- Um dos mais curiosos episódios relatados na imprensa internacional, sobre o momento especial que se vive na política grega, foi naturalmente omitido ou passou despercebido à grande maioria dos “media” lusos, tomados por um encantamento infantil em torno do PFEC em curso na Grécia (o equivalente ao nosso velho PREC, agora em versão financeira).
- Esse episódio tem a ver com a queda acentuada das receitas fiscais do Tesouro grego, nas semanas que antecederam as eleições, em resultado de muitos milhares de gregos terem começado a alimentar a expectativa de que, com a vitória do Syriza, pudesse ser decretada uma amnistia fiscal ou algo de muito parecido…
- Tal episódio é bem revelador de como a mensagem económica e financeira do partido vencedor, cheia de exigências em relação ao resto do Mundo – uma espécie de ajuste de contas financeiro com o resto do Mundo, muito em especial com os seus credores internacionais – foi capaz de passar para o eleitorado ao ponto de acreditarem num grande alívio/perdão fiscal pós eleitoral…
Em suma, o Syriza conseguiu convencer uma boa parte do eleitorado grego de que seria capaz de:
- Repor os vencimentos dos funcionários públicos e as
pensões de reforma para níveis iguais ou muito próximos dos que se verificavam
antes da intervenção da malfadada Troika;
- Recuperar benefícios sociais e níveis de salário mínimo
nacional, que também foram consideravelmente reduzidos durante o Programa de
Ajustamento (ainda em curso);
- Impor aos credores internacionais uma reestruturação
da dívida em termos altamente penalizantes para eles
(termos ultra-concessionais), obviamente facilitando o serviço da dívida ao devedor
República Helénica de modo a permitir a restauração dos benefícios supra
indicados;
- Sem prejuízo do que antecede, continuar a merecer a
confiança e a disponibilidade dos credores internacionais para continuarem a
financiar a República Helénica nos termos por esta escolhidos e, desnecessário
será acrescentar, altamente concessionais também.
5.
Qualquer cidadão minimamente esclarecido compreende que este programa
envolve um nível de utopia considerável – equivale a comer um bolo várias vezes
e mantê-lo como se não tivesse sido comido – mas a verdade é que uma boa parte
dos gregos acreditaram nele e votaram naqueles que o prometeram.
6.
Subjacente a todo este estranho enredo e esta ilusão financeira está uma
noção central do ideário dos dois partidos que formam a nova coligação
governamental na Grécia: ambos estão
profundamente empenhados (“passionate”, diz o F. Times na sua edição de hoje)
na restauração da soberania nacional sobre a política económica.
7. Mas isso só será possível ou viável
com um novo regime económico, muito especialmente com a restauração da
autonomia monetária perdida aquando da adesão ao Euro, como é evidente…mais concretamente, isso implicará o abandono do Euro, seguindo um modelo
financeiro do tipo argentino ou venezuelano…coisa que os gregos têm
esmagadoramente rejeitado nos inquéritos de opinião!
8. Confesso as minhas sérias dúvidas
quanto à possibilidade de tudo isto não acabar numa enorme frustração para os
gregos; esta ilusão financeira/monetária em que confiaram ainda lhes pode
sair mais cara que o Programa de Ajustamento…muito sinceramente não o desejo,
mas com igual sinceridade antevejo um enorme risco de tal acontecer.
O que acho graça neste episódio grego é que parece uma compilação de todas as propostas que andámos a discutir por aqui, a começar na ideia do novo ministro das finanças de empréstimos perpétuos sem juros e a acabar na renegociação à la Ferreira do Amaral. Quem sabe não se arranja um lugarzito lá no governo helénico?
ResponderEliminarOutra coisa engraçada são os festejos lusos de apoio à revolução grega com os apelos à recusa em pagar. Particularmente quando a Bloomberg revelou um relatório a dizer que o maior credor relativo da república grega é.... o contribuinte português!
Caro Tavares Moreira, duma perspectiva muito egoísta, espero que isto tudo acabe realmente numa tremenda tragédia para os Gregos. E rapidamente! Talvez permita desinsuflar um bocadinho do ímpeto do Podemos que, se tiver bons resultados, será uma tragédia para Espanha e para Portugal.
ResponderEliminarPreferia que os Gregos tivessem votado doutra forma mas quem elegem é acima de tudo problema deles. Já que se puseram na posição de patetas úteis pois então aproveitemos a patetice tanto quanto possivel em nosso benefício.
As reações dos políticos alemães, franceses, espanhois, ingleses, etc, faz-me acreditar que paira um terror relativo a tender para o pânico, relativamente à possibilidade de o exemplo grego vir a confirmar-se viral.
ResponderEliminarNa verdade, aquilo que fácilmente se percebe, é uma completa descontextualização entre os países que compõem a UE. Ou seja, o espírito que norteou a criação da CEE, da UE e do Euro, perdeu-se, adulterou-se, travestiu-se de alguma coisa que ninguém consegue identificar e explicar a uma só voz. Por isso, as diferenças dentro da Europa são demasiado evidentes e estigmatizantes e fracturantes, como agora o resultado eleitoral na Grécia começa a confirmar. No entanto, aquilo que ainda ninguém consegue prever mas que muitos temem e muitos desejam, é se no futuro, a forma como o povo grego decidiu votar, se torna num exemplo a seguir ou a evitar. O futuro dirá.
