Ontem,
Março 20, 2014, fui orador convidado no Fórum de Políticas Públicas organizado
pelo ISCTE, tendo proferido a minha intervenção no Painel “Reformas e Impactos Macro
económicos”, que decorreu entre as 15h e as 17:30h, na companhia de António
Lobo Xavier e Emanuel Santos, e moderação de Luís Ferreira Lopes da SIC.
Passados alguns minutos da minha
intervenção, o Jornal de Negócios, onde sou colunista, publicava no seu site uma peça intitulada “Miguel
Frasquilho: Se Portugal não tiver ajuda dos credores não vai conseguir pagar a
dívida”.
Sucede que esta expressão no título, certamente construída para ser bombástica ou sensacionalista (colar um Deputado do PSD ao Manifesto
dos 74 sobre a Reestruturação da Dívida?) não se encontra em nenhuma citação
ao logo da peça. Por um motivo simples: eu não a referi (se o
tivesse feito, ela não deixaria de aparecer, e entre aspas, como citação). De
facto, aquilo que eu disse sobre o assunto encontra-se entre aspas, e é como
segue:
Miguel
Frasquilho considera que mesmo que Portugal faça "tudo certinho" isso
não chegará para pagar a dívida. O deputado do PSD defende a necessidade de
"uma ajuda dos credores".
"Precisamos de condições para
pagar a nossa dívida", defendeu Miguel Frasquilho no Fórum das Políticas Públicas,
acrescentando que o cenário traçado pela Troika para a evolução da dívida
pública está "para lá de optimista".
Sobre o
sucedido, quero esclarecer o seguinte:
1. Reconheço, evidentemente, as
citações que me são atribuídas sobre o assunto. Elas foram por mim proferidas depois
de ter apresentado quatro cenários sobre a evolução da dívida pública no futuro
(projecção pessimista, projecção central – com números muito próximos dos que o
Primeiro-Ministro apresentou num colóquio na semana passada –, projecção optimista,
e projecção da Troika), sendo que todos eles apontavam para a sustentabilidade
da dívida. E, como já em tantas ocasiões nos dois últimos anos proferi, e
escrevi (inclusive no meu livro “As
Raízes do Mal, a Troika e o Futuro”, publicado em Maio de 2013),
complementei esta analise concluindo que Portugal precisará, no futuro, da
ajuda dos parceiros europeus – como, de resto, já sucedeu quer em 2011 e 2013
(na extensão de maturidades e na redução dos juros), quer em 2012 e 2013, com
mais tempo para cumprir o ajustamento orçamental (que foi concedido aos soluços
pela Troika, e não de uma só vez, como eu defendi, em Julho de 2012, que devia
ter acontecido, e nos poderia provavelmente ter poupado, por exemplo, o “enorme
aumento de impostos” – nas palavras do Ministro das Finanças à altura, Vítor
Gaspar – de 2013). Penso que poderemos dispor, no futuro de novas ajudas deste
género – aliás, no mesmo dia em que eu falava, soube-se que o método de cálculo
do saldo orçamental estrutural, indicador de referencia do Tratado Orçamental
Europeu, irá ser alterado, por decisão dos Governos da UE em Bruxelas, de molde
a permitir o cumprimento daquele indicador com uma menor dose de austeridade.
Aí está uma “ajuda” que saúdo – e que, estou certo, será sucedida por outras,
que beneficiarão não só Portugal mas todos os países da UE (e, como tal, a
Europa e o projecto europeu).
2. Contudo, o título, que não se
encontra entre aspas, é manifestamente abusivo, sendo da total responsabilidade
da jornalista destacada para o efeito e visou criar uma notícia sensacionalista,
como atrás já referi. Porque tudo o que eu defendi na referida conferência, já
anteriormente o tinha feito. E, no artigo publicado na última terça-feira,
precisamente no Jornal de Negócios, e intitulado “A Questão da Dívida”, eu criticava o Manifesto dos 74 – do qual
discordo totalmente – quer no timing,
quer no conteúdo, e assumia, na parte final do texto, que os nossos parceiros
europeus acabarão por nos conceder – e a outros países europeus endividados –
condições mais favoráveis para que a questão da dívida possa ser
convenientemente contornada no espaço europeu. Não deixa, aliás, de ser
sintomático que, ao contrário do título sobre a minha intervenção, nos títulos
das peças sobre as intervenções dos meus companheiros de painel, António Lobo
Xavier e Emanuel Santos, lá estão as aspas para indicar o que foi por eles
proferido...
3. Esta é, pois, a segunda vez
em menos de um mês em que sou confrontado com um título de uma peça jornalística
que não retrata a notícia que a seguir é dada, nem as citações que me são
atribuídas e que eu, realmente, proferi. Recordo que no dia 26 de Fevereiro, um
take da Agência Lusa tinha como
título “PSD prefere Programa Cautelar,
por prudência”, depois de declarações minhas em nome do PSD em que as
palavras “preferência” ou “prefere” nunca foram usadas. A expressão que
utilizei, toda no condicional, foi "O que transmitimos à troika é que, caso as
condições sejam favoráveis, um programa cautelar nos pareceria mais prudente
tendo em conta, por exemplo, que os juros da dívida pública portuguesa a dez
anos se encontram ainda nesta altura acima do que a Irlanda registava quando
saiu do programa". Ou seja, se as condições não fossem favoráveis,
outro tipo de saída poderia ser mais prudente. Nunca preferida.
