Se tivesse que resumir numa pequena ideia o que se retira do que aconteceu ontem em França, diria que o modo e o ritmo a que se construiu a União dos Estados não pode ser o mesmo a que pretende construir a Europa dos Cidadãos.
Não importa se o que motivou o voto maioritário do Não terão sido outras razões que não as do projecto europeu expresso no Tratado. Não importa especular sobre o papel do Governo francês ou o da Comissão Europeia no empolamento dos descontentes. Importa tão só reconhecer que este não é o tempo, nem o modo para dar mais um passo decisivo na construção europeia.
O sistema de estados europeu tem as suas raízes na Idade Média, afirmou-se decisivamente no século XVI com o falhanço das ambições europeias de Carlos V e consolidou-se com os movimentos nacionalistas do século XIX e XX. Todas as tentativas de construção de uma Europa Unida impostas de cima para baixo, ora através das armas ora de uniões dinásticas, falharam. O que o actual processo de ratificação do TCE representa, desde já, é o anunciado insucesso de uma solução que se pretendia democrática, mas que potencia, pela sua natureza, o risco de dominação burocrática. Tal como as anteriores, de cima para baixo.
Estamos muito longe de concretizar a Europa do mercado único – as reacções proteccionistas à directiva dos serviços ou à salvaguarda do esclerosado modelo social são disso atestado – e muito mais longe estamos da Europa dos Cidadãos. Há uma enorme margem de progressão no actual quadro institucional.
Os calendários definidos quando não se antevia a profunda e prolongada crise em que estão mergulhados alguns dos países europeus e o próprio modelo de desenvolvimento das últimas décadas, subestimaram o potencial de contestação e de reacção. Não querer perceber esta realidade e tentar fugir em frente, poderá, aí sim, constituir um desastre irrecuperável.
É esta mesma reflexão que deveria orientar a estratégia referendária do PS e do PSD. Querer forçar a simultaneidade com as autárquicas é um erro grave que enferma do mesmo autismo e arrogância, agora derrotados em França.
Subscrevo por inteiro as palavras de David Justino, em especial no que respeita à coincidência do referendo com as eleições autárquicas.
ResponderEliminarE identifico-me com quase tudo o que JRA escreveu no comentário anterior (incluindo as dúvidas sobre a autenticidade democrática dos referendos), mas em especial com a leitura que faz do NÃO ignorante. É uma interpretação legítima e assim deveria ser. Se o tratado é importante para o futuro comum, então tem de ser explicado porque o é, debatidos os fundamentos da opção pelo aprofundamento da união política, não bastando os jargões que se têm ouvido (repetidos hoje pelo MNE) de que a opção pelo SIM ou pelo NÃO é uma escolha entre uma Europa Social ou uma Europa mais Liberal; ou de que o Sim signfica a evolução e o Não a paralisia.
Resta-me esta dúvida: se em Portugal a tendência não irá ser mais para o SIM ignorante do que para o NÃO por falta de esclarecimento. E cada vez mais sou levado a crer, face à notória falta de vontande das lideranças partidárias adeptas do SIM em promover um sério debate sobre o tratado, que é nisso que apostam os dirigentes partidários que anunciaram o seu comprometimento com o Sim. E aí estará porventura a explicação para nos forçarem a escolher o presidente da câmara e o da freguesia, ao mesmo tempo que plebiscitamos pouco mais do que o título do documento. Daqui a escassos cinco meses, com dois meses de férias de permeio em que, naturalmente, as pessoas estarão pouco interessadas em ouvir e pensar sobre a Europa.
Alinho na apreciação da vitória do "não", por entender que é a vitória contra a ignorância forçada.
ResponderEliminarEm França, claro. Agora, o que não dizer relativamente a este rincão?
Por outro lado, fazer coincidir o referendo em Portugal com as autárquicas, só lembraria a quem... não tivesse mais nada para lembrar ou queira matar de vez o instituto de referendo. Que, aliás, tal como tem sido utilizado, mais vale que se fine, valha-nos Deus!
Ruben