Como é que isto vai acabar para os gregos, pergunta o meu amigo Tavares Moreira.
ResponderEliminarNão é preciso qualquer oráculo grego para adivinhar que acaba mal, caso o governo mantenha as posições do Syriza.
Nesse caso, ou acaba o Syriza, ou acaba o euro na Grécia ou, o mais provável, acabam os dois.
Claro que tem que haver um comportamento mínimo para quem quer estar no Euro e receber apoio da UE. A UE tem sido solidária, mas sem responsabilidade e cumprimento de regras não pode haver solidariedade.
Diz o caro Dr. Pinho Cardão que as regras existem para ser respeitadas. Concordo inteiramente. Mas o cumprimento das mesmas regras, tem forçosamente de ser observado e cumprido por todos os que a elas se sujeitam.
ResponderEliminarCaso contrário, assiste-se a uma reedição dos antigos jogos Pan-Helénicos, em que os atletas competiam nús e nas bancadas os políticos trajavam faustosos mantos debruados a ouro.
Caro Pires da Cruz,
ResponderEliminarSuspeito que alguns membros do novo governo da Grécia se terão inspirado no 4R para avançarem com algumas ideias base no tocante à reestruturação da dívida, em especial essa noção fundamental de dívida perpétua e sem cupão...
Mas, nesse caso, deveriam ter pedido licença para avançarem publicamente com ideias dos outros; não o fazendo, incorrem na prática de plágio...
Quanto ao outro aspecto que refere, reforça a noção de que esta gente pensa com os pés e não com a cabeça...mas quando a factura lhes chegar à porta vão pôr-se aos berros, vai ver, provavelmente maldizendo a Troika!
Caro Zuricher,
Receio bem que a sua interpretação destes estranhos acontecimentos acabe por ter razão...curiosamente, li ontem um interessante escrito no Público, da autoria de JM Tavares, que, com a sua habitual lucidez equiparava a Grécia a um laboratório político/económico.
Este laboratório terá, como se depreende deste seu comentário, todas as condições para vir a encerrar por avaria geral nos seus equipamentos e insucesso das suas experiências...
O teste ficará assim chumbado, tornando nada recomendável a iteracção do processo.
Caro Pinho Cardão,
Se acabar o Euro na Grécia, aí o actualmente aclamado Syriza acaba num ápice, e com grande estrondo muito provavelmente.
A decisão de hoje de aumentar o valor do salário mínimo nacional para um nível superior em 35% ao que vigora em Portugal, constitui, em minha opinião, um primeiro e sólido passo na direcção da parede...
Claro que na Alemanha CDU e SDP, estão preocupados com o Syriza. Se se virem na condição de bancar as pretenções gregas (e com isso inflarem o Podemos), a resposta dos alemães será o AfD.
ResponderEliminarOs gregos estão no seu direito de eleger quem lhes promete acabar com a austeridade.
Os alemães estarão no seu direito de eleger quem lhes prometer parar de financiar programas de assistência externa.
Caro Nuno Cruces,
ResponderEliminarTodos no seu direito de eleger, uns e outros pelas melhores razões, mas, no fecho de contas, todos a perder?
Por agora...Vai já uma razia com os bancos gregos que em poucos dias já perderam mais de metade do seu valor em bolsa, a fuga de depósitos bancários é astronómica, as yields da dívida grega sobem vertiginosamente a caminho dos máximos dos tempos de crise mais aguda, o novo governo a entrar autenticamente de "chancas" , tomando por antecipação decisões que não vai conseguir financiar sem a ajuda dos credores...
Será que o sonho grego vai acabar bem mais depressa do que se admitia?
Aqui fica um contributo para se perceber o que é o QE:
ResponderEliminarhttp://expresso.sapo.pt/a-bazuca-nao-e-o-que-parece=f908353
Caro Tavares Moreira,
ResponderEliminarConcordo que ficamos todos a perder.
Nos últimos tempos surgiram duas teorias: dum lado a vitória do Syriza é boa porque vão fracassar e ficamos vacinados; do outro é boa porque vão ter sucesso e mudar a Europa.
Estou pessimista. Se fracassarem a culpa será da intransigência alemã. Se tiverem sucesso vão potenciar o anti-europeísmo alemão.
Numa situação em que a margem de manobra é curta de ambos os lados, seria bom não esticar a corda.
Mas todos os sinais que vêm da Grécia apontam em sentido contrário. A escolha do parceiro de coligação, as referências à Alemanha Nazi, a aproximação à Rússia, etc.
São soberanos e estão no seu direito. Mas do outro lado também há eleitores e governos soberanos, democraticamente eleitos, com mandatos claros.
Caro Nuno Cruces,
ResponderEliminarAs notícias das últimas horas dão conta de uma rápida deterioração da situação, com uma catadupa de medidas de política, em que cada uma pede meças às restantes em matéria de irresponsabilidade.
