sábado, 21 de junho de 2014

Linha do Dão



Graças à televisão, com os seus programas culturais de sábado à tarde, nomeadamente a "ruralização" da Avenida da Liberdade em Lisboa, que deve ter encantado a capital com um fenomenal piquenique, fiz o que devia, desliguei a televisão e saí de casa à procura de algo mais interessante. Não é difícil encontrar alternativas. Não fui muito longe porque o solstício do verão está com uma azia dos diabos. É típico quando muda de hábitos e de estação. Fui até Tondela. Conheço bem esta cidade e cada vez mais me encanto com a forma como está a ser tratada e se apresenta ao cidadão. Há muito tempo que desejava ver o museu. Ao entrar tive o meu primeiro choque. Que espaço tão agradável! Foi no preciso momento da queda violenta de água. Livrei-me de boa. Pensei. Em seguida percorri um museu equilibrado, elegante, distinto e rico em exposição e sobretudo em cultura da região. Não há dúvida, é possível encontrar pérolas onde se menos espera. No final, como é meu hábito adquiri uma pequena peça para marcar uma futura recordação. A par dessa jarrinha negra também comprei um livro. Escolhi-o porque me dizia muito, trata-se de uma obra sobre a "Linha do Dão". As minhas memórias mais antigas correm ao longo dessa linha a par de muitas histórias. Uma delas tem a ver com o facto de a primeira vez que vi as carruagens e as máquinas a vapor da linha estreita, que na estação ficavam lado a lado com as que circulavam na linha da Beira Alta, serem muito mais pequenas. Como a perceção dos volumes nas crianças é um fenómeno esquisito, devo ter pensado que seria um comboio de brincar. Chorei, bati o pé, porque queria levar o comboio para casa. - Para casa? Como? É tão grande. - Não é nada. É pequenino. Olha para o que está ao lado, é pequenino, não vês? - Está bem. Depois vê-se isso. Sempre a mesma frase para terminar diálogos inconvenientes. Naquela altura a minha nova casa ficava mesmo ao fim da linha. Tanto era assim que mais tarde dizia que a linha começava à minha porta e terminava em Viseu.
Tantas viagens, tantas histórias, tantas recordações. Agora tinha nas mãos um livro que contava a sua história. Fiquei a conhecer melhor, mas muito o que esteve na sua base, os problemas, as intrigas, os interesses e as vantagens "financeiras" inerentes à sua construção. Afinal não eram muito diferentes daquilo que hoje reina por aí, sempre o maldito "carcanhol" para encher os bolsos dos mais espertos. Deliciei-me com o livro que conta os primeiros anos de uma linha que terminou 99 anos depois. Na semana da sua morte anunciada fiz o que deveria fazer. Meti-me na automotora com o meu filho mais novo, louco por comboios, e disse:-lhe: - Vais fazer uma viagem histórica, a última viagem de um comboio. Tinha seis ou sete anos, idade suficiente para gravar certos acontecimentos. Lembro-me bem dessa viagem e de muitas outras.
Parabéns a Tondela pelo seu desenvolvimento e equipamentos culturais, a melhor forma de respeitar os interesses e os direitos dos cidadãos.
Ganhei a tarde, fiquei mais rico, lembrei-me de coisas passadas, aprendi o que não sabia e evitei a "agressão" televisiva.

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