Nos últimos dias, perspetivando a hipótese de constituição de uma frente de esquerda alternativa à coligação no poder, aberta pelo discurso de alguns políticos em época de disputa de lideranças, têm-se sucedido análises de politólogos da nossa praça - quase todos, senão todos, alinhados bem à esquerda -, que previnem para os riscos de desvios futuros nas intenções do PS de praticar uma verdadeira governação anti-liberal. Agitam-se a recordar que o PS tem desiludido o eleitorado "de esquerda" que nele confia porque acredita numa governação fiel à sua pauta de princípios ideológicos, assistindo depois à rendição a um liberalismo (sobretudo económico) que não destoa do praticado pelo PSD e pelo CDS.
Os nossos cientistas políticos não percebem que o socialismo e a social democracia já não são o que eram no princípio da segunda metade do século passado. Tal como esquecem que na Europa os partidos socialistas e social democratas só vingaram quando se posicionaram ao centro, acompanhando as mudanças estruturais observadas na sociedade europeia, designadamente o crescimento das classes médias.
Enganam-se os nossos cientistas. Não foi Mário Soares o primeiro a meter o socialismo na gaveta nos idos de 1983, nem Guterres e Sócrates os continuadores no final do século passado e na primeira década deste. Antes, muito antes - em 1969 -, já o SPD na Alemanha tinha renunciado à sua matriz marxista seminal no célebre congresso de Bad Godesberg. E quando os socialistas franceses chegaram ao poder em 1981, depois de prometerem a nacionalização massiva dos principais setores a economia, foram políticas liberais que empreenderam exatamente sobre esses setores, estimulando a economia de mercado e lançando uma onda de desregulamentação que perdurou por uma década. Em 1995, foi a vez do Partido Trabalhista britânico abandonar a sua matriz, quebrar a ligação umbilical ao movimento sindical que já não o alimentava com eleitores, e aceitar que a sobrevivência do Estado Social em tudo depende da dinâmica da economia para criar riqueza.
Portugal, nalgumas áreas das ciências sociais, sofre do problema endémico do atraso e de uma dificuldade de perceber o curso da História, prisoneiro que está de velhos maniqueísmos. Muitos anos nos separam já do momento em que a esquerda europeia aceitou a economia liberal, e a direita a necessidade da solidariedade social. Criar riqueza para melhor a distribuir é a ideologia que cativa mais eleitores, sendo uma evidência assinalada pelos melhores autores. Entre os partidos do centro que disputam esses eleitores as matizes ideológicas tendem a variar somente na "dose" de Estado para realizar as políticas e nas formas de redistribuição da riqueza gerada. O que, não sendo pouco, está a anos luz de distância das velhas clivagens ideológicas que ocupam as mentes dos novos gurus da ciência política caseira.
Não existem dúvidas quanto à crescente intenção da esquerda em se unir e constituir uma força de combate contra o governo.
ResponderEliminarAlguns duvidam que a acontecer, esse seria talvez o maior desastre da nossa história desde o 25 de Abril de 74.
No entanto, se contarmos com a insatisfação da população portuguesa relativa à constante vontade do governo em acrescer às já em vigor, novas medidas recessivas - enquanto, por outro lado, anuncia a vitoriosa saída limpa do programa de assistência financeira que nos impunha a presença da troica, assim como a tendência para o aumento das exportações e o equilíbrio da balança comercial, e sobretudo para o restabelecimento da confiança dos mercados que permite ao governo contrair dívida em nome dos portugueses (serão sempre os portugueses a paga-la e nunca o(s) governo(s)a um juro quase invisível - e com a crescente atividade dos partidos de esquerda - ainda há muito poucos dias Jerónimo de Sousa pediu pessoalmente ao Presidente da República para antecipar eleições - percebemos sem dificuldade que... (se o verão não estivesse à porta e o pessoal possuísse a consciência de cidadania que por exemplo os espanhois, ou os gregos possuem) alguma coisa iria forçosamente mudar.
Assim, e esperando que o nosso Primeiro Ministro ganhe um pouco mais de bom senso e dedique algumas horas à leitura da Constituição Portuguesa e à reflexão de pontos importantes como por exemplo o inventário do país e o recenseamento da população; só para ter uma noção mais precisa de que não governa um país africano, mas sim um país (por muito má vontade que se tenha e, para todos os efeitos) europeu, peço encarecidamente a todos os santinhos que mantenham a esquerda unida, refilona, reivindicativa e que operem o milagre da clareza de espírito sobre a rapaziada que ajuda a guiar os passos do Passos e os conduzam ao caminho certo.
Não era melhor deixarem a ciência política para os verdadeiros especialistas, como o Relvas, e deixarem de brincar com o dinheiro das pessoas? Era só uma ideia...
ResponderEliminarNaaa, caro Cruz. Isto é gente que não deixa nada para ninguém, rapam tudo até ao fim, até à última migalhinha.
ResponderEliminar1) Eu arrepio-me quando vejo essa expressão "ciência política". É uma contradição de termos!
ResponderEliminar2) "O pior é pensar-se que se pode realizar qualquer política social com qualquer política económica; que se pode erguer qualquer política económica com qualquer política financeira". O corolário desta frase dita por Oliveira Salazar tem sido que em Portugal precisamente aqueles que mais falam em Estado Social são precisamente os que mais contribuiram para a sua destruição. O dificil é fazer passar esta mensagem...
Caro Ferreira de Almeida:
ResponderEliminarNotável texto, no qual me revejo.
Essa gente está fora de tempo, se é que alguma vez aí tenha estado. Mas continua a moldar a opinião publicada, por manter uma enorme predominância nos média. E impedem as mudanças necessárias, pelo ambiente que criam.
Sim, caro Ferreira de Almeida, é muito impressionante ver o grau de "conservadorismo" dos que se apresentam como sendo de esquerda, incapazes de renovar até a linguagem, sem perceber que grande parte da "direita" e, nalguns casos até da extrema direita, lhes roubou a linguagem e os slogans, de tal modo se tornaram sem sentido concreto hoje em dia. Às vezes pergunto-me se não estarão muito mais preocupados em alimentar velhos maniqueísmos bons-e-maus do que em protagonizar alternativas democráticas aos seus velhos fantasmas. E cometem o erro extraordinário de tratar o estado social como se tivesse sido uma dádiva do capitalismo agora pronto a retirá-la a seu bel prazer.
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