sexta-feira, 6 de maio de 2005

A multidão de Torquemadas

De repente Portugal explodiu em moralismos.
Não há quem não dê a sua opinião sobre comportamentos públicos. Sobre ética política, profissional. Mas também sobre moralidade individual.
Cresce de dia para dia o conjunto de modernos censores, pequenos e quase sempre anónimos Torquemadas que analisam comportamentos, vidas, carreiras, supõem e imaginam as maiores maldades feitas pelos outros à moral pública e aos bons costumes.
A globalização tem destas coisas. Há umas décadas o hábito da maledicência confinava-se às relações de vizinhança. Hoje somos vizinhos de todos, mesmo dos que não conhecemos de parte alguma mas que estão ao alcance de uma censura arremessada com força através de um dos muitos suportes que a podem largamente difundir.
Percorram-se todos, mas todos os jornais, ouçam-se em particular os chamados fóruns dos programas radiofónicos, atente-se no conteúdo dos telejornais, mas faça-se também uma pequena viagem pela blogosfera e perceba-se a dimensão do fenómeno, expressa pelo apetite, pela avidez, pela voracidade de julgar e condenar de preceito.
Foi disto e da oficialização um padrão de moralidade em nome do bem geral que se fizeram a obscuridade e o horror da Inquisição. Que se fez o fascismo.
Confesso que me surpreende ver no meu País tanto desprezo pela liberdade e pelos direitos individuais. E tamanho gozo de tantos pela chacina pública ou pela condenação da diferença de comportamentos ou de opiniões. Confesso que 31 anos depois do fim de um regime que a todos pretendeu “normalizar”, se me afigura estranho como em tão pouco tempo se reintroduziu – modernizada – uma mentalidade persecutória que só se distingue da que sustentou pretéritos períodos de obscurantismo porque existe hoje não uma moral, mas um pluralismo de morais. Porém, todas oficiais…

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