sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Era uma vez um governante que quis mostrar que existe...

Para o Secretário de Estado do Desporto e para a Secretária-Geral Adjunta de António Costa no PS, parece que o futebol  é o causador da cada vez mais elevada abstenção eleitoral. E o Secretário de Estado, procurando fazer prova de existência,  anunciou mesmo que o governo ia proibir futebol em dia de eleições. Proibição que a Ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, veio de imediato desmentir, anunciando que o governo apenas iria ponderar a medida.   
Óbvio que só aquelas cabecinhas não pensantes conseguem aliar a abstenção à realização de jogos de futebol. E óbvio também que cada membro do governo fala por si. Organizem-se, pois, já que organização pode suprir muitas falhas. Até de inteligência.

1 comentário:


  1. Caríssimo António,

    Antes de comentar quero congratular-me com a tua reaparição aqui no 4R de onde, a pouco e pouco, se ausentaram os outros autores e, consequentemente, os comentadores. Espero, sinceramente, que reapareçam.
    Ou vivemos agora no país do dr. Pangloss?

    Quanto ao tema deste teu apontamento ocorre-me o que já anotei no meu bloco de notas sobre o assunto.

    1 - É incontroverso que o futebol, enquanto fenómeno de excepcional excitação popular, é, de longe, muito mais mobilizador das apetências dos portugueses que os problemas da governação, central ou local, do país.
    Desta concorrência resulta, necessariamente, o decréscimo da participação eleitoral se houver eleições em dias de jogos. Será esse decréscimo relevante para os resultados finais?

    2 - Parece que não.
    Muitos correlacionam democracia com participação eleitoral e, inversamente,
    menos democracia com aumento de abstenção eleitoral.
    Sabemos que não é assim.
    As participações eleitorais mais elevadas observam-se geralmente em regimes
    não democráticos ou de menoridade democrática. Por outro lado, em democracias maduras, a abstenção é geralmente elevada, aproximando-se não raramente dos 50%.

    3 - O voto é um direito não é uma obrigação. A abstenção é, implicitamente, um direito, o direito de não votar, e não uma falha cívica.
    A imposição de voto, legal ou dissimulada, é uma afronta aos direitos dos cidadãos.
    Se um cidadão prefere ausentar-se da sua área de residência, onde é suposto poder (não, dever) votar, para assistir a um jogo de futebol, ou outra actividade qualquer, ninguém pode negar-lhe esse direito ou sequer recriminar a sua abstenção eleitoral.
    Inversamente, a participação forçada, por qualquer meio, ainda que subtil,
    constitui uma denegação desse direito.
    Ocorre-me, a este propósito, o transporte de pessoas debilitadas para as assembleias de voto, transformadas em eleitores geralmente inconscientes do
    sentido do voto que previamente lhes indicaram.

    4 - Nos EUA e no Reino Unido as eleições são realizadas em dias de trabalho e não existem incentivos (dispensa de trabalho, p.e.) para votar.
    Vota quem quer votar, quem está (ou pensa que está) consciente das consequências do seu voto. A abstenção é geralmente elevada mas não é assunto que classifique o nível democrático.

    5 - Tem o nível de abstenção influência nos resultados finais?
    Em democracias maduras, não.
    É facilmente demonstrável que, estatisticamente, uma amostra de 50% é mais
    do que suficientemente representativa do conjunto total de eleitores.
    Se todos votassem os resultados corresponderiam ao padrão votante.
    É verdade que por um voto se ganha e por um voto se perde, a democracia determinada pelo voto popular não é um sistema perfeito mas, como dizia o outro, é o pior regime com excepção de todos os outros.

    6 - Resumindo: O futebol (como a missa ...) influencia a participação eleitoral? Sim.
    Daí resulta um enviesamento da genuinidade dos resultados? Não.

    Salvo melhor opinião.

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