quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Baixas médicas: um "simplex" dava jeito

Notícias recentes voltam a chamar a atenção para as baixas médicas fraudulentas. Em 2016 foram convocadas para verificação de incapacidade pelas juntas médicas da Segurança Social cerca de 274 mil pessoas, das quais 22% foram consideradas aptas para o trabalho. Números que impressionam.
Como é possível tal acontecer. As baixas são passadas pelo Serviço Nacional de Saúde. Os médicos são fraudulentos? Os critérios de avaliação do estado de saúde de um doente são diferentes, consoante o médico veste o chapéu do SNS ou veste o chapéu da Segurança Social?
Não deixa de ser estranha a falta de articulação entre o SNS e a Segurança Social. Afinal são ambos organismos do Estado, mas trabalham sem qualquer contacto, assim parece, já que os objectivos parecem ser diferentes. Ambos invocam a sua própria autonomia, de outra forma como justificar a existência de juntas médicas da Segurança Social? Esta autonomia justifica-se? De um lado, os médicos do SNS acompanham os doentes e determinam se a sua situação clínica exige ou não que lhe seja passada uma baixa médica e do outro lado, os médicos da Segurança Social fiscalizam a situação clínica dos doentes que se encontram de baixa concedida pelos médicos do SNS.
O objectivo dos médicos do SNS é tratar dos doentes, o objectivo dos médicos da Segurança Social é retirar e suspender baixas médicas concedidas pelo SNS. O que uns dão com uma mão, os outros tiram com a outra. Não faz sentido.
Quem é que tem razão? Os médicos do SNS ou os médicos da Segurança Social? É bom de ver que estes últimos não praticam actos clínicos, não conhecem os doentes, limitando-se a olhar para as pessoas que são chamadas às juntas médicas e para a papelada que os doentes trazem com eles. Quanto à papelada, sejam exames, relatórios, etc. não se compreende porque é que o SNS e a Segurança Social não estão em rede, de modo a que uns e outros tenham acesso à ficha clínica dos doentes. Seriam poupados muitos incómodos aos doentes, seriam poupados muitos recursos financeiros ao Estado, os serviços estariam mais bem informados e actualizados sobre o estado de saúde das pessoas, etc. Porque é que não se dá este passo? Um “simplex” seria muito útil!
E acabaria o espectáculo degradante de pessoas doentes em filas intermináveis à porta e nos corredores da Segurança Social, tantas vezes sem condições para as acolher, à espera de serem “verificadas”.
Não deixa de ser cruel, é cruel, que um doente canceroso que está em fase de tratamentos de quimioterapia e radioterapia seja chamado pela Segurança Social a uma junta médica para que os médicos verifiquem a incapacidade da pessoa para trabalhar. E não deixa de ser frustrante para um médico do SNS que cuida de uma forma séria do seu doente, fazendo o seu trabalho com toda a sua competência, ter o seu doente mais tarde questionado por um médico "verificador" da Segurança Social sobre o seu estado de saúde.
Não creio que o sistema que temos de combate às baixas fraudulentas seja adequado. Esta é uma área que merecia uma reflexão séria, colocando em perspectiva um sistema que proteja os doentes, que previna as baixas médicas indevidas e que coloque os serviços do Estado a trabalharem em conjunto para objectivos comuns.

5 comentários:

  1. Tem toda a razão, Margarida.
    Não sei como é que as coisas se passam agora, mas, há uns tempos atrás, uma pessoa das minhas relações, que em acidente ficou com as duas pernas amputadas, foi chamada a uma Junta Médica da SS, presumivelmente, digo eu, para ver se as pernas lhe tinham crescido...
    Portanto, simplex e bom senso, precisa-se.

    ResponderEliminar
  2. Há relativamente pouco tempo, uma doente jovem que sigo há alguns anos e que estava numa fase de agudização da sua doença (e mais prolongada do que aquilo que ambas desejávamos) foi a uma junta médica da Segurança Social. "A médica que lá estava até parecia perceber da minha doença e achou que já estou de baixa há tanto tempo que devia pedir a reforma antecipada. Eu disse-lhe que ia fazer um tratamento novo". Após um meses melhorou de forma muito significativa (mesmo sem o tal tratamento era possível que melhorasse) e está a trabalhar a tempo inteiro.
    Isto para dizer que as juntas médicas também podem dar origem a situações "fraudulentas"...

    ResponderEliminar
  3. Caro Tiro ao Alvo
    Concordo, falta muita coisa. Tembém gestão, poupança de recursos e um Estado ao serviço do cidadão.
    Cara Sara
    Obrigada pelo seu testemunho. Conheço várias situações idênticas à que descreveu.
    Suponho que é médica. Como é que vê o sistema que está instituído?

    ResponderEliminar
  4. Tem toda a razão Margarida nem se percebe como equevos próprios médicos aceitam a responsabilidade de desdizer o colega que deu a "baixa" o que acontece se o doente piorar? A propósito de burocracia também é inexplicável como é que pessoas com incapacidades permanentes em devido tempo demonstradas tenham que renovar essa demonstração nas Financas sob pena de passarem a ser consideradas capazes a 100% .

    ResponderEliminar
  5. Cara Suzana, sem lhe querer tirar razão, penso que não se deveria conceder benefícios fiscais a todos os "incapacitados", mas apenas aos que desses benefícios carecessem. Digo isto porque sei de "incapacitados" que auferem salários elevados (exactamente iguais aos seus pares não incapacitados), beneficiando, assim, de regalias pouco justas, parece-me.

    ResponderEliminar