"As medidas poderão adoptar, segundo as situações nacionais, a forma de um aumento da despesa pública, de reduções prudentes da pressão fiscal, de uma diminuição das cargas sociais e de apoio a determinadas categorias de empresas e de ajudas directas às famílias, em particular as mais vulneráveis." - Plano Europeu de Recuperação Económica,Dezembro 2008 (in EL Dilema, pág. 162)
Tenho estado a ler, interessadíssima, o livro El Dilema, de Jose Luis Zapatero, um emocionante - e muitas vezes emocionado - relato dos anos quentes da crise, desde 2008 a 2011. Aí se conta, na 1ª pessoa, é certo, mas de forma muito documentada, todo um processo político que começou com a aparência de uma serenidade firme, todos unidos a governar esta região europeia que se auto proclamava líder do futuro, depois o modo como foram recebendo e reagindo com pouca preocupação ao descalabro financeiro do EUA, mesmo a Grécia, já a apresentar pedidos de socorro alarmantes, a merecer apenas um apagado lugar na lista da prioridades, depois a aceleração, a confusão, as entrelinhas, o pânico e a mudança brutal de discurso, mas não só de discurso, as baterias apontadas para novos "culpados", as taxas de juro enlouquecidas, os números que antes eram tão elogiados e agora recebidos de cenho cerrado, enfim, uma agonia aquelas reuniões europeias sucessivas, com declarações ambíguas e mortíferas, um garrote a apertar-se cada vez mais. É assim o livro, deixa-nos sem fólego, aí a meio já somos nós, os leitores, a angustiarmo-nos antes de cada reunião, a desesperar com aquela conversa, a não perceber nada a não ser que tudo pode acontecer sem que se perceba bem porquê ou como evitá-lo.
Haverá certamente muitas coisas que Zapatero embrulha na sua própria visão das coisas mas há muitas outras, talvez as principais, em que nos deixa campo largo para a nossa própria avaliação. É um livro de suspense apesar de já sabermos o fim daquele episódio temporal, até 2011, sabemos até muito depois disso incluindo que a Espanha conseguiu à justa evitar o resgate que ele nunca imaginou possível, mas que cada dia era mais evidente. Conta até como houve três insistências diferentes para que formalizasse o pedido, sempre em alturas em que ele suspirara de alívio pensando que tinha esconjurado o perigo. Conta também que os testes de stress aos bancos espanhóis, efectuados a todo o sistema quando outros países, como a Alemanha e a França, se recusaram a aceitar tal amplitude, deram em Julho de 2011 que apenas seriam precisos 1564 milhões de euros para acorrer a cinco bancos, que o próprio Banco de Espanha considerou que nem isso seria necessário, que essas auditorias foram confirmadas e reconfirmadas mas que, em Maio de 2012, veio a determinar-se que afinal eram necessários 60 mil milhões para acudir ao sistema financeiro. Diz Zapatero que esse é um dos grandes mistérios, entre muitas outras perplexidades, de todo este processo e, ao longo do livro, somos nós que confirmamos tais espantos, com a certeza de que muito se dirá mas pouco se saberá como, de facto, foi possível este terramoto e se a reação a ele foi um remendo mal amanhado ou se chegará a lançar as bases de uma sociedade mais justa e equilibrada, como temos o direito de ambicionar.
Cara Suzana:
ResponderEliminarNão li o livro e, embora já tenha lido menções e vários excertos, não estou em condições de opinar muito sobre ele.
Deixo apenas duas notas:
a) comparar o dito "descalabro financeiro" dos EUA com o da Grécia é um absurdo que só a ideologia pode explicar.
b) o apoio aos Bancos espanhóis foi basicamente o apoio às Cajas e a alguns pequenos bancos regionais, já que não houve apoio nenhum aos grandes bancos. Por outro lado, o apoio foi calculado em função de rácios determinados administrativamente e essa fixação foi evoluindo no tempo, tornando-se cada vez mais rígida. Por mero exemplo, se um rácio de solvabilidade for fixado em 8%, o Banco precisa de determinados capitais próprios ou equiparados; mas se for fixado em 12%, necessita de muito mais. Claro que tanto funciona com um rácio de 8% como com um rácio de 12%.
Donde, o apoio aos Bancos não teve apenas a ver com crédito mal parado ou perdido ou irrecuperável, mas com rácuios administrativamente fixados.
Caro Pinho Cardão, ele não compara, provavelmente fui eu que me exprimi mal no post, o que Zapatero diz, e demonstra com documentos, é que só muito tarde é que a Europa reagiu à gravidade da situação na Grécia, ninguém foi capaz de detectar o perigo. Quanto aos bancos espanhóis, também refere que terá havido alteração de critérios, mas não se percebe tantas exigências suplementares em tão pouco espaço de tempo e sem abranger todo os bancos europeus.
ResponderEliminarSuzana
ResponderEliminarNão conheço o livro, mas pelo seu relato vou comprar e ler.
A Europa enfrentou a crise amarrada a um modelo institucional sem capacidade de resposta. O ataque à crise foi se fazendo com muito experimentalismo, sem os instrumentos adequados, atrasadamente com sinais contraditórios e com receitas de austeridade nunca testadas. Mas o experimentalismo não acabou. Não sabemos no que vai dar a imensa liquidez que está a fluir nos mercados financeiros, que nada tem que ver com a realidade económica. Os tempos são de preocupação.
Margarida, vale mesmo a pena ler! Talvez a grande lição disto tudo seja mesmo a de nos ter lembrado que nunca está nada garantido e o que se sabe é apenas o que já passou, a grande surpresa foi termos pensado que a Europa era inexpugnável e que tudo estava previsto. Nunca está, nem estará, é sempre tentativo, e em momentos difíceis cada um luta por si o melhor que pode e sabe.
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