempregado não me posso dar ao luxo de trabalhar menos horas.
Na loja as senhoras concordaram que tinha sido uma excelente solução.

13 comentários:

  1. Parece-me que devo dar os parabéns à senhora empregada pela astúcia, mas não pela razão. Um dia ela terá a sua pensão - mínima, mas melhorada com o complemento social que todos pagamos.
    ( a reforma dela será de poucos euros se o calculo chegar a um ou dois euros), mas receberá sempre a mínima que será de cem ou duzentos euros.
    A continuarmos com estes comportamentos será mal para todos.
    Isto não quer dizer que tudo na segurança social esteja bem.

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  2. Não olho este assunto pelo ângulo da astúcia, mas mais pelo da necessidade de adaptação a novas realidades que exigem soluções que não serão as mais coerentes, se enquadradas num contexto social lato. No entanto, as situações de extrema necessidade em que um número excessivo de famílias se encontra, exige-lhes - para que consigam subsistir - que optem pelas soluções mais fáceis e ao nível particular, mais lucrativas, ou com resultados mais imediatos. A maioria das famílias que se encontra a viver situações críticas e sem alternativa, não podem esperar que a anunciada recuperação e a apregoada saída de recessão, comecem a produzir efeito na economia, na confiança dos investidores, na criação de postos de trabalho, em suma, na melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos. A solução de "dar baixa na segurança social" é de recurso, mas é também um "furar das regras" que se virmos bem, já foram furadas e refuradas por quem tem o dever de as proteger e manter inalteráveis.

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  3. Cara Suzana Toscano

    Um excelente e prático exemplo do grau de confiança, neste caso, do utente/beneficiário nas instituições nacionais.
    Cumprimentos
    joão

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  4. A verdadeira questão, não é a "astucia" ou a "razão" das intervinientes...

    ...mas a verificação de que:

    "(...)já tenho os anos suficientes para a reforma mínima, daí não passo, isso está garantido e a essas " eles" não vão (...)"

    Ou seja, a "acção" suportada pela "confiança" (ou não!) no Futuro e na forma como os "nossos descontos" serão (ou não!) convertidos nas nossas futuras (ou não!) reformas.

    E por muito eficaz(ou não!) que possa ser o Sistema...esta "não!" confiança no sistema e no Futuro...é o que nos condena, a todos, desde logo! Não há sistema social que consiga funcionar sem que exista o minimo de credibilidade e confiança por parte dos utilizadores/beneficiarios.

    E neste ponto particular - Confiança no Sistema e no Futuro - as politicas aplicadas teem sido o maior inimigo do Sistema.

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  5. Suzana
    Os comportamentos que descreve são resultado essencialmente de dois factores:
    - falta de incentivos adequados para que as pessoas vejam que vale a pena fazer contribuições e para minorar as iniquidades do sistema de protecção social e a boa utilização dos recursos financeiros disponíveis. As regras da constituição das pensões minímas não têm incentivos para que as pessoas contribuam quando as carreiras são curtas. Têm desincentivos. A ideia de que a assistência social é uma tábua de salvação é completamente perversa. E é um caminho perigoso.
    - falta de confiança no sistema de pensões, falta de confiança no Estado.
    No primeiro caso, em concreto, iremos todos através dos impostos complementar a pensão miníma com outras prestações sociais como já hoje acontece.
    A falta de confiança é demolidora, a confiança é o "cimento" de uma sociedade. Hoje nem os velhos nem os novos acreditam no sistema de pensões.

