quinta-feira, 26 de junho de 2014

Contas Externas: que conclusões, no final de Abril?

1. Foi esta semana divulgada informação sobre a posição das contas externas até ao final de Abril (Boletim Estatístico do BdeP, edição de Junho).

2. Trata-se de um tema a que aqui damos atenção, com alguma regularidade, em razão da sua extrema relevância como indicador da saúde (ou da falta dela) da economia portuguesa.

3. Até 2010, como se sabe, este indicador revelava um estado da economia próximo de comatoso, embora algumas mentes delirantes (e também determinantes, na altura) considerassem, na esteira do famoso Dr. Pangloss, que nos encontrávamos no melhor dos mundos, destinados a ter um futuro admirável, com um défice da Balança Corrente superior a 10% do PIB...

4. A situação mudou radicalmente entre 2010 e 2013, tendo neste último ano sido já registados superavits com algum significado, por exemplo de 1,7% do PIB no conjunto das balanças de Bens e de Serviços e de 0,6% do PIB na balança Corrente.

5. No corrente ano, como também se sabe, a recuperação do consumo privado (sobretudo de bens duradouros) e do investimento tem gerado um aumento das importações de bens (+2,5% até Abril), ao mesmo tempo que a suspensão temporária das exportações de refinados do petróleo gerou uma quase estagnação das exportações de bens (+0,5% até Abril).

6. Desta conjugação resultou um agravamento do saldo negativo da balança de Bens, em € 373 milhões (de € 2.010 milhões até Abril de 2013 para € 2.383 milhões até Abril de 2014), compensado apenas parcialmente por uma melhoria de € 53 milhões na balança de Serviços.

7. Esta deterioração de € 320 milhões no conjunto Bens+Serviços, foi acompanhada de uma deterioração de € 168 milhões no défice dos Rendimentos e de € 348 milhões nas transferências correntes da União Europeia; tudo isto explica que, no final de Abril, a balança Corrente apresente um défice de € 816 milhões, que compara a um défice de € 32 milhões no final de Abril de 2013.

8. Em contraponto, verifica-se uma melhoria do saldo da balança de Capital, em € 360 milhões (de € 705 milhões até Abril de 2013 para € 1.065 milhões até Abril 2014), pelo que, no conjunto balança Corrente+Capital se apura em 2014 um superavit de € 249 milhões, inferior ao registado no período homólogo de 2013 (de € 673 milhões).

9. Com base nestes dados pode pois concluir-se que em 2014 se deverão voltar a registar excedentes nas contas externas, embora com expressão provavelmente inferior à de 2013...

10. ...e que será assim possível sustentar, sem grande dano, uma recuperação do consumo e (sobretudo) do investimento...mas será conveniente seguir este indicador com a maior atenção, para que não se perca o controlo...

10 comentários:

  1. Bom. Significa que Portugal continua a resistir à república portuguesa. Já só falta o passo equitativo de o estado cobrar impostos só dentro do estado e investir no estado, deixando Portugal em paz...

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  2. Embora esteja a seguir este indicador com a máxima atenção - «a recuperação do consumo e (sobretudo) do investimento» - não consigo esquecer o facto de termos pedido aos bancos (à troika) 78 mil milhões de euros a juros agiotas para oferecer esse dinheiro aos mesmíssimos bancos “para evitar imparidades e outras patranhas do mesmo tipo”.

    Isto, para não falar nos 5 mil milhões enterrados no BPN, nas SCUTS, nas SWAPS, e nas privatizações de monopólios públicos que davam lucro.

    Estamos, tudo o indica, no bom caminho…

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  3. Caro João Pires da Cruz,

    Essa expressão "Portugal continua a resistir à república portuguesa" merece ser emoldurada...
    Apesar de caricatural tem um fundo de verdade, indiscutível na minha perspectiva: a economia privada tem suportado grande parte dos custos do ajustamento, e agora está a resolver, por acréscimo, o problema mais específico do desregramento financeiro do Estado, suportando uma carga fiscal nauseabunda!
    E ainda há quem considere que algum sacrifício pedido aos funcionários do Estado constitui iniquidade ou desproporção na distribuição dos sacrifícios, a tal ponto que atinge o coração do texto constitucional!
    Não lembraria "ao mais pintado" tal justificação!

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  4. A verdade é que as desculpas da república são tão esfarrapadas e a sua utilidade tão discutível que achar que vai existir república daqui a 10 anos é neste momento para lá do anedótico.

