O
aumento da idade de reforma e o factor de sustentabilidade são assuntos que
estão hoje em apreciação na Concertação Social. Trata-se de matéria muito delicada. Por ter um impacto significativo nas pensões, na vida das pessoas e
das famílias e na economia e no mercado de trabalho proponho-me dedicar-lhe
alguma atenção.
- O
aumento da idade de reforma para os 66 anos entrou no espaço público com a 7ª
avaliação da Troika, em Maio, portanto. Mas rapidamente morreu para ressuscitar
recentemente, ao final de cinco meses, com o OE para 2014. Um assunto que tem
dado, curiosamente, pouco que falar, embora sobre o mesmo haja muito para dizer.
- Na
proposta do OE para 2014 é dito que a partir de 2014 a regulamentação referente
às condições de atribuição e acesso à pensão de velhice será alterada em dois
pontos fundamentais: alteração do factor de sustentabilidade - o ano de
referência inicial da esperança média de vida aos 65 anos até agora 2006
passará para 2000, o que provocará um aumento das penalizações – e alteração da
idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor (65 anos) por indexação do
factor de sustentabilidade. Trata-se de uma formulação complexa, de difícil
adivinhação.
- A
semana passada o governo aprovou uma proposta de lei para alterar a Lei de
Bases da Segurança Social de modo que fique previsto que o ano de referência da
esperança média de vida aos 65 anos seja alterado sempre que a situação
demográfica e a sustentabilidade das pensões o exija. Trata-se de uma
formulação diferente daquela que consta na proposta do OE.
Vejamos,
primeiro, como funciona o factor de sustentabilidade e qual a sua relação com a
idade legal de reforma:
1. O factor de sustentabilidade - introduzido em 2007 -
liga o valor da pensão à esperança de vida e todos os anos dita reduções no
valor das novas reformas. Trata-se de neutralizar financeiramente o custo que
advém de mais anos de pensões a pagar em consequência do aumento de mais anos
de vida. Para este efeito, foi fixada como referência da esperança média de
vida aos 65 anos o ano de 2006. Em 2006 a esperança média de vida aos 65 anos
foi calculada em 17,94 anos, enquanto em 2012 ascendia a 18,84 anos. Este ganho
– 0,94 anos – estabeleceu em 2013 - para uma carreira completa aos 65 anos -
uma penalização de 4,78% no valor da pensão, o equivalente a trabalhar mais
cinco meses. Ou seja, em 2013 a idade de reforma implícita é 65 anos e cinco
meses.
2. A medida foi acompanhada da possibilidade de os
trabalhadores optarem por trabalhar mais tempo, adiando a idade de reforma, de
modo a não sofrerem a penalização.
3. Apesar de a idade legal de reforma estar fixada em 65
anos, o facto de a esperança média de vida estar a crescer significa que a
idade implícita de reforma está a subir. Ou seja, temos uma idade de reforma
móvel. Os trabalhadores que se quiserem reformar aos 65 anos sofrem uma
penalização no valor da pensão, a alternativa é trabalharem mais tempo.
4. Como se vê, a mecânica do factor de sustentabilidade
permite ir ajustando a idade de reforma em função da esperança média de vida
aos 65 anos. Esta mecânica tem a vantagem de introduzir flexibilidade na
decisão de reforma e ao mesmo tempo flexibilidade no mercado de trabalho.
A
pouco mais de dois meses do final do ano, os trabalhadores que reúnem condições
para passar à reforma em 2014 não sabem com o que podem contar, os que puderem
reformar-se em 2013, ainda que com penalização no valor da pensão, ainda o
podem fazer. Os trabalhadores que estão em situação de pré-reforma e os
que estão em situação de desemprego de longa duração a aguardar pelos 65
anos não sabem o que lhes vai acontecer.
A
leitura das propostas do governo deixa no ar dúvidas sobre a nova fórmula do
factor de sustentabilidade e como é que esta se vai articular com o aumento da
idade de reforma para os 66 anos.
Destaco dois pontos de entre as alterações
que o governo quer aprovar:
1. A alteração da fórmula do factor de sustentabilidade,
recuando o ano de referência da esperança média de vida aos 65 anos de 2006
para 2000.
A
substituição de 2006 por 2000 conduzirá a um agravamento significativo do valor
das penalizações. Segundo o OE para 2014, esta mudança levará que em 2014 um
trabalhador - para uma carreira completa aos 65 anos - sofra uma penalização de
12% no valor da pensão, o equivalente a doze meses de trabalho. A manter-se
2006 como referência, a penalização deveria situar-se à volta de 6%. E porquê
recuar a 2000? Porque não recuar a 1995, 1998 ou 2002? Quanto mais se recuar no
ano que serve de base de referência para calcular os ganhos de esperança média
de vida aos 65 anos, maior é a penalização ou o tempo de trabalho
compensatório. Mas se a idade de reforma vai passar para os 66 anos, porquê
continuar a fazer contas com referência a 65 anos?
