O almoço do domingo está a transformar-se num ritual sacralizado. O lugar parece ser um templo pagão em que a necessidade de satisfazer o estômago sucede ou precede qualquer tipo de culto de alma.
Sentei-me numa das habituais mesas, de preferência a um canto a partir do qual consigo ver tudo e ouvir conversas interessantes. Logo de entrada, e enquanto estava a encomendar, nem sei para quê, a rotina já é conhecida dos donos, a vizinha da frente atende o telemóvel. Numa voz mais do que alta, mais típica de quem grita do alto de um outeiro, responde: - Sou eu, sim. Estou em Portugal! Há pouco não atendi, porque estava no meio da missa. Fiquei a saber que estava em Portugal. O dono do estabelecimento, baixinho, explicou-me que ela e o marido tinham acabado de chegar de França. - Ah, pois! Compreendo perfeitamente. Não liguei mais à conversa, só fiquei na dúvida se o seu aparelho terá "gritado" ou não no meio do ato litúrgico. Pelo andar da carruagem presumo que terá ficado indiferente, e entre um pai-nosso ou uma ave-maria, e quem sabe se uma palavra mais vicentina entre-dentes, deverá ter continuado na sua devoção.
Entretanto, estava a começar a comer a habitual canja, quando na televisão, com imagens a preto e branco, devido ao sucesso da implantação da TDT, o locutor descrevia o funeral de Mandela. Os meus parceiros da mesa ao lado pararam de comer por brevíssimos instantes, até que um deles rematou: - Só agora? Já morreu há tantos dias! O que estava a seu lado comentou ato contínuo: - Foi para terem tempo para lhe tirar os órgãos! - Ah! Talvez. Disse o primeiro, enquanto mergulhava com denodo na apetitosa chanfana. O "francês" irrompeu do seu silêncio e, com uma sabedoria transnacional, pôs-se a divagar sobre a figura sul-africana, explicando as razões do funeral, à medida de sonoros arrotos.
As conversas continuavam, cruzadas, como convém nestas circunstâncias, em que se fala de mesa para mesa, mesmo para a mais distante. Na parte final, restavam cinco pessoas, eu e a minha mulher e três homens, dois já com alguma idade e um mais novo. Um dos velhotes, a propósito de uma pessoa que veio à baila, intrometeu-se e contou a história de uma letra que teve de pagar por causa dele. Tinha ficado como fiador e por falta de cumprimento do pagamento ficou a arder. - Esse sacana lixou-me bem lixado. Tive que pagar e até hoje nem um escudo me pagou. A partir daí nunca mais emprestei dinheiro a ninguém. A tristeza era evidente e emborcou um valente copo de vinho, talvez para molhar a boca seca de raiva. O outro velhote, que estava na mesa ao lado acompanhado de um jovem, começou, com uma lentidão surpreendente, olhando para o teto, como se estivesse a soletrar: - Eu também tenho uma boa sementeira por aí. Dez, vinte, trinta, quarenta. De repente acelerou e num tom de voz mais alto: - Cento e cinquenta euros! Aquele filho da puta, e enunciou de imediato o seu nome, deve-me cento e cinquenta euros desde o ano passado. Cabrão. Se um dia destes o apanhar a jeito encosto-lhe o trator, ai encosto, encosto. O velho camponês, do outro lado, numa voz monocórdica e disártrica, recomendou-lhe para não fazer isso, seria um disparate. Foi então que o mais novo se intrometeu e aconselhou que quando emprestasse dinheiro a alguém que o escrevesse numa folha de papel ou numa caderneta. - Vossemecê devia apontar numa folha ou numa caderneta, porque se não o fizer, já sabe o que acontece, passa um dia, passa a romaria. Em seguida foram denunciadas muitas pessoas, conhecidas pelas suas alcunhas, mais do que os seus nomes cristãos e o espaço encheu-se de histórias de caloteiros até dizer basta. O estabelecimento estava praticamente vazio e o facto de estar presente conjuntamente com a minha mulher não os incomodou ou intimidou. Já nos conhecem e consideram-nos como cúmplices silenciosos das conversas mais delicadas, em que abundam as queixas, as falcatruas, as vigarices e a eterna ausência de carácter que reinam por aquelas bandas. Não podemos esquecer que dez, vinte, quarenta e, sobretudo, cento e cinquenta euros são quantias apreciáveis para quem vive de pequenas reformas ou daquilo que conseguem ainda arrancar da terra.
À despedida saudámo-los. Os dois velhotes responderam, gentilmente, esboçando velhas e nobres vénias.
E isso é entre uns tostões, agora imagine quem lida com uns milhões. É IGUAl!
ResponderEliminarPara receber contas dos que não querem pagar, o melhor método é o do "encosta-o-trator", ou melhor dizendo, entala-los entre o trator e a parede. O cheiro do que pelas pernas abaixo irá escorrer pode ser desagradável, mas a dívida fica saldada.
ResponderEliminarImagine, agora, Dr. Massano, o que não dirão os milhões de velhotes, dos que estão na idade de se reformar e não podem (senão cortam-lhes metade do salário), nos que estão a trabalhar e a verem diminuídos os salários, a serem despedidos, etc., nos que andam à procura de um emprego digno – jovens com o 12ª, licenciados, mestrados, doutorados, etc?
ResponderEliminarTudo para que o Monopólio Bancário Internacional encha, até ao risco da congestão, a pança da riqueza produzida por este, e outros, países. Isto, com a cumplicidade de governantes, deputados, legisladores, comentadores, etc.
Não são necessários tratores. Basta encostar e cravar até ao punho uma simples faca…
Não preciso de imaginar. Vejo-os todos os dias, a toda a hora e converso com eles.
ResponderEliminarJá me esquecia, também andam alguns cá por casa...
ResponderEliminarA minha tese é a de que os «nossos governantes», a soldo de vigaristas financeiros internacionais, os lacaios rosas, criaram uma dívida imensa aos portugueses a juros usurários, e, agora, os lacaios laranjas e azuis, também a soldo dos mesmos, tudo fazem para que a dívida (a 6%) aos vigaristas seja paga, mesmo que o país seja destruído.
ResponderEliminarDonde, Dr. Massano, eu, e um número crescente de portugueses, acredita que existe aqui um crime de Alta-Traição. Contra Portugal e contra os portugueses.
E como a “justiça”, que devia tratar destas coisas, tudo faz para que a vigarice não sofra dissabores, são cada vez mais os portugueses que defendem que terão de ser os cidadãos a fazer justiça pelas suas próprias mãos. E é essa também a minha opinião.
Prefiro ver uma centena de ladrões enforcados do que uma criança a chorar com fome…