4. Tratou-se,
pois, ontem, de mais um mau trabalho de jornalismo. Aliás, depois de publicada
a primeira peça, e apesar de eu ter comentado, em intervenções posteriores no
mesmo painel, essa mesma peça (refutando-a), a mesma jornalista nem mais uma
linha escreveu sobre o assunto, tendo preferido focar-se noutras minhas
declarações. Lamentavelmente.
5. Nestas minhas
palavras, que apenas a mim me comprometem (não estava a representar o PSD, ao
contrário do que tinha sucedido com o episódio da Lusa), mantenho tudo o que
disse. Não apenas ontem, mas no artigo de terça-feira, há umas semanas, há
meses, durante os últimos dois anos. Mas, sinceramente, começo a estar cansado
de determinado tipo de jornalismo. Que não pretende informar – antes desinformar.
Pois se as citações do que eu disse estão correctas, por que carga de água
terão querido os jornalistas em questão (e, no caso de ontem, a jornalista em
questão) ser “mais papistas que o Papa”, fazer as suas próprias interpretações,
tirar as suas próprias conclusões – e construir títulos que são enganosos e não
reflectem o que eu disse?!...
Responda quem
souber. Por mim, apenas espero que episódios destes não se tornem a repetir.
Caro Miguel, é evidente que esses episódios continuarão a repetir-se porque não existem os mecanismos dissuassórios para preveni-los. Se com uma brincadeira dessas o jornal solidariamente com a jornalista fossem obrigados a pagar uma multa, por exemplo, de 2 milhões de euros, algo que na practica significaria que a jornalista tinha que declarar falencia pessoal e o jornal talvez não ficasse muito longe também, haveria um muito maior rigor no que se escreve. Assim, pois é o que há. Escrevem o que querem e bem lhes apetece, é-lhes permitido deturpar tudo e mais alguma coisa, enfim, andam sem rédea por onde querem e como bem lhes apetece.
ResponderEliminarPor principio sou a favor duma imprensa livre. Mas quando existe sem rigor e em defesa de posições pessoais ou linhas editoriais sacrificando o rigor e a isenção, então os objectivos que norteiam a existencia duma imprensa livre, formar e informar os leitores, estão postos em causa. E estando-o não há outra alternativa que não seja, a bem ou a mal, obrigar a comunicação social a voltar ao caminho da seriedade. Parece-me que a espada de Damocles que representa a falencia pessoal é estimulo suficiente.
Muito obrigado pelos seus comentários e a sugestão que também deixa, e que levarei em devida conta.
ResponderEliminarMelhores cumprimentos,
Sobre informação, desinformação e fraudes gigantescas:
ResponderEliminarO Banco Central Europeu (BCE), segundo os próprios estatutos, está proibido de comprar dívida diretamente aos Estados mas tem toda a liberdade de financiar a banca a uma taxa de juro também muito baixa (1%), não impondo quaisquer limites na utilização desse dinheiro. Este facto permite que os bancos possam obter lucros extra à custa das taxas de juro elevadas que cobram não só aos Estados, mas também às famílias e às empresas.
No entanto, o BCE pode comprar dívida soberana, ou seja, dos Estados, no chamado "mercado secundário" onde têm acesso os bancos. Portanto, está-se perante a situação caricata que permite à banca especular com a divida emitida pelos Estados, da seguinte forma:
O BCE não pode comprar directamente a dívida ao Estado português, mas já pode comprá-la aos bancos (os celebérrimos mercados) que a adquirem. E então o esquema especulativo montado pela UE e pelo BCE para enriquecer a banca à custa dos contribuintes, das famílias, e do Estado português é o seguinte: a banca empresta às famílias, às empresas e ao Estado português cobrando taxas de juro que variam entre 5% e 12%, ou mesmo mais, depois pega nessa divida, titularizando-a, e vende-a ao BCE obtendo empréstimos a uma taxa de juros de apenas 1%.
De 2008 a 2011 - EM APENAS TRÊS ANOS A DIFERENÇA DE TAXAS DE JURO DEU À BANCA PORTUGUESA UM LUCRO DE 3.828 MILHÕES DE EUROS
Donde, caro Miguel Frasquilho, mais que a precisão das suas suas palavras sobre restruturação ou não da «dívida», julgo que, pela magnitude do roubo acima descrito, este é um esquema que interessa tornar claro a todos os portugueses. Não lhe parece?
Estatutos do BCE:
CAPÍTULO IV - Funções monetárias e operações asseguradas pelo SEBC
Artigo 21.º - Operações com entidades do sector público
21.º 1 - De acordo com disposto no artigo 104.º do presente Tratado, é proibida a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer forma, pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais, em benefício de instituições ou organismos da Comunidade, governos centrais, autoridades regionais, locais ou outras autoridades públicas, outros organismos do sector público ou a empresas públicas dos Estados membros; é igualmente proibida a compra directa de títulos de dívida a essas entidades, pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais.
Cumprimentos