2. A introdução da norma segundo a qual o ano de
referência da esperança média de vida aos 65 anos do factor de sustentabilidade
seja alterado sempre que a situação demográfica e a sustentabilidade das
pensões o exija.
Esta
medida transforma o factor de sustentabilidade - é um factor técnico que actua
tendo em conta tendências da evolução da esperança média de vida
- numa ferramenta de corte, introduzindo um nível de
discricionariedade política que prejudica a estabilidade e a confiança no
sistema de pensões, gerando inclusive iniquidades geracionais em desfavor das
gerações mais novas.
Concordarão que se trata de um assunto a necessitar de descodificação e que requer uma decisão muito ponderada...
´R preciso descodificar. Fica-me a opinião que a medida tem que ser ainda apurada
ResponderEliminarA esperança média de vida a aumentar é um facto que me custa a acreditar, tendo em conta que nos últimos 5 anos, já vi morrer com cancro, 7 pessoas das minhas relações, entre familiares e amigos, entre os 40 e os 55 anos. Actualmente tenho um irmão com 62 anos, ao qual em Abril, deram-lhe um ano de vida porque lhe foi detectado um sarcoma. Eu própria continuo em vigilância porque tive um cancro em 2009. A "amostragem" da minha realidade próxima, é que cada vez se morre mais cedo.
ResponderEliminarExma. Srª. Aqui fica o meu agradecimento por ter respondido à minha questão.
ResponderEliminarPonto 2 do seu texto sobre CES e a uniformização do cálculo da pensões da CGA.
Está bem claro.
Cumprimentos
BH
Margarida, uma vez mais vem aquí ajudar-nos a deslindar este puzzle cada vez mais complexo, muito obrigada. Mas fica-me uma dúvida, se a idade da reforma sobre para os 66 anos o actual factor de sustentabilidade devia diminuir, uma vez que se está a encurtar o número de anos a receber a reforma face à expectativa estatística de vida, ou não? Será que a ideia de "manipular" o f.s. fazendo-o recuar a 2000 é a de neutralizar essa vantagem, ou seja, faz-se desaparecer o ganho que se teria com mais um ano de trabalho?
ResponderEliminarObrigado, Margarida, pela partilha. Matéria complexa, as suas reflexões permitem compreender bem melhor o que o discurso político setorial torna muitas vezes opaco.
ResponderEliminarCaro Luis Moreira
ResponderEliminarO ministro da segurança social pouco ou nada esclareceu, permanecem as dúvidas sobre o alcance e a concretização das propostas e soluções apresentadas pelo governo nos vários documentos. À saída da Concertação Social, o ministro esclareceu que em 2014 a idade legal de reforma passa para 66 anos, mas que não haverá qualquer outra penalização. Parece que teremos um tratamento discriminatório entre funcionários públicos e trabalhadores do sector privado: os primeiros podem reformar-se antes dos 66 anos com penalização (afinal sempre existe, qual é não foi esclarecido) e os segundos terão que esperar por 2015.
Cara Fenix
Lamento o que nos diz, em especial saber de tanto sofrimento. É muito triste, eu sei. Há muitas pessoas novas que partem muito cedo por causa de uma doença tão má.
Conhecemos à nossa volta muitos casos. Mas a realidade global, segundo as tábuas de mortalidade, aponta para mais esperança média de vida para a maioria da população.
Caro opjj
Disponha sempre.
Suzana
É um puzzle desnecessariamente complexo. Depois do dia ontem – as expectativas eram altas para alguns, tipo “dia D” - ficou praticamente tudo por esclarecer. Segundo entendi haverá um "apagão" de reformas em 2014. Antes dos 66 anos nada feito para os trabalhadores do sector privado, para os funcionários públicos a reforma antecipada parece que vai continuar a ser possível, só não se ficou a saber com que penalização. Para depois de 2014 a espera de uma clarificação mantém-se.
Quanto à sua questão, bem pertinente, é verdade que aumentando a idade de reforma em um ano o sistema ganha um ano de contribuições e poupa um ano em pensões, pelo que há um ganho. Recuar o factor de sustentabilidade a 2000 ou qualquer outra data anterior a 2006terá por objectivo - mas continua por esclarecer - agravar justamente as penalizações nos casos de antecipação de reforma. Não diria que se trata de uma compensação, trata-se de um expediente para ir buscar mais dinheiro.
José Mário
Há, com efeito, uma grande opacidade. Num assunto tão delicado que interessa a todos, a opacidade só complica, a confiança no sistema de pensões está a pique e não é justo que as pessoas não saibam com o que podem contar, não possam programar as suas vidas.
Não me lembro de nenhum país europeu em que o aumento da idade de reforma tenha sido feito tipo "guilhotina" (estamos a pouco mais de dois meses de 2014), sem a implementação de um regime de transição. Veja-se, por exemplo, a Alemanha.