segunda-feira, 30 de março de 2020

Ideologia cega

O corona vírus que nos atingiu de forma tão violenta deveria lembrar os agentes políticos que a protecção da saúde e o apoio à doença não podem ser tratados como uma questão ideológica, bem patente na Lei de Bases da Saúde recentemente aprovada, mas, ao contrário, como a concretização plena de um direito dos cidadãos legalmente reconhecido. Competindo ao Estado assegurar esse direito, já a sua prestação concreta tanto pode ser assegurada por serviços do próprio Estado como por outras entidades e nomeadamente quando o Estado, só por si, não o consegue garantir de forma eficaz. É irracional que a lei o impossibilite ou dificulte essa prestação, em vez de a facilitar, quando são tantas as carências dos hospitais e serviços de saúde públicos, em organização, pessoal, instalações, equipamentos, material hospitalar e que têm a sua tradução visível nas filas de espera de meses para tratamentos de doenças graves, nas dificuldades de atendimento ou mesmo no encerramento de urgências, na demissão de corpos clínicos, etc, etc.
E assim é incompreensível que, por razões puramente ideológicas não se aproveite a capacidade disponível, quer no sector privado como no social, para suprir essas carências. Aliás, qualquer colaboração do SNS com estabelecimentos privados é radicalmente combatida por forças políticas que sobrepõem a ideologia aos direitos dos cidadãos.    
É esta mesma ideologia cega que presidiu à aprovação pelo Parlamento de norma que estabelece mesmo que nem a própria gestão de unidades hospitalares públicas possa ser efectivada por entidades privadas (as ditas PPPs da saúde), a não ser em circunstâncias excepcionais.
No entanto, os Relatórios oficiais de avaliação recomendaram a continuação do modelo, já que os hospitais em PPPs, Braga, Vila Franca, Loures e Cascais cumpriram os "princípios de economia, eficiência e eficácia" que levaram à sua criação, lideraram na qualidade de serviço e a um preço que permitiu uma poupança superior a 300 milhões de euros considerando os custos de hospitais similares.  
A situação de pandemia que vivemos, no quadro de uma economia em que os recursos são escassos, deveria impor uma alteração da Lei de Bases da Saúde, propiciando uma boa colaboração do SNS com o sector privado e social, protocolando a prestação de serviços e utilizando a capacidade instalada disponível, servindo melhor o seu objectivo, a protecção da saúde.  Temos agora essa oportunidade. Possa o governo aproveitá-la para que o SNS sirva melhor os portugueses. 
(meu artigo publicado no Díário de Coinmbra, Diário de Viseu, Diário de Aveiro e Diário de Leirisa em 27 de Março de 2020)- link 
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