Necessariamente isto não vai acabar nada bem: (i) os bancos gregos estão sob uma pressão enorme, sem dinheiro, por força da fuga de depósitos (os gregos não acreditam na permanência no Euro?), obrigados a recorrer à ajuda de liquidez de emergência do Banco Nacional da Grécia para se manterem a flutuar, as acções representativas do seu capital afundam (50% esta semana), (ii) os juros da dívida estão em alta, sendo que na maturidade 10 anos as yields já ultrapassam 11% máximo desde Setembro de 2013)...
E o governo a sorrir, como se tudo estivesse no melhor dos mundos!
Permitam-me lançar aqui um desafio os leitores do 4R: aposto um almoço (em restaurante de 1ª, à escolha), contra um lanche (em esplanada de praia), em como o Tsipras, mais os seus camaradas de governo, se vão ver gregos para se entenderem e se segurarem no poder, e que dentro de seis meses, seis, teremos novas eleições na Grécia. Não aposto que, então, a Grécia já esteja fora do euro, mas tenho para mim que essa hipótese tem muitíssimas possibilidades de se tornar realidade.
ResponderEliminarResumindo, coitados dos gregos. É isso que sinto.
Caro Tavares Moreira
ResponderEliminar"Isto" de considerar que os tratados são equivalentes às escrituras costuma dar mal resultado quando não se tem em conta as circunstâncias do presente.
Os regimes dos países da União podem ser todos democráticos, mas isso não equivale a tomá-los todos como iguais.
Ambas as afirmações acima, vieram a ser corroboradas com as últimas eleições gregas.
A intransigência de posições aliada com a (pre) suposição que todos pensam como nós pode ser visto como soberba arrogante.
As declarações reafirmando os princípios, são válidas se vistas no vácuo, quando passamos para o concreto, a localização geográfica torna uns mais iguais do que outros. Como não vivemos isolados e temos alianças políticas com interesses geoestratégicos diferentes, o que consagramos nas "escrituras" bem pode ter de ser interpretado.
Vem todo este arrazoado para, comentando o seu post:
a) Porque é que o Governo alemão nomeou, ainda antes do ato eleitoral um elemento para negociar/tratar com os novos dirigentes gregos.
b) Porque que é que, o governo alemão, aproveitando a boleia da discrepância/desalinhamento grego sobre o agravamento das sanções à Rússia, "aguou" o comunicado da União Europeia contra a Rússia?
c) Os gregos são membros da União desde os anos 80 do século passado, os parceiros europeus desconhecem as idiosincresias gregas?
Será que a linguagem corporal é congruente com a verbal?
Cumprimentos
joão
Caro Tiro ao Alvo,
ResponderEliminarOs termos do seu desafio encontram algum eco no mercado dos credit default swaps (vulgo CDS's): as cotações deste mercado para a dívida grega apontam uma probabilidade de default de 70%...
A ver vamos; eu, por velho princípio, não faço apostas, mas no caso da que propõe, reconheço os riscos de apostar contra a sua posição...
Caro João Jardine,
Não encontra, no meu Post, nenhum comentário apologético quanto à forma como a UE tem lidado com a situação da Grécia, que na prática sacrificou o anterior governo, abrindo caminho ao actual...
Mas isso não me permite dar qualquer espécie de aval nem pode oferecer qualquer desculpa para as alarvidades já decididas por este governo.
Creio que terão na Rússia, NESTA ALTURA, o parceiro ideal, "juntando a fome à vontade de comer" - como se dizia, antigamente, entre nós...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCaro Tavares Moreira,
ResponderEliminarO syriza trás várias vantagens:
- limpa uma elite corrupta (mas pode ser uma versão Grega do brasileiro PT).
- trás par o ringue a estrema esquerda (acabando com a sua hipocrisia).
- elevado potencial de corrigir a fuga ao fisco.
Perante isto estamos numa situação de high risk/high gain. Na prática são 1-2% da economia europeia. Aposto os meus 522 euros no syriza.
Cumprimentos, IMdR
Caro Mandatário, Ilustre,
ResponderEliminarNão nego, até porque desconheço, as virtudes que o Syriza possa ter.
As que enuncia não me parecem virtudes mas antes meras promessas, ainda por cumprir e por provar...
No caso da fuga ao fisco e como se refere no Post, a reacção inicial dos gregos parece apontar um caminho exactamente oposto, não me parece pois a melhor via para corrigir fugas ao fisco...
Quanto a apostos, reiterando a resposta já dada a propósito do desafio lançado pelo Tiro ao Alvo, de que não tenho por hábito apostar, parece-me contudo que esse desafio tem bem mais probabilidades de verificação do que aquele que aqui nos traz...
De resto, as declarações dehoje do chefe do governo grego apontam já num sentido de claro recuo em relação às fanfarronadas de outros membros do governo, em especial do Ministro das Finanças, que, para além de me parecer um tanto despenteado mental, é capaz de não se aguentar muito tempo no cargo, quem sabe se para vir a formar um Syriza2, mais radical do que este...