Era dia de gloriosa primavera. O Sr. Abade, de sobrepeliz e
estola, e os mordomos, capa vermelha, um com a cruz, outro com a caldeirinha da
água benta, outro com a campainha, que anunciava a comitiva, calcorreavam a
freguesia, povo a povo, caminho a caminho, casa a casa, da mais rica à mais
pobre, da mais perdida no monte à mais central, junto à fonte ou à igreja.
E havia ainda o homem do cesto, o membro hierarquicamente
mais baixo da procissão, cuja função era guardar os ovos, presente dos mais
pobres ao Senhor Abade.
A profusão das flores da primavera e o perfume das glicínias
junto aos muros apareciam realçadas pelo sol brilhante da estação e davam um ar
de incontida festa, que os tapetes de rosmaninho, junto às portas, mais
acentuavam. E as escadas, decoradas a alfazema e a alecrim, anunciavam a
alegria da visita. As casas, sujeitas à lavagem anual, mostravam o ar limpo e
fresco do chão esfregado com sabão amarelo.
Na melhor sala da casa juntava-se a família: pais, filhos,
avós e netos. Boa Páscoa, Boa Páscoa, saudemos o Senhor que nos vem
visitar, dizia o Senhor Abade. As pessoas ajoelhavam e a cruz passava de boca
em boca para o beijo pascal. Por vezes o crucifixo era mesmo beijocado com
grande profusão e intensidade, nada escapando, desde a cara, aos joelhos e aos
pés de Jesus Cristo. Nos casos mais extremos, o mordomo tirava um pano branco
do bolso e limpava o crucifixo para a próxima devoção.
Mesmo as casas mais humildes, em cima de uma mesa mais ou
menos tosca, tinham sempre uma cruz, um folar, uma garrafa de vinho e
ovos. Vai alguma coisa, Sr. Abade? Não, que temos caminho a andar. E tem
aí os seus filhos; olhe que eles estão com apetite!...Ao sinal discreto do
Senhor Abade, o homem do cesto retirava ou não os ovos da oferta.
As casas mais ricas caprichavam na recepção.Na melhor toalha
de linho, sempre o folar, mais uma profusão de bolos e doces e vinho fino, para
acompanhar. Mas aí não havia ovos. Normalmente, um envelope com dinheiro. Vamos
lá fazer as honras da casa, dizia o Senhor Abade!... E então alguns dos
mordomos tiravam mais uma vez a barriga de miséria, dado que os pitéus expostos
e o vinho do porto não eram manjar habituado a passar por aquelas gargantas.
O que o Senhor Abade sempre fazia era ir junto à cama dos
doentes. E se era recebido com queixumes, na despedida sentiam-se sempre mais
reconfortados.
Por vezes, o mordomo da cruz hesitava entrar numa ou noutra
casa. E cochichava com o Sr. Abade. Que lhe dava ordem de entrar. Ao que
eu me sujeito, ter que levar a cruz a gente amancebada...
A Páscoa era um dia festivo. Os tempos mudam e fica a
nostalgia. Hoje, na minha terra, continua a haver visita pascal, mas sem o
Senhor Abade. Saem diversas cruzes para despachar serviço e tudo acaba mais
depressa, logo de manhã.
Já não é o mesmo, dizem! É verdade. Mas coisas melhores
virão, diz-nos a esperança.
Nesta boa esperança, uma Boa Páscoa para todos!...
Um abade possuidor do sentido de humanismo que tudo indica, está a (re) conquistar a igreja católica, fruto da atitude e conselho do novo Papa Francisco.
ResponderEliminarVotos de uma Boa Visita de Jesus Cristo a todos! E que permaneça nos nossos corações ajudando-nos a compreender o significado da disponibilidade para com o outro!