A "actualização de pensões" é talvez a medida mais mediatizada da proposta do Orçamento do Estado de 2017. Já deu muito que falar, e mais ainda vai dar, muitas explicações do governo surgiram e outras tantas ainda estão por aparecer, a oposição veio a terreno apresentar os seus espantos e críticas e os partido de apoio parlamentar ao governo mostraram a sua insatisfação. Ainda "muita água vai correr por debaixo da ponte" até à versão final. Ficam aqui algumas considerações sobre este assunto (texto publicado no ECO - Economia Online).
É importante recuarmos a 2010
para termos presente que a partir desta data foi suspensa a actualização das
pensões dos regimes contributivos – Sistema Previdencial de Segurança Social (SPSS)
e Caixa Geral de Aposentações (CGA) - qualquer que fosse o seu montante,
incluindo as pensões mais baixas, e que, pelo contrário, durante o período de
ajustamento (intervenção da Troika) as pensões dos regimes não contributivos –
estatutárias, sociais e rurais – foram actualizadas de acordo com opções políticas
do governo de então.
Vale a pena referir que as
pensões dos regimes não contributivos sempre foram atribuídas sem a verificação
de uma “condição de recursos”. Quer isto dizer que nunca se cuidou de saber se
quem as recebe está em situação de pobreza ou vulnerabilidade económica que
justifique e exige o apoio do Estado.
Evidentemente que são bem-vindas
as actualizações das pensões de ambos os regimes. Vejamos o que vai acontecer:
1. O governo garante a actualização anual de
pensões prevista na lei – serão abrangidas todas as pensões cujo valor mensal
não ultrapasse 2.515,32 euros.
O governo altera, para efeitos desta actualização, o 1º
escalão das pensões que passa a englobar pensões até ao valor mensal de 2 vezes
o IAS – 838,44 euros - em vez do limite superior em vigor estabelecido em 1,5
vezes o IAS. Ou seja, é abrangido por uma maior actualização um maior número de
pensionistas.
2. O governo procede a uma actualização
extraordinária das pensões de valor inferior a 1,5 vezes o IAS – 628,83 euros –
que não tenham sido actualizadas ao longo do período 2011 – 2015, de modo a
assegurar um aumento máximo de 10 euros mensais por pensionista face aos
valores recebidos em 2016.
Ficam, portanto, excluídas desta “benesse” as pensões mais
baixas das mais baixas, dos regimes não contributivos, estando a medida modelada
para ser aplicada a pensões dos regimes contributivos.
O Relatório do OE não fornece dados sobre o número de
pensionistas e o número de pensões abrangidos e sobre os valores globais e a desagregação
por escalões para cada uma das medidas de actualização de pensões. Temos aqui
uma dificuldade objectiva de compreendermos como é feita a redistribuição
concreta de rendimento pelos grupos de pensionistas abrangidos e excluídos.
Esta falta de transparência em nada contribui para a credibilidade das medidas
e suscita dúvidas e confusões, de que os dias que se seguiram à apresentação do
OE 2017 são um bom exemplo.
A explicação política entretanto
vinda a público para não alargar a actualização extraordinária de 10 euros às
pensões dos regimes não contributivos – as mais baixas das pensões mais baixas
– é que as pensões não contributivas foram aumentadas nos últimos anos enquanto
as pensões dos regimes contributivos não o foram.
Não se compreende a ideia de
justiça social subjacente a este argumento, quando olhamos para medidas como a
redução do IVA da restauração, só para dar um exemplo.
Seria preferível dar a quem mais
necessita, fazendo uma discriminação positiva. Por outro lado, a falta de uma
“condição de recursos” na atribuição das pensões sociais é perversa. Porque a
regra não existe - e tarda em ser implementada - “paga o justo pelo pagador”.
As restrições orçamentais falam mais alto. É discriminatório e socialmente
injusto não proteger os que mais precisam, independentemente dos regimes a que
pertencem, até porque os impostos indirectos sofreram cumulativamente nos
últimos anos aumentos significativos atingindo mais fortemente as pessoas e
famílias de rendimentos mais baixos (porque estas gastam em bens e serviços uma
parcela maior do seu rendimento).
As prestações sociais dos regimes
não contributivos (grupo no qual também se incluem outras prestações igualmente
importantes como o Complemento Solidário para Idosos, o Abono de Família, o Rendimento
Social de Inserção ou o Subsídio Social de Desemprego) têm uma função
redistributiva, tendo por objectivo, entre outros, o combate à pobreza e promoção
da inclusão social. Esta função redistributiva reflecte em concreto escolhas políticas
que gozam naturalmente de graus diversos de arbitrariedade política.
O mesmo não se deveria passar em
relação às decisões que afectam as pensões dos regimes contributivos (SPSS e
CGA), aquelas que são formadas com o pagamento de contribuições sociais pelos
trabalhadores e entidades patronais ao longo da vida activa. Nestes regimes há
regras sobre as taxas contributivas e a formação das pensões, sobre a
actualização das pensões, sobre a idade normal de reforma, sobre penalizações por
reformas antecipadas e bonificações por adiamento da passagem à reforma, etc.
