sexta-feira, 22 de novembro de 2013

"Três mulheres"...

Não era dia de consulta clínica, mas, mesmo assim, pediram-me se as podia ver. Claro, disse sem hesitar, se pediram é porque precisam. A primeira entrou com um olhar confuso, lento, sem expressão facial, revelando respeito, inquietação e humildade. Pediu-me educadamente se podia sentar-se, algo pouco habitual, e que interpretei, além de um sinal de educação, como um pedido de ajuda antecipado. Estava em sofrimento psíquico. Não conseguia estar no seu local de trabalho. Deixei-a falar, incentivando-a com um silêncio em que pontuavam apenas os meus olhos. Depois confirmei a minha primeira impressão. A sua ferida crónica, depressão de muitos anos, foi aberta por um episódio em que uma pessoa a enganou. Agora tem de repor a verba. Uma quantia razoável para quem ganha pouco. Mas não é só a quantia que está em causa, o ato dessa pessoa, premeditado, revela a ausência de escrúpulos e falta de honestidade. Sentiu-se roubada e humilhada na sua dupla condição de ser humano e de funcionária de uma instituição. Fiz o que tinha que fazer e libertei-a temporariamente do ambiente que a marcou. Estou certo de que irá recuperar em breve. A segunda mulher entrou com um quadro sintomático atípico, que sugeria alguma ansiedade. Nestas circunstâncias os doentes valorizam muito os seus sintomas como sendo a tradução de algo muito grave. Mandam as regras que não se desvalorize o que quer que seja e muito menos comentar que a situação se deve aos "nervos". O exame foi realizado e, no final, à queima-roupa, perguntei-lhe o que estava a acontecer em termos de vida pessoal. Como não estava à espera desta minha deriva, fixou-me os olhos e contou-me o sofrimento da sua mãe, ainda nova, com uma doença mental degenerativa muito grave e que a consumiu durante muitos anos. Agora está hospitalizada, mas entrou no momento em que o sofrimento acumulado começa a fazer das suas. Conversámos, expliquei-lhe as razões deste fenómeno, espécie de "ressaca tardia", mediquei-a e, sobretudo, aliviei-a das suas preocupações de saúde física. A terceira entrou, também, com um quadro clínico atípico, a sugerir problemas emocionais. Estava muito preocupada, mas depois de ser interrogada e examinada, disparei à queima-roupa, o que é que lhe tinha acontecido recentemente e que lhe provocou sofrimento da alma. Ficou com os olhos pendurados no vazio a procurar algo, até que me respondeu, o meu pai morreu há pouco tempo. - De quê? A senhora passou a descrever todo um drama e um calvário difícil de descrever. Deixei-a falar. Eu também falei e expliquei-lhe o que é que estava a acontecer. Saiu calma. 
Três mulheres, três sofredoras, aflitas, cada uma à sua maneira. Doentes da alma à procura de ajuda para os seus tormentos. Saíram mais confortadas, os corpos estavam bem, e passaram, também, a compreender melhor as causas das dores da alma, umas vezes motivadas pela falta de escrúpulos de alguns, ou, então, pela perda dos seus e pelo sofrimento irreversível e humilhante de quem mais adoram e amam.

6 comentários:

  1. Anónimo21:20

    Um post que me tocou. Muito. Obrigado, Professor.

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  2. Parabéns, Dr. Salvador Massano Cardoso, pelos bons resultados da sua terapia psicológica nas suas pacientes. Mas isto vem a propósito de quê?

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  3. A propósito de quê? Da vida! Não acha que é suficiente? Para mim é. Para si, Diogo, não sei, mas também não pensei em "si", tenho que confessar. Contei apenas uma história, uma história em que vi três seres humanos, nunca sequência pouco habitual, que sofrem, que vivem num país que as faz sofrer, que precisam de ajuda. Mas será que escrever num blog exige previamente uma "justificação"? Sou livre de escrever o que me apetece, e estou convencido de que há pessoas que devem gostar de as ler, por muitos motivos. Quanto a si, tem uma vantagem, pode lê-las, pode ignorá-las, pode rir-se à vontade, pode fazer os comentários que entender, mas fique com o seguinte: não é para si que escrevo.

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  4. Tem toda a razão Dr. Massano. Eu é que vinha direccionado num certo sentido pelos posts anteriores. Mea culpa.

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  5. Gosto de ler o que escreve, caro Prof.!
    Abraço

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