    Ainda que os mercados da dívida sejam simpáticos por mais um ou dois anos, a dívida do estado não vai descer de certeza nas condições deixadas pelo PR e pelo TC ( sim, não esqueço o autor das desculpas, quem escreveu o roteiro à oposição gerando a jurisprudência) e o problema do default vai-se colocar novamente. A demonstração matemática é relativamente simples, sem cortar na despesa corrente (mesmo) não vai haver redução do deficit e a dívida vai ter que crescer. Achar que subir os impostos vai fazer o net nos ordenados dos funcionários públicos é mesmo só na cabeça de quem não vê um boi disto.


    Senão em 2015, em 2016 já lá estamos no default outra vez, com dois números horríveis de deficit e dívida do estado. E com o conhecimento de quem bloqueou este programa de resgate não vai haver outro sem a garantia de que PR e TC estão fora de jogo. Ou seja, fim!

    Mas isso escreve-se nos artigos da constituição que não interessam, no 1º ou no 2º. Nada que tenha a importância do estatuto autonómico dos Açores...

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  5. Caro João Pires da Cruz,

    Parece-me haver muita ingenuidade e défice de informação da sua parte na análise que faz desta situação. Senão, vejamos:


    Correio da Manhã - Bancos vão buscar crédito ao BCE a 1% e investem em dívida pública a taxas superiores (que vão de 5% a 12%). Em 2010, já ganharam mais de 150 milhões de euros. De Janeiro a Setembro, aplicações subiram 7,8 mil milhões.


    O Banco Central Europeu (BCE), segundo os próprios estatutos, está proibido de comprar dívida diretamente aos Estados mas tem toda a liberdade de financiar a banca a uma taxa de juro muito baixa (1%), não impondo quaisquer limites na utilização desse dinheiro. Este facto permite que os bancos possam obter lucros extra à custa das taxas de juro elevadas que cobram não só aos Estados, mas também às famílias e às empresas.

    No entanto, o BCE pode comprar dívida soberana, ou seja, dos Estados, no chamado "mercado secundário" onde têm acesso os bancos. Portanto, está-se perante a situação caricata que permite à banca especular com a divida emitida pelos Estados, da seguinte forma:

    O BCE não pode comprar directamente a dívida ao Estado português, mas já pode comprá-la aos bancos (os celebérrimos mercados) que a adquirem. E então o esquema especulativo montado pela UE e pelo BCE para enriquecer a banca à custa dos contribuintes, das famílias, e do Estado português é o seguinte: a banca empresta às famílias, às empresas e ao Estado português cobrando taxas de juro que variam entre 5% e 12%, ou mesmo mais, depois pega nessa divida, titularizando-a, e vende-a ao BCE obtendo empréstimos a uma taxa de juros de apenas 1%.

    De 2008 a 2011 - EM APENAS TRÊS ANOS A DIFERENÇA DE TAXAS DE JURO DEU À BANCA PORTUGUESA UM LUCRO DE 3.828 MILHÕES DE EUROS.


    Estatutos do BCE:

    Capítulo IV - Funções monetárias e operações asseguradas pelo SEBC:

    Artigo 21.º - Operações com entidades do sector público:

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  6. Caro João Pires da Cruz,

    Já vi que não está disponível para dar muito crédito ao programa de acção político/económica do novo Dr. Pangloss, que tem vindo a entusiasmar uma boa fatia dos nossos incansáveis "media", a saber:
    - Investir na cultura, na educação e na ciência, para "assegurar o futuro do País";
    - Promover a coesão social e territorial, reduzindo as assimetrias de desenvolvimento (velhíssimas, como a magnifica Aguardente Adega Velha);
    - Defender o Estado Social dos ataques neo-liberais;
    - Promover o Crescimento e o Emprego (por artes mágicas, indubitavelmente).
    Admito que o ilustre Comentador tenha alguma vantagem em analisar, com um pouco mais de detença, este magnífico programa de acção. Que, entre outras virtualidades, poderá ajudar a reduzir a dívida pública para níveis mais sustentáveis, utlizando metodologia semelhante à que deverá vir a ser aplicada na promoção do Crescimento e do Emprego...

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  7. Caro Tavares Moreira,

    Mas eu concordo com boa parte disso. Eu amanhã posso passar o investimento público em educação, ciência e cultura para o dobro. Amanhã mesmo, se o TC deixar. É passar para metade os ordenados dos professores, cientistas e gente culta. Assim tenho o dobro dos professores a ensinar os miúdos, o dobro dos cientistas a investigar e o dobro de actores em cima dos palcos.

    Infelizmente, parece que a medida está no dinheiro que se gasta e não nos efeitos que se produzem. O que é, em si mesmo, uma coisa curiosa, atendendo que estamos a falar de gente de inquestionável patriotismo...

    Já agora, também se arranja um plano ter o dobro de presidência da república :), não fosse este comentário acabar assim, sem uma referência a Belém.


