Um dia lindo, enfeitado com um sol primaveril. O calor comporta-se como se fosse um creme analgésico aplicado a uma alma sofredora. Adoro o azul. As almas felizes devem vestir-se de tecidos pintados com a cor livre e pura de um céu de primavera. Assim conseguem disfarçar a sua existência, vivendo livres. Não sei o que é uma alma, nem tão pouco sei se existem ou não. Mas se acreditar na sua existência tenho de as descrever de acordo com os meus sentimentos. A minha mãe ensinou-me a rezar ao anjo-da-guarda. Lembro-me perfeitamente de acreditar nele. À noite, na minha cama, muito antiga, com um delicado e perfumado colchão de folhelho, rezava com afinco, pedindo-lhe que “guardasse a minha alma de noite e de dia”. Recordo esse período em que acreditava no que a minha mãe me ensinava. Dormia tranquilo e sem medos de acordar no dia seguinte. Hoje não é bem assim. O medo atormenta-me cada vez mais, desfazendo, sem eu compreender, o meu corpo e a minha alma, essa coisa mal compreendida, mas, confesso, linda e cheia de poesia.
Continuo a viver. Sou obrigado a isso, ou talvez não. Esbarro frequentemente com muitos quadros e cenas do quotidiano. Às vezes registo-os. Hoje, ao saborear o calor da primavera de mais um dia da minha vida, ouvi sons lindos, folhas a bocejar, águas livres a despertar, aves a serem corridas pela alegria avassaladora de um cão, capaz de misturar a liberdade de brincar e de caçar e a visão de um velho mais novo do que eu, sentado num banco de jardim, escondido nos seus pensamentos, estranhos, tristes e obscuros, indiferente à provocação de um delicado e amoroso pardal que saltitava em seu redor. Adoro pardais. Tenho muitas razões para isso. Continuei na minha marcha programada quando fui despertado pelo toque singelo do meio-dia oriundo de uma capela no alto do monte. Adoro as badaladas dos sinos por muitas razões. São toques de vida, de amor, de morte, de alegria, de tristeza, do tempo e do seu significado. Ainda as ouço. Contei as doze. Conheço a sua linguagem. Ao subir a escadaria “embrulhei-me” com um inseto, um bicho-de-conta. Dei-lhe prioridade de passagem. Senti que era vida, simples, sem desejos, sem medos e confiante da sua existência. Não se defendeu e eu não o ataquei. Era o que mais faltava. Cada um deve ir à sua vida. Para quê? Não sei e nem me interessa…
As nossas Mães sempre nos fizeram e fazem muita falta.
ResponderEliminarAbraço
Tenho por princípio que tudo aquilo que é mencionável, existe. Seja alma, ou outra qualquer coisa. Existe de forma diferente para cada um... mesmo para quem descrê da sua existência.
ResponderEliminarQuero deixar também um elogio à sua escrita (desnecessário, bem entendido), na qual noto diferenças. Não consigo descrever com precisão as diferenças que me apercebo. Noto-a mais translucida, mais suave, com efeito calmante.
Um gosto poder continuar a contar com as pérolas que vai semeando.
Bartolomeu,
ResponderEliminarAs diferenças que vem notando são, quanto a mim, o efeito biológico da velhice.
Quer ele queira, quer não, Salvador (transliterado é o nome de Jesus) tem sido nome de baptismo de muitos portugueses de boas famílias. Este médico não foge às regras da sociedade nem da Vida.
Cumprimenta