Se há princípios que devem ser preservados e reforçados nos regimes
contributivos são o princípio da contributividade e o princípio da
estabilidade.
Com efeito, mexer de forma avulsa
nas pensões destes regimes subverte o sistema, assim como o recurso aos impostos
para os financiar introduz um caracter assistencialista que estes regimes não
devem ter, desvirtuando a relação sinalagmática que se estabelece entre o
esforço contributivo e a pensão prometida/auferida. Se há uma fórmula de
actualização de pensões estabelecida na lei esta deve ser cumprida. Esta
fórmula subordina a actualização das pensões à evolução da variável macroeconómica
PIB real. Podemos discutir - e deveríamos fazê-lo – o tipo de mecanismo de
indexação e a sua construção em função dos objectivos pretendidos. Mas este é o
plano de discussão que importava fazer previamente, evitando-se medidas ad hoc.
A actualização das pensões é
feita com base num mecanismo que não garante a reposição integral do poder de
compra para pensões acima de 2 vezes o IAS (anteriormente 1,5 vezes o IAS), uma
vez que depende da taxa de crescimento real do PIB: por exemplo, uma pensão
mensal de 900 euros terá que aguardar por um crescimento do PIB entre 2% e 3% para
ser actualizada pelo IPC.
A arbitrariedade de intervenção política
nos regimes contributivos destrói os princípios da estabilidade e
previsibilidade que deveriam caracterizar esses regimes. Hoje o governo decidiu
dar 10 euros a determinadas pensões, amanhã outro governo decidir não dar ou
multiplicar por dois. Hoje o governo decidiu alargar o primeiro escalão para
efeitos de actualização, amanhã outro governo pode fazer o seu contrário.
O sistema de segurança social
contributivo está a ser pervertido. É cada vez menos seguro social, em que as
contribuições da economia via salários e outros rendimentos (por exemplo os
profissionais liberais que tem um sistema de contribuição definida) são
insuficientes para acomodar todas as prestações (velhice, invalidez, sobrevivência),
o que implicaria a alteração das taxas contributivas (TSU) ou a redução das
despesas, e está em via de se tornar um sistema estatal cujo financiamento são
impostos gerais consignados (exemplo do novo IMI para o Fundo de Estabilização
Financeira da Segurança Social, quando a Lei de Bases da Segurança social não prevê
este tipo de financiamento).
Por exemplo, na Dinamarca (universal pensions) o sistema de base é todo financiado por
impostos pelo que existe transparência total. Acima da base, as contribuições
provenientes da economia estão relacionadas com as prestações e são pagas pelos
trabalhadores e pelas empresas.
A proposta de actualização das
pensões, orçamentada em 167 milhões de euros no total do SPSS e CGA não vai
apenas vigorar em 2017, irá permanecer no futuro. Tendo o SPSS um desequilíbrio
financeiro estrutural (o que é também verdade para a CGA), o Relatório não
evidencia de forma clara e directa o impacto desta medida a médio e longo prazo
nas contas financeiras do Sistema. Evidencia que em 2017 a transferência
extraordinária do OE para a Segurança Social, no valor de 429 milhões de euros,
servirá em parte para pagar a actualização de pensões do SPSS.
Cara Margarida Corrêa de Aguiar,
ResponderEliminarjulgo que devíamos agradecer um artigo tão detalhado. Dada a minha ignorância no assunto, gostava de lhe perguntar se quando fala em pensões sociais se refere às não contributivas. Pergunto isso, porque na minha opinião, as contributivas nunca deveriam estar sujeitas a "condição de recursos".
Julgo que a "condição de recursos" faz sentido, mas os reflexos da sua aplicação deviam ser para quem está a entrar no sistema e não para quem está no sistema. No máximo, para os que estão no sistema deveria ser gradual.
Caro Alberto Sampaio
ResponderEliminarAgradeço as suas amáveis palavras.
A "condição de recursos" deve ser aplicada a todas as pensões dos regimes não contributivos, designadamente aos complementos sociais atribuídos pelo Estado para perfazer as chamadas pensões mínimas. Estes complementos sociais são financiados pelos impostos.
Sobre este tem da “condição de recursos” tomo a liberdade de deixar um link para um artigo que escrevi aqui no 4R sobre o assunto: http://quartarepublica.blogspot.pt/2013/12/pensoes-condicao-de-recursos-justica.html
As pensões dos regimes contributivos - Sistema Previdencial de Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações - não estão nem devem estar sujeitas, àquele critério. Funcionam como um "seguro social" financiado, em geral, por contribuições sociais (TSU) que determinam o direito na data de passagem à reforma a uma pensão calculada de acordo com uma fórmula estabelecida.
A introdução da "condição de recursos" naquelas pensões deve ser devidamente estudado, mas o assunto não deve ser mais adiado. É justo para os contribuintes e é necessário para assegurar uma vida digna aos idosos que precisam de ser ajudados.
Cara Margarida Corrêa de Aguiar,
ResponderEliminarObrigado pela resposta.
De qualquer forma, espero que um dia quando o problema for resolvido, haja o cuidado de minimizar eventuais prejuízos para quem na altura estiver a beneficiar dessas pensões