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  6. Caro Pedro, não sei se notou que o governo português, restaurou a pena de morte, com base na sentença de um colectivo que considerou terem andado os portugueses a gastar durante anos, a cima das suas possibilidades.
    A partir do momento em que a sentença foi proferida, concentraram-se em encontrar a forma de procederam à execuções. E a forma mais fácil eficaz e económica foi esta: cortar nas pensões. Assim; os idosos que passaram uma vida a ter de gerir com o máximo cuidado os magros salários, que nunca possuíram carro nem casa própria, Vêem agora a sua integridade reduzida a uma esmola que não lhes chega para subsistir. Os outros que se acham na mesma situação da mulher a dias da história, que sempre contribuiram para a segurança social e para a aposentação, que nunca passaram férias em Cancun nem em Punta Cana, vêem agora os prejuísos que alguns gestores causaram ao estado, a serem pagos com o dinheiro que deveria assegurar os valores de reforma, correspondentes ao que descontaram e que o estado deveria ter trancado a sete chaves. Mas como no nosso país os trabalhadores e as pessoas honestas em geral, são vistas pelo governo que elegem e a quem pagam para governar, sem o respeito que merecem, e os trafulhas e vigaristas merecem toda a protecção, caímos nestas incongruências.

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  7. Caros comentadores, quando ouvi esta conversa numa loja de bairro ocorreram-me praticamente todos os argumentos que aqui trouxeram, o facto é que a economia é isto mesmo, reacção aos estímulos, as pessoas fazem as suas leituras da realidade, interpretam as mensagens e tomam as decisões que a sobrevivência lhes dita, não é possível dispensar os valores para uma coisa e invocá-los para outra, por muitas leis que se façam, a sociedade move-se de imediato, desde logo ao nível familiar, para proteger o seu núcleo, talvez seja. Estas as mudanças estruturais que mais nos surpreendam quando dermos pela sua real dimensão.

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  8. Pois é.
    Já cheguei tarde mas gostava de acrescentar alguma coisa.

    Pela mesma razão que a empregada doméstica, racionalmente, desistiu de descontar para a segurança social, estão condenados os fundos de complementos de reforma a desaparecer.

    Para um governo sustentado por partidos que sempre defenderam a
    evolução da segurança social para a sustentação em três pilares, um dos quais precisamente, a constituição de fundos privados, o confisco que está a ser realizado sobre esses fundos só pode condená-los à extinção.

    Quem é que vai continuar a colocar poupanças em fundos sujeitos uma imposição fiscal que pode atingir os 70%? Só os distraídos mas, mesmo esses, é uma questão de tempo.

    Este governo, em matéria de pensões, não se limita a cortar naquilo que, aparentemente, geriu mal, mas também naquilo onde nunca meteu prego nem estopa.

    Já agora: Por que é que não é feita uma separação das contas da segurança social, financiadas pelas contribuições de empresas privadas das contas da segurança social da responsabilidade das instituições do Estado, financiadas por impostos?

    Estou farto de ouvir o senhor Medina Carreira & Companhia dizer que há três milhões (três ou quatro?) de dependentes do Estado, entre os quais os reformados da segurança social.

    Então um cidadão desconta durante 45 anos cerca de 1/3 do seu ordenado bruto para a segurança social e depois passa à condição de dependente do Estado???

    Pela mesma lógica, se deposita no banco as suas economias, passa a ser, não um depositante, mas um dependente do banco ...

    Um dia, alguém fará a história numérica da segurança social em Portugal e concluirá, estou certo disso, que a actual narrativa sobre a sustentabilidade da segurança social do sector privado é uma enormíssima patranha.

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  9. Caro Bartolomeu, absolutamente de acordo consigo.



    Suzana Toscano disse... «o facto é que a economia é isto mesmo, reação aos estímulos, as pessoas fazem as suas leituras da realidade, interpretam as mensagens e tomam as decisões que a sobrevivência lhes dita…»

    Diogo: Cara Suzana, é espantoso os níveis a pode chegar a sua desumanização. Imagine, a minha amiga, o seguinte cenário:


    1 – Imaginemos uma família modesta – avô, avó, pai, mãe, e oito filhos, decide contratar os serviços de um advogado (aldrabão – haverá outros?) e passa-lhe uma procuração (sem limites) para lhe tratar dos assuntos.

