De orçamento em orçamento, nada de essencial da estrutura do Estado se alterou:
continuam as mesmas estruturas sobrepostas que produzem o estado paralelo, as
mesmas fundações parasitas, os mesmos observatórios burocráticos, a mesma
investigação sem conteúdo, os mesmos conselhos de opinião, as mesmas empresas,
públicas ou municipais, degradadas ou inúteis, a mesma burocracia paralisante e ao serviço de
nada. Manteve-se uma camada dirigente, tantas vezes de cariz partidário, que separa o Governo das estruturas superiores da
Administração Central, uma verdadeira “administração paralela” acima dos
serviços da Administração Pública, tudo resultando em ineficiências,
duplicações e contradições, desmoralização e falta de rumo.
Por
isso, as dificuldades com o Orçamento. É que não há saneamento financeiro durável
se a estrutura económica que lhe deu origem se mantiver. O princípio é tão
válido nas empresas como nos Estados. Porque se a estrutura não se altera,
terminado o esforço ou o apoio financeiro, tudo volta ao ponto de partida. É o que acontece em Portugal.
Os objectivos financeiros vêm sendo penosamente
atingidos, se é que o são, por cortes horizontais nos salários, nos subsídios
de férias e de natal e nas pensões, e no aumento
brutal dos impostos, muitas vezes travestidos em taxas de solidariedade, taxas
adicionais, etc, etc. E todas estas
medidas apresentadas com carácter de provisórias!...O que significa que, eliminadas que fossem,
tudo voltaria à primeira forma, tornando novamente a finanças públicas insustentáveis. Para além da demagogia, a incerteza reinante quanto à
intensidade e duração dos cortes retrai o consumo e o investimento, e degrada a
economia. Ora os mercados, melhor, os investidores, não são
irracionais. E, sabendo que nada tendo mudado de essencial nas funções e estrutura
da administração pública e que, assim, os défices imporão avultadas
necessidades de financiamento, não se mostrarão por certo muito dispostos a
optar por Portugal, quando têm à mão alternativas de bem menor risco e adequada
rentabilidade. Por isso, é claro que um programa cautelar de
apoio é necessário e negá-lo mais uma atitude mentirosa e demagógica. E necessário será enquanto não se resolver o essencial, que é redefinir funções do estado compatíveis com os recursos gerados pela economia e reestruturar em conformidade a administração pública. E, naturalmente, reestruturar os prazos da dívida de acordo com
a geração de recursos a ela afectáveis. Isto é, torna-se urgente colocar a
economia antes das finanças. E aí, neste ponto fundamental, o governo fracassou por completo. Trata-se, contudo, de uma tarefa que, devido ao egoísta
jogo partidário, só poderá ser concretizada com uma coligação patriótica de
esforços, no governo, dos maiores partidos portugueses. Talvez da união de ambos
possam surgir ânimo e estadistas que conduzam Portugal por caminhos sérios e de
verdade. Oxalá o expectável exemplo
alemão possa ter frutos em Portugal. Sem isso, mais do que o fracasso de um
governo, é o fracasso do país.
Caro Pinho cardão,
ResponderEliminarConcordo plenamente consigo. Não tenho é a mesma fé quando advoga "uma coligação patriótica de esforços, no governo, dos maiores partidos portugueses". Com a liderança atual dos dois maiores partidos acho isso uma tarefa impossível. Eles não têm competência, dimensão ou sequer vontade para tamanha tarefa.
Excelente, António.
ResponderEliminarSubscrevo.
Tem apenas um problema, aliás dois.
Primeiro, leva tempo, e o pós-troica está aí ao virar da esquina.
Segundo, eles não querem ou não sabem fazer o que deve ser feito.
O Presidente da República tem a obrigação constitucional de intervir nestas situações. O regime semi-presidencialista, uma designação cunhada por Maurice Duverger, só tem base de sustentação suficiente se o PR assumir um papel mais activo em situações de crise política. Vd.
Échec au roi.
E só por reacção negativa instintiva se pode negar que Portugal não vive, pelo menos desde a posse do segundo governo de Sócrates, em situação de crise política, agravada pela crise financeira que em 2008 colocou a descoberto as nossas vulnerabilidades económicas crónicas.
Lamento dize-lo, mas o PR tornou-se corresponsável pela situação a que o país chegou. Nem sequer,
alguma vez, o ouvimos referir as anomalias que tu aqui denuncias.
Também ele, se recusa a por as mãos na batata quente.
Caro Pinho Cardão, desta vez o meu comentário é de concordância com o comentador Carlos Sério. A badalada reforma do Estado não terá lugar seja com que governo for, mesmo PS e PSD coligados. Primeiro porque duvido que mesmo coligados queiram (um governo de coligação PS-PSD causa-me calafrios) e em segundo lugar que haja nos partidos quem saiba sequer por onde começar e tenha força para aceitar ser zurzido, insultado e pior por aquilo a que Medina Carreira chamou o "Partido do Estado". Sobre o saber, até o PSD está a seguir claramente o rumo que o PS tinha trilhado há vários anos de ter como figuras cimeiras gente que nunca teve uma profissão e está refém da política. No PS isto acontecia há muitos anos. No PSD está a acontecer agora. Ora com farinha fraca e laranjas fracas não é possivel fazer um delicioso bolo de laranja.
