domingo, 25 de maio de 2014

Vazio

O tempo anda muito triste, para o contrariar andei por terras conhecidas e serras desconhecidas. 
A localidade estava vazia de gente, de cor e de calor. Muitas casas ilustravam o estado de saúde dos proprietários e até de muitas almas esquecidas. O vazio instala-se definitivamente no interior. Vê-se ainda gente, pessoas tristes de idade à espera de adormecerem num qualquer paraíso perdido. Andei e entrei num templo. Não estava vazio. Ouvi vozes e conversas que destoavam naquele local. Entrei. O templo tinha qualidade artística. Junto do presbitério estavam um pouco mais de meia dúzia de mulheres. Umas em pé, outras sentadas, algumas em posição lateral, numa cavaqueira que mais parecia uma conversa de café ou, mais adequadamente, uma calhandrice à antiga, falando umas com as outras, entrecruzando os temas mais diversos. Comecei a caminhar pela parte central da nave, mas rapidamente deram conta da presença. Abrandaram um pouco os temas das conversas e olharam-me num ato reflexivo. No entanto, vendo que o meu interesse estava focado em vários quadros, nas belas capelas laterais e nalgumas imagens, regressaram com a mesma intensidade às suas tertúlias. Aproximei-me e ouvi as suas conversas. Sorri. Pensei que, como estava vento e um pouco desconfortável lá fora, se reuniram naquele espaço para poderem conversar à vontade num domingo à tarde. As idades das senhoras estavam em concordância com a idade do espaço envolvente, da localidade e do interior do país. Passei entre elas e subi os dois degraus do presbitério. Nesse momento, uma das senhoras disparou: - Agora vamos rezar. A coscuvilhice acabou e uma ladainha a várias vozes afagou-me as costas e feriu-me os ouvidos. Fiquei naquela posição durante alguns momentos ouvindo as suas rezas, até que uma das senhoras, vendo luz na sacristia, passou à minha frente, sempre a "cantar". Viu uma senhora a entrar e disse : - Ah! És tu! Tens a chave? Dá-ma. Voltou a passar à minha frente, retomando a ladainha. Sorri. Que mais poderia fazer se não sorrir? Ao sair comentei: - Um dia destes, quando desaparecerem estas senhoras, também desaparecerá toda esta envolvência e o próprio templo sentirá o efeito ficando vazio de gente, de almas e de esperança. O mundo, sobretudo o mundo do interior está a ficar cada vez mais vazio. Um vazio que alguns vivos começam a sentir. Eu sinto esse vazio, e dói.

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