quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Os mistificadores e o "quantitative easing"

Continuo a ficar espantado com as declarações dos vários responsáveis, políticos e outros,  sobre os efeitos esperáveis para Portugal da medida do BCE de compra de dívida (quantitative easing). Declarações mais do que suficientes para evidenciar ou a maior das demagogias ou um desconhecimento atroz da realidade, ou ambas as coisas.
Para esses mistificadores, a medida terá o condão de abrir a torneira do crédito, de diminuir as taxas de juro e de permitir mais despesa pública através da compra de dívida pelo BCE. Para além de vir em sentido contrário à política de austeridade em Portugal.
Acontece que não é nada disso. Os efeitos directos na concessão de crédito serão diminutos, por não haver um problema de liquidez no nosso sistema bancário, mas haver, sim, falta de projectos viáveis. Sem projectos, não há crédito, apesar da liquidez existente no sistema.
Quanto às taxas de juro, e para riscos da mesma qualidade, as nossa taxas médias já alinham perfeitamente pelas europeias, alemãs incluídas: as referentes a particulares, um pouco abaixo; as respeitantes a empresas, um pouco acima. Ora, estando incluído no preço do crédito o custo do dinheiro para os Bancos, mais o custo de oportunidade dos capitais próprios investidos e que naturalmente inclui o prémio de risco do pais, tal significa que, na prática, mas mal, os nossos Bancos já equiparam o risco país Portugal ao risco país Alemanha. Donde, não se pode esperar, racionalmente, qualquer baixa das taxas de juro.
Por outro lado, o funcionamento do Quantitative Easing só alcançaria objectivos em Portugal se pudesse funcionar conjuntamente com uma política orçamental expansiva, keynesiana. Mas esta é um constrangimento inultrapassável, pois o montante da dívida não permite brincadeiras orçamentais. Nem o desenvolvimento do país se pode fazer através de maciço investimento público. Ponto final. Efeitos favoráveis, sim, poderão esperar-se das exportações, induzidos por um aumento da actividade nos países onde a medida do BCE tenha efeitos práticos. Efeito esse aumentado, caso persista a depreciação do euro face ao dólar, favorecendo os exportadores. Mas até aí os efeitos aparecem relativizados, já que grande parte das exportações portuguesas se dirige para os países do euro. Portanto, caros amigos, a medida é globalmente positiva, mas, directamente, não se espere muito dela em Portugal. E para quem vá na cantiga do crescimento através da despesa pública viabilizada por tal política, eu diria: fiem-se na virgem e não corram e verão o tombo que levam...

9 comentários:

  1. Quer no setor privado, quer no setor público, continuam a faltar-nos projetos de qualidade. Sem eles, de nada nos servirá todo o dinheiro que queiram despejar na economia. Para que apareçam tais projectos é necessário demolir os entraves público-administrativos à criatividade, ao talento, à vontade de superação. Esta europa e este Portugal, especializaram-se em criar reserva de mercado para as elites através dos mais variados e populares pretextos. Não são os mais aptos que vingam...mas os mais amigos. Isto vai mudar, mas infelizmente, teremos ainda muito que penar!

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  2. Não funciona porque a regulação bancária matou a economia. Claro que há projectos viáveis. O que não falta são projectos viáveis. Infelizmente, viabilidade é uma porcaria mal calculada por uma folha de Excel que está em Londres e que gere todos os bancos da UE. Na verdade, não só se tornou economicamente inviável ser um banco, como nunca mais vai haver bancos novos. Os banqueiros são personagens perfeitamente dispensáveis hoje em dia, os bancos funcionam perfeitamente apenas com alguém que preencha a folha.

    E isto vai estar assim até à próxima crise bancária, que deve estar próxima e onde se vai descobrir que só há dois tipos de banco: os que perdem capital todos os dias e os fraudulentos.

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  3. Concordo em absoluto com o António Barreto, como já li num blog, hoje em dia quem tem dinheiro prefere investir no mercado de capitais, do que criar uma empresa, devido ao nível de impostos e burocracia.
    Caro Pinho Cardão uma dúvida que tenho é em relação ao QE, pois com este plano toda a dívida emitida por um país, por ex. Portugal, passa a ser avalizada 80% pelo banco de Portugal e apenas 20% avalizada pelo BCE, isto não será os famigerados Eurobonds ao contrário? Sinceramente gostava de saber mais um pouco.

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  4. Caro António Barreto:
    Tem toda a razão quando diz que "para que apareçam projectos é necessário demolir os entraves público-administrativos à criatividade, ao talento, à vontade de superação". É verdade. O condicionamento industrial de Salazar renovou-se e tomou uma nova forma, porventura ainda mais deletéria para a economia, a forma burocrática, que desmotiva os melhores ânimos e intenções. Por outro lado, o Estado viciou-se no apoio ao sector dos produtos não transaccionáveis e, não podendo mais aí investir em força, não sabe nem sonha como actuar de forma diferente. O investimento do Estado tem que ser na clareza das normas, que desagrada aos burocratas, na diminuição dos custos de contexto, na política fiscal, na celeridade da justiça, na diminuição do Estado parasita, para manter o Estado necessário e solidário. Mas como cada vez mais os políticos são funcionários...

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  5. Caro João Pires da Cruz.
    Vá lá...nada de exageros...nem tanto ao mar, nem tanto à terra!...

    Caro Luís Barreiro:
    Também já ouvi falar na mutualização da dívida, que derivaria da medida do QE...
    Mas não, o Banco de Portugal não avaliza a dívida, apenas a pode adquirir aos Bancos até determinado limite. Como o BCE, com limites mais baixos.
    Contudo, a emissão de mais dívida está dependente de fortes constrangimentos, como são os limites fixados para o défice e para a dívida pública.
    Por isso é que eu disse que é pura demagogia referir, como lamentavelmente o PS o fez, que o QE contrariava a política de rigor orçamental.

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  6. Acredite, caro Pinho Cardão. Acredite...

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Caro Pinho Cardão,

    Esta medida serve três propósitos:

    - vantagem económica euro/dólar

    - aquecer as bolsas e finança

    - arma negocial para a Grécia.

    O resto é conversa e estou totalmente de acordo consigo. Ao nível de Portugal nada se vai notar (a não ser o PSI 20 recuperar m poco do tsunami BES-PT).

    Estranho a extrema esquerda não saltar em cima do BCE...

    Cumprimentos, IMdR

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  9. CaroIMdR:
    Concordo com o primeiro ponto, não tanto com os outros, mas é uma opinião. Quanto ao Bloco e extrema esquerda, eles não vivem por cá...

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