quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Nos tempos que já lá vão...

Nos tempos que já lá vão, numa noite escura de Dezembro, o rei veio à varanda do seu iluminado palácio e reparou que a cidade estava negra como breu. Chamou o seu primeiro-ministro e ordenou-lhe: antes do natal quero ver a cidade toda iluminada. Toma lá 500 cruzados dos impostos cobrados aos feirantes e pelo uso da água do chafariz público e trata já de resolver o problema.
O primeiro-ministro chamou o presidente da câmara e ordenou-lhe: o nosso rei quer a cidade toda iluminada ainda antes do natal. Toma lá 250 cruzados e trata imediatamente de resolver o problema. 
O presidente da câmara chamou o chefe da polícia e disse-lhe: o nosso rei ordenou que puséssemos a cidade toda iluminada para o natal. Toma lá 100 cruzados e trata imediatamente de resolver o problema.
O chefe da polícia emite um edital a dizer: por ordem do rei em todas as ruas e em todas as casas deve imediatamente ser colocada iluminação de natal.  Quem não cumprir esta ordem será enforcado. 
Uns dias depois o rei veio à varanda e, ao ver a cidade profusamente iluminada, exclamou:
Que lindo! Abençoado dinheiro que gastei. Valeu a pena!...
Assim era o Estado nos tempos que já lá vão: o servo a pagar em duplicado, serviço e taxa, e o Estado a prover à redistribuição do montante arrecadado. Nos tempos que já vão?
(adaptado de conto exemplar) 

2 comentários:

  1. Estimado António,

    Percebe-se bem a intenção do conto mas parece-me menos justo o caminho para lá chegar porque supõe que a hierarquia do Estado é, de alto a baixo, formada por uma quadrilha de larápios. Ora, sejamos justos, a história não é, creio eu, que sou bem intencionado de nascença,
    em grande medida como a conta o conto.

    Mas sei de uma história, bem real e conhecida, que no fim desemboca numa conclusão semelhante.
    É assim,
    Um banqueiro recebe de cidadãos dinheiro emprestado para emprestar e, com isso, ganhar uma remuneração para o trabalho de intermediação e para o risco.
    Com uma parte importante desse dinheiro o banqueiro decide emprestar dinheiro a familiares e amigos, descurando a avaliação do risco, já que para amigos mãos rotas. Além disso desvia dinheiro dos depósitos para negócios próprios.
    Depois os amigos não pagam o que devem, os familiares vivem à tripa forra, e os negócios dele dão com os burrinhos na água. E um dia descobre-se que o banqueiro está falido e, moral hazard, como não pode o banco fechar as portas porque isso seria o fim do sistema, o governo entra com a massa que falta e manda a conta aos contribuintes.

    Esta é uma história bem mais real, não te parece?
    Juro que não a inventei.

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  2. Meu caro Rui:
    As caricatura é, talvez, a figura que melhor espelha a realidade.
    Não vês ali ao espelho o que está a acontecer com as pensões dos regimes contributivos, desde o tempo das Caixas de Previdência? O dinheiro foi sendo "desviado" para outros rumos, e agora os reformados pagam sobretaxas para poderem receber algum.
    Há uma parte dos impostos que é sempre desviada para fins menos úteis, ou mesmo para desperdício puro, ou desaparece mesmo no meio das gorduras do Estado, da birocracia, onde é difícil chegar. E, quanto mais impostos, mais gorduras, mais um escoadouro para o dinheiro.
    O conto é uma caricatura. Mas a falcatrua e a apropriação ilícita tanto maiores serão quanto maior a burocracia que é alimentada pelos impostos. Por isso, é um conto exemplar.
    Quanto ao teu, também não se afasta da realidade. Mas, salvo as excepções devidas à inépcia ou compadrio dos governos, falta provar que o contribuinte acaba por pagar. Aconteceu, está a acontecer, por cá, com o BPN. Há mais algum caso?
    Compara agora com os milhares de milhões que o cidadão tem recorrentemente pago pelos prejuízos anuais de muitas empresas públicas, tantas vezes ao serviço dos interesses eleitorais dos governos ou dos sindicatos que as dominam, e não ao serviço dos cidadãos.
    Pagas impostos e pagas, por exemplo, o preço do passe do transporte, para depois não seres servido pelo transporte público?
    Se uma empresa a quem pagaste um serviço não te prestar o serviço e não te devolver o dinheiro, o que é que lhe chamas? E ao estado não podes chamar?

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