    2 - Este advogado combina, com um usurário amigo, um esquema em que a família é convencida a comprar um terreno sem qualquer valor, por uma exorbitância, aconselhando a família um empréstimo ao usurário a juros agiotas.

    3 – Com o passar dos dias, a família apercebe-se que o terreno não serve nem para agricultura, nem para pecuária, nem para construção, nem para coisíssima nenhuma, e que está a pagar juros altíssimos pelo empréstimo.

    4 – Todo o rendimento da família vai para pagar os juros do empréstimo e a família começa a passar fome. O advogado pressiona a família a reduzir toda a despesa – nos alimentos, nas roupas, nos remédios – avisando a família que, se não pagar os juros da dívida, o resultado será a prisão.

    5 – O usurário ladrão contrata (secretamente) o advogado como assistente, coisa que já tinham combinado desde o início da falcatrua.


    Dois finais possíveis:

    Final 1 – O avô, a avó, o pai e dois filhos morrem por falta de cuidados médicos e de fome. O usurário (mantendo o tacho do primeiro advogado), contrata outro advogado com o objetivo de convencer a família de que a solução para os seus problemas será comprar uma casa a cair de podre (propriedade do usurário)

    Final 2 – A família reúne-se diante da lareira, debate objectivamente a causa das suas agruras, armam-se de varapaus, navalhas, fisgas e cordas, e vão à procura do advogado aldrabão e do usurário ladrão. Tendo-os apanhado e devidamente «enxertado», procuram uma árvore com troncos sólidos e enforcam-nos.

    No julgamento que se seguiu, o juiz, compreendendo que o nível de vigarice na sociedade já tinha atingido níveis intoleráveis e assassinos, mandou a família em paz para casa. Quanto aos corpos dos ladrões, deu ordem para apodrecer pendurados, servindo de repasto aos corvos.

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  10. Caro Fonseca, explicam-nos que não é bem assim por o sistema de pensões ser um sitema "pay as you go", portanto náo devíamos ter contado que o dinheiro estivesse lá à nossa espera... Quanto ao terceiro pilar, está muito abalado dia sim dia não, conforme se precise de ir buscar dinheiro ou se queira convencer as pessoas a não o deixar à mão de quem pode ir buscá-lo. Tem dias.
    Caro Diogo, tenho estado a ver a séria "Mundo sem fim" que é viciante, de vez em quando volta a barbárie, só a sofisticação dos meios é que muda.

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  11. "explicam-nos que não é bem assim por o sistema de pensões ser um sitema "pay as you go", portanto náo devíamos ter contado que o dinheiro estivesse lá à nossa espera..."

    Cara Susana Toscano,

    É assim mesmo como diz, ninguém, mínimamente informado, tem dúvidas que é assim.

    Mas isso não contraria em nada aquilo que referi: é tão dependente o reformado da segurança social das contribuições que as empresas continuam a entregar à segurança social como os levantamentos dos depósitos em bancos são dependentes do pagamento dos devedores ao banco.

    Mas, insisto, por que não se segregam as contas da segurança social dos privados das contas do Estado?

    Simplesmente porque desta prática sempre aproveitaram os governos para cobrir parte dos défices do OE e, deste
    modo, praticarem uma inqualificável iniquidade fiscal encoberta.

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  12. Suzana: «Caro Diogo, tenho estado a ver a série "Mundo sem fim" que é viciante, de vez em quando volta a barbárie, só a sofisticação dos meios é que muda.»


    É a única lição que tira disto tudo? Sempre foi assim e há-de ser sempre assim. E contra isso, batatas?

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  13. Caro Diogo, interesso-me muito por política, respeito muito quem se envolve activamente na política e estou muito longe de considerar que nunca se adianta nada e que são todos iguais. Não acredito em fatalidades, embora às vezes seja muito difícil contrariar o curso das coisas. Portanto, não é "batatas", mas o comentário a que respondi punha-nos perante um cenário sem solução, ou não?

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