    Caro Diogo,

    antes de entrar em discursos de ódio e chamar burros aos senhores do BCE (embora possa aí haver um fundo...) deixe-me dizer-lhe que em toda essa análise falta o fundamental. E o fundamental é que o estado português não interessa para nada ao BCE, nem deve interessar. O que interessa é Portugal, que é uma coisa completamente diferente. O BCE empresta dinheiro aos bancos porque são Portugal e os bancos portugueses emprestam a quem quiserem, desde que paguem de volta ao BCE. Quem assume o risco de emprestar a um caloteiro de mau nome e má índole são os bancos portugueses. Não merecem ser remunerados pelo caloteiro por esse risco?

    Pior que isso tudo é emprestarem-me a mim a 7%, que sou de longe um credor mais fiável que a república portuguesa. Pelo menos a mim ninguém me acusa de calote. Já ao estado português, chiça, é só ver a quantidade de gente ilustre da aristocracia republicana cuja solução que defende é o ferrar de calote. Essa é que é uma grande injustiça, a diferença de taxas entre mim e a tesouraria da fazenda pública.

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  8. Caro João Pires da Cruz,

    Receio não ter compreendido bem este trecho do seu comentário: «O BCE empresta dinheiro aos bancos porque são Portugal e os bancos portugueses emprestam a quem quiserem, desde que paguem de volta ao BCE»

    E também não consigo compreender que não perceba a fabulosa vantagem que o BCE (o único criador do dinheiro) dá aos Bancos, em detrimento dos Estados, Empresas e Famílias.

    Os Estatutos do BCE (criados sabe-se lá por quem) proíbem-no de emprestar aos Estados, Empresas e Famílias. O BCE pode apenas emprestar aos bancos.

    Portanto, os Bancos pedem dinheiro emprestado ao BCE a juros próximos dos 0%, e depois emprestam esse dinheiro aos Estados, Empresas e Famílias a juros de 5% para cima.

    Isto, meu caro João, é um negócio das arábias. É estranho que não veja aqui nada de invulgar…

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  9. Caro Diogo, essa visão não é correcta.

    O BCE é uma bolsa de dinheiro. Isto é, conceptualmente, os membros do mercado do dinheiro, os bancos, depositam e pedem dinheiro emprestado dessa bolsa. Conforme a economia vai crescendo e é preciso dinheiro para titularizar esse crescimento, o BCE deve imprimir dinheiro para emprestar aos agentes económicos que, por sua vez, financiam as economias.

    Ou seja, o BCE não empresta, nem pode emprestar, dinheiro a ninguém que não seja membro do mercado porque ser membro do mercado implica cumprir regras. Como qualquer bolsa, a ideia é que os membros possam interagir impessoalmente e sem risco. A bolsa responsabiliza-se pelo cumprimento das transacções. E para garantir essa responsabilidade impõem regras como as bolsas de valores impõem a qualquer membro do mercado. Já experimentou comprar acções directamente na bolsa? Não pode, pois não? Exacto.

    O estado é um agente que não é membro do mercado porque não cumpre, nem poderia cumprir, as regras que são impostas aos membros do mercado. Por isso tem que ir a um membro do mercado como qualquer outro, eu incluído. Da mesma forma que se quiser comprar acções tem que haver alguém que se responsabilize por si perante o mercado, os correctores.

    Os bancos que emprestam dinheiro ao estado responsabilizam-se perante o mercado que o dinheiro que emprestaram vai aparecer. Pague o estado ou não. E é aqui que vem o problema. Se as pessoas acreditassem que o estado paga, não faltaria gente a querer emprestar-lhe dinheiro. É por isso que se fazem leilões de dívida. O problema é que há pouca gente que acredite no estado português, a começar por este que lhe escreve. Mas se o Diogo acredita, é uma questão de emprestar ao estado num dos muitos instrumentos de dívida que lhe estão disponíveis. Por cada euro que o Diogo empreste ao estado português é menos um euro que vai a leilão.

    Resumindo, nisto os mercados são do mais transparente que há. Se fosse o negócio que o jornal diz que é, não faltaria gente do mundo inteiro no leilão e as taxas eram próximas daquilo que o BCE pede aos bancos. Mas não é. E não é porque o estado português é uma porcaria a quem ninguém quer emprestar dinheiro. Nem mesmo o Diogo.

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  10. Caro João Pires da Cruz,

    Começo a suspeitar que o famoso articulista Vasco Pulido Valente tem lido com regularidade seus comentários neste Blog...
    Veja só como conclui o artigo que escreve na edição de hoje do Público: "Seja como for, a República está presa por arames. E o futuro não se recomenda".
    Trata-se de um artigo em que VPV discorre sobre o descrédito em que caiu o chamado "texto fundamental".

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