terça-feira, 13 de setembro de 2005

Sobre a indigitação de Guilherme d´Oliveira Martins para a presidência do Tribunal de Contas

Ouço os ruidosos protestos da oposição pela anunciada indigitação do Dr. Guilherme d´Oliveira Martins para presidente do Tribunal de Contas. Parecem-me injustos para o indigitado. E alguns dos argumentos que se avançam parecem-me absolutamente tontos.
Não aceito que digam sem mais que alguém não é isento para o exercício de uma função desta natureza, pelo facto de ser alinhado com determinado partido e ter exercido cargos de nomeação política, designadamente governamentais, pela mão desse partido. Começa a assumir foros de doença social este anátema permanente que se lança sobre a verticalidade das pessoas, quando não sobre a sua honorabilidade, só pelo facto de militarem ou colaborarem com partidos políticos. Parece que quem é sério e capaz deixa de o ser no exacto nomento em que, no pleno uso da sua liberdade, resolve aderir a um partido ou com ele colaborar mesmo que mantenha formalmente a sua independência, com julgo ser o caso de Oliveira Martins...
Não deixa de ser, aliás, patológico que sejam os próprios partidos políticos a fazer esta crítica, que equivale a afirmar que nas suas fileiras não existem afinal mulheres e homens capazes de exercer, com imparcialidade e seriedade, funções públicas que exijam um especial respeito por estes valores.
Conheço há muitos anos o Dr. Oliveira Martins. Se há coisa que lhe reconheço, para além de uma inteligência e cultura fora do que é comum, é uma honestidade e rectidão comprovadas, um enorme sentido de Estado e uma sólida formação, qualidades necessárias ao desempenho daquelas funções no respeito pelos princípios que o acusam de não ter condições para respeitar.
Acresce que o Dr. Guilherme d´Oliveira Martins é um estudioso e um conhecedor, como poucos, das finanças públicas portuguesas, o que particularmente o habilita para presidir à mais alta instância do controlo financeiro do Estado e das demais entidades públicas.
Agora o que me parece caricato é que se venha dizer que para o tribunal não deve ser nomeado um político mas um juiz!
Nem o combate político explica ou justifica que se ignore o carácter específico deste concreto tribunal, que, claro está, não exclui juizes, mas não obriga nem tão pouco aconselha que a sua presidência seja exercida por magistrado.
Admira-me que esta demagogia fácil - que descredibiliza sobretudo quem a faz, não quem visa descredibilizar - hipnotize ao ponto de não fazer perceber a quem dela faz uso, que para este cargo fundamental para o funcionamento saudável do Estado na medida em que o Tribunal de Contas não julga só da legalidade mas igualmente da economicidade, da eficácia e da eficiência da despesa pública, é mil vezes preferível um político honesto, capaz e competente, do que um juiz cinzento e impreparado.
Finalmente espanta-me esta súbita preocupação veiculada pelos partidos da oposição. São eles que há muitos anos detêm o poder de afastar definitivamente estas suspeições, fazendo com que a lei confira exclusivamente à Assembleia da República, através de uma maioria qualificada, a nomeação do Presidente do Tribunal de Contas.
Vale a pena perguntar porque nunca terão feito uso desse poder?

9 comentários:

  1. Caro JM

    Devo admitir que também concordo com o seu Post. Não conheço o Dr. G. Oliveira Martins fora das relações, meramente, profissionais, mas do que tive oportunidade de conhecer penso que o DJustino tem toda a razão, principalmente na parte em que diz que, o Dr.G. Oliveira Martins é um homem tecnicamente conhecedor.

    No que respeita à adjectivação, menos boa, da classe política bom... Pelos vistos perdi um programa animado do Prós&Contras!

    Ok, agora fora de brincadeiras, sei que é aborrecido, mas é essa a imagem que "todos" têm da classe política. As más impressões pegam sempre muito mais depressa.

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  2. Vão perdoar-me a provocação(e se o próprio me ler que me perdoe), mas este Oliveira Martins não é do mesmo partido que a Fátima Felgueiras?

    Eu não duvido que o senhor em causa seja tudo aquilo que o JMFA afirma e certamente é. Mas quando apareço com uma camisola levo com o bom e com o mau. Acrescento àquilo que sou, aquilo que a camisola representa. E o sentimento que as pessoas têm relativamente aos partidos não é por acaso nem é inventado. Pode ser exagerado, mas há uma base para esse exagero.

    Se a dedicação cívica implica este tipo de exposição humilhante, isso, desculpem lá, é culpa 'vossa' (militantes e políticos) e da defesa intransigente que habitualmente fazem de quem usa a mesma camisola.

    Mas que é uma estupidez pensar que um juíz que não assume uma militância é melhor que alguém que a assume abertamente, isso é.

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  3. Caros senhores:
    Permitam-me que discorde.
    O Tribunal de Contas não é um tribunal político, ou será?!

    O tribunal de Contas está inserido na ordem constitucional que define dos tribunais como órgãos de soberania.
    Enquanto tais, "devem observar a separaçáo e a independência estabelecidas na Constituição"- artº 110 e 111 da CRP.

    A independencia e a isenção são apenas as duas mais importantes características que um juiz, qualquer juiz, deve ter.

    O presidente do tribunal de COntas não é excepção, antes pelo contrário.

    Estarei errado nesta concepção do poder tal como definido na nossa Constituição?

    Reparem que não ponho minimamente em causa a pessoa do indigitado. COmpetência, honestidade, seriedade, não entram aqui em equação.

    Apenas aquelas duas características a que acrescento mais uma - a do bom senso- e que me parece que neste caso também faltou,são relevantes.

    Será isto bizantinice nos tempos que correm?

    Outro assunto: ligado intimamente a esta independência está a circunstância de os juizes