ResponderEliminarPor tudo o que diz, e que subscrevo, é que este governo e os partidos que o suportam constituem contribuem para a desacreditação total com que olhamos a "classe política". Mentiram ao eleitorado e, chegados ao poder, rasgam os compromissos eleitorais que com aquele celebraram, traindo-os. Só isso explica que, não obstante o ex-PM José Sócrates tenha levado o país à situação de resgate,se comece a instalar a ideia de que seria mais competente a conduzir o processo de ajustamento do que os actuais PM e vice-PM. Se o PSD e o CDS continuarem neste rumo, e nada indica que vão mudar, nem a tentativa em curso de culpabilizarem o TC por um 2.º resgate, depois de formularem intencionalmente uma proposta de OE com normas que muitas pessoas consideram inconstitucionais, os salvará no futuro. As pessoas estão cansadas de serem traídas e de terem dirigentes partidários como o João Almeida do CDS que, no último Prós e Contras, mostrou a essência de que é feito: mente ao eleitorado, pq se dissesse a verdade não seria eleito, não se faz a reforma do Estado por mera incompetência e vontade de manter o stato quo (se durante 20 anos nenhum governo a fez, não se pode pedir que este governo a faça; as "gorduras do Estado" revelaram-se uma coisa abstracta). Ah, aproveito para registar que o CDS/PP cortou estas e outras passagens "brilhantes" deste deputado do video que editou, através do VIMEO, do último programa Prós e Contras! Viva a democracia e a transparência!
ResponderEliminarCuriosamente, caro Pinho Cardão, tivemos hoje na Antena 1 a revelação que José Sócrates propôs a Passos Coelho, aquando do PEC 4 (que Passos jurou desconhecer) um coligação com o PSD, em Passos seria vice-PM e que se candidataria sozinho, sem a concorrencia de Sócrates, nas legislativas.
ResponderEliminarAté agora ainda não vi uma unica reacção do PSD...
O que respondeu o seu PSD a Passos, pela voz do seu líder na sombra, Marco António Costa? Ou há eleições no país, ou há no PSD. O que fez o PSD então pelo país? O que fizeram esse partido que representa o Portugal profundo e que agora em silência, em muito silêncio, protesta???
Por acaso estou a achar deliciosos os episódios que este Sócrates "descontraído" tem vindo a contar: tantas carecas laranjas descobertas em só 4 ou 5 dias!
Caro dr. Pinho Cardão,
ResponderEliminarJá há bastante tempo - em rigor, desde que foi conhecido o primeiro "Documento de Estratégia Orçamental", em Agosto de 2011, onde não se conseguia descortinar estratégia alguma - que não creio ser possível, no quadro constitucional existente, uma redefinição das funções de estado que vá além de um mero exercício de cosmética, mesmo sob uma situação de “emergência nacional” como aquela em que nos encontramos. E nos poucos casos onde o Governo teria margem de decisão autónoma, ele não mostrou ter a vontade política necessária. Os casos da TAP e demais empresas do sector dos transportes e especialmente da RTP, são, a esse título, paradigmáticos.
À semelhança do que sucedeu nas duas anteriores situações de pré-bancarrota do estado português, voltámos a assistir a um espantoso ajustamento por parte do sector privado e uma incapacidade, igualmente espantosa, para domar o monstro estatal.
Temo que venhamos a enfrentar, num futuro talvez não muito distante, as consequências, muito provavelmente trágicas, dessa incapacidade.
Na sociedade portuguesa existem dois entendimentos quanto à reforma do estado. Aqueles, para quem a reforma do estado seria a eliminação de todos os órgãos parasitários do estado, as verdadeiras gorduras do estado, mantendo e melhorando as suas actuais as funções sociais e aqueles que advogam a redução ao mínimo possível das funções sociais do estado, privatizando o património do estado e iniciando a privatização da Saúde, Educação e Protecção Social.
ResponderEliminarEu diria, com toda a propriedade, que é neste digladiar das duas posições que se manifesta hoje com todo o esplendor a “luta de classes”. Uma classe que vive dos rendimentos do seu trabalho, empobrecendo com os cortes com que tem sido atingida, que beneficia do estado social e uma outra de altos rendimentos, que nunca precisou do estado social (seus filhos sempre frequentaram colégios privados e sempre usaram hospitais privados e não necessitam de qualquer protecção social dada a sua vasta riqueza) e portanto para quê pagar para ele. Na verdade, o que realmente está em jogo é a transferência de rendimentos dos mais pobres para os mais ricos, o aumento da desigualdade social, neste guião para o estado mínimo a apresentar pelo governo.
"coligação patriótica"; seria possível se houvesse Pátria comum...mas não há! os interesses partidários e outros, sobrepõem-se-lhes.
ResponderEliminarGoverno de unidade nacional de iniciativa Presidencial para reformar o Estado cortando a direito, isso sim...mas, infelizmente, não temos homem para isso!
Dr. Pinho Cardão
ResponderEliminarEnquanto não repensarmos o Estado, o que queremos dele, que papel deve ter, como devem os serviços estar organizados e como devem ser geridos, que recursos são necessários, etc. vamos continuar focados em fazer cortes cegos e em aumentar os impostos. Estamos, sim, a tratar mal o Estado. Olhemos, por exemplo, para a segurança social. A ruptura financeira vai acentuar-se, haverá mais cortes para ir gerindo a tesouraria. A arbitrariedade política aumentará, o sistema que é contributivo está ser descaracterizado. Para onde vamos? Não se discute, vai-se gerindo o dia a dia. Não é solução, estamos agravar o problema.
Exmo Senhor Dr. Pinho Cardão
ResponderEliminarO conteudo do seu artigo já tem sido aqui aflorado várias vezes mas nunca com tanta profundidade e clareza.
Já aqui dissemos que existe um “buraco” anual com as contas do Estado na ordem dos três a quatro mil milhões de euros, cuja causa está naquilo que muito bem V.Exa descreve no seu artigo. Só para dar uma ideia, segundo o jornalI, “a despesa do Estado derrapa 857 milhões de euros entre Maio e Outubro” ! Qual não será o resultado durante um ano ? E isto é só uma pequena amostra. Então qual será a solução? A solução é pagarmos, de facto, a crise, mas todos e não só alguns, como o Governo com a sua propaganda teima em fazer, para que os sacrifícios sejam menos violentos para todos.
Aceite os meus mais cordiais cumprimentos.
Caro Carlos Sério:
ResponderEliminarDe facto, uma coisa que não lhes faltou foi tempo de sobejo para o fazerem. Falta de sentido de estado, isso sim. Mas a esperança (nestes ou noutros...) é a última coisa a morrer.
Caro Rui:
Também eu gostava de um PR mais interveniente, mais ousado, mais persistente na boa iniciativa que teve há meses de dinamizar um diálogo que queria consequente. Mas tem, porventura, uma visão minimalista das suas funções.
Caro Zuricher:
Pois temo que, pelos factos que aponta, possa ter razão. Mas eu ainda não quero pensar assim.
Cara Isabel Costa:
Pois, lamentavelmente, pouco se alterou desde o tempo das promessas do bacalhau a pataco. Infelizmente!...
Caro Carlos Monteiro:
Pois tenho muita pena que a RDP não tivesse revelado isso na altura, para todos saberem. E que Sócrates também só se tivesse lembrado agora de o fazer...
Caro Eduardo Freitas:
ResponderEliminarDe facto, o sector privado, que não pode cobrar impostos, antes é chamado a pagá-los, e cada vez maiores, tem que se adaptar para sobreviver.
O Estado, porque pode cobrar impostos,explora a situação até ao infinito. Os políticos funcionalizaram-se, ou muitos sempre foram funcionários, pelo que, em vez de defenderem os cidadãos que os elegem, defendem o Estado anacrónico que os faz viver.
Caro António Barreto:
Como já anteriormente referi, é preciso ter esperança.
Cara Margarida:
Pois tem toda a razão. Ninguém pára para pensar. Estão todos condicionados pelas televisões, que é para quem parecem governar.
Caro António Rodrigues:
Pois tem toda a razão. E obrigado pelo seu comentário.
Caro Pinho Cardão,
ResponderEliminarPassos e o PSD sabiam, e recusaram, é tudo o que interessa.
Já ouvi outras versões deste tipo começando com o "há mais vida além do défice".
ResponderEliminarInfelizmente, a nossa estrutura produtiva não se aguenta se o Estado não estiver saudável (e se tiver défice). Daí que é preciso trabalhar as finanças, para colocar o Estado no "seu" lugar e na sua dimensão correta (o que parece ser difícil ou quase impossível) para poder libertar a economia das taxas e impostos que a pesam.
O maior erro de todos - já se experimentou e já conhecemos os resultados - é gastar ainda mais, muito e emprestado - para (artifialmente) mostrar "crescimento" de décimas que só vale duas vezes: hoje, para dar alguns foguetes e amanhã, para chorar quando vier a conta a pagar...
Formiga ou Cigarra. Ou algo que terá de ser muito inteligente lá pelo meio...
Caro Carlos Monteiro.
ResponderEliminarEu em si acreditaria. Mas quem é que lhe disse?
Nós, portugueses, adoramos mistérios, o mistério das conversas cruzadas, o mistério da reforma do estado...
ResponderEliminarCaro Pinho Cardão, isso de os mercados estarem muito atentos às funções e estrutura do Estado em Portugal parece-me uma imagem muito personalizada desses tais mercados, quem devia preocupar-se com que funções e com que estrutura adequada somos nós, imagino que a "eles" tanto lhes faça, desde que as contas batam certas!
ResponderEliminar