sábado, 29 de junho de 2019

Na terra, com a cabeça na lua


O meu artigo de hoje no DN-JN-Dinheiro Vivo

Num exercício da NASA para aspirantes a astronautas, uma alunagem forçada destruiu a nave e todos os seus equipamentos, à exceção de quinze artigos, e impediu o encontro com outra nave a 300 km de distância. A sobrevivência dos tripulantes está na escolha certa dos apetrechos que maximizarão a probabilidade de alcançar a outra nave. O exercício tem sido retomado por várias universidades, nomeadamente Harvard, e visa demonstrar que uma escolha de grupo está sempre mais certa do que uma escolha individual. Já comprovei o facto num curso de Alta Direção.
O último Barómetro da Fiscalidade do 4.o trimestre de 2018 da Ordem dos Economistas, resultado da participação de largas centenas de economistas das várias especialidades – Economia e Gestão Empresariais, Economia Política, Auditoria, Análise Financeira, Gestão de Insolvência e Recuperação de Empresas -, cobrindo todas as faixas etárias, é esclarecedor da perversidade do sistema fiscal.
A enorme maioria de 92% dos inquiridos considera a carga fiscal alta ou muito alta, e 62% consideram que tem um impacto negativo ou muito negativo na economia, no investimento e nas empresas. Sendo uma classe com óbvio conhecimento do exterior face à natureza das suas funções, a maioria, 76%, considera a carga fiscal mais alta e muito mais alta, quando comparada com a dos restantes países da União Europeia. E relativamente à estabilidade fiscal, 80% consideram o sistema instável ou muito instável, dado o volume das alterações que vai sofrendo.
Pois é este sistema que os nossos políticos acarinham como instrumento capaz de nos conduzir a bom porto, um sistema cada vez mais planeado para oprimir cidadãos e empresas com o peso crescente do despesismo de um Estado ineficiente e mal administrado, em prejuízo da atividade económica e da criação de riqueza e emprego. E, assim, um sistema cada vez mais adulterado, à média de duas alterações nos códigos por dia útil, acrescentando ónus e burocracia.
É este o sistema que nos vai perdendo, mas que os nossos atuais políticos, sem ver ou ouvir-se senão a si próprios, mais que todos os outros defendem, ou não os brindasse com a maior receita assente na maior carga fiscal de sempre. Pensar que tal nos leva ao ponto de salvação, só mesmo com a cabeça na lua.
Ou, melhor, talvez mesmo sem cabeça…

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Crime sem castigo

Deixo o meu artigo publicado no jornal i de 26 de Junho de 2019
 
Por alturas do ano 406 a.C. teve lugar a grande batalha naval das Arginusas, entre Atenas e Esparta, assim chamada por se ter dado nas imediações daquelas ilhas, próximas da atual Turquia, mais de 150 trirremes de cada um dos lados beligerantes. Esparta equipou uma forte armada, recrutando centenas de mercenários atenienses, com apoio financeiro dos persas.
A vitória inclinava-se para Esparta quando Calicrátides, o seu comandante, morreu em combate. A notícia foi-se espalhando e os espartanos, enfraquecidos pela falta de chefia, sofreram terrível derrota. Apenas uma pequena parte conseguiu fugir, tentando abrigo na sua base de Mitilene, na costa turca.
Também os atenienses tiveram pesadas baixas e, finda a batalha, centenas de marinheiros flutuavam agarrados ao que restava das suas trirremes.
Reuniram os oito comandantes atenienses liderados por Péricles o Novo, general prestigiado e várias vezes o estratego de Atenas, filho do grande Péricles, para decidir o próximo passo, se perseguir os espartanos em fuga e consumar uma vitória absoluta, ou acudir a salvar os náufragos e enterrar os mortos. Foi longo o debate, e dele saiu como prioridade concentrar forças para perseguir os espartanos, tendo dois capitães sido encarregados de recolher os feridos e sobreviventes com o apoio de algumas trirremes. Levantou-se entretanto forte tempestade e todas as embarcações tiveram de desistir e regressar a Atenas.
Os generais foram recebidos como heróis. Mas quando se foi sabendo que não tinham cuidado dos vivos nem enterrado os mortos, levantou-se grande clamor, exigindo que fossem julgados por tão ignominioso procedimento.
Reunida a Assembleia dos Quinhentos, os generais invocaram os superiores interesses da cidade para justificar a sua conduta e acusaram os capitães de não terem recolhido os náufragos, enquanto os capitães acusaram os generais pela demora das ordens de salvamento e uns e outros se desculparam com a tempestade. No fim de um julgamento agitado, os generais foram condenados à morte e logo executados.
Para a assembleia, assegurada que estava a vitória, a obrigação era cuidar dos feridos, salvar os náufragos e homenagear os mortos, e nem interesses relevantes da cidade na aniquilação do inimigo e numa vitória mais dilatada, todavia sempre incerta, podiam sobrepor-se a esse dever moral.
Lembrei-me da história quando os comandantes do nosso Governo, em nome de um muito discutível objetivo de Estado de alcançar o menor défice orçamental de sempre, não cuidam dos ainda vivos, feridos ou doentes, que acorrem aos hospitais para tratamento. E, por ação direta ou omissão, fazem escassear médicos e enfermeiros, técnicos de saúde e auxiliares, e até medicamentos, ou provocam adiamentos de cirurgias por falta de meios indispensáveis, ou obrigam os náufragos da saúde a esperar dois, três ou quatro anos, ainda agarrados à vida, pelos cuidados de que necessitam.
E também me lembrei da história quando, perante todo este panorama, se perde tempo, sem senso nem conta, a discutir a saúde pública em vez da saúde dos portugueses e a debater uma lei de bases que não se enxerga que traga mais do que despudorada exibição ideológica, porque nenhum dos seus mentores é capaz de dizer em que é que essa nova lei impede cativações e melhora a situação atual.
E assim a ideologia e o défice zero, em nome de uma falaciosa defesa do Estado, se sobrepõem ao dever primário de tratar dos vivos.
Salvaguardadas as distâncias, e passados 2400 anos, castigando a vilania de não tratar dos feridos, Atenas ainda é uma lição. Ou seria, se os atuais governantes, responsáveis pela crueza de falta de assistência aos doentes, mas porventura respaldados, eles próprios, na ADSE e noutros seguros privados, não escapassem a algum firme corretivo. Salvando-se-lhes a cabeça, claro está!...

terça-feira, 25 de junho de 2019

Sensacional!

Agora, e pela voz da Secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, os atrasos no atendimento para obter o Cartão do Cidadão está no facto de os interessados irem para a porta dos serviços “antes da abertura do atendimento ao público”... 
Verdadeiramente sensacional! Bom, e se nem fossem, estava tudo resolvido e governo e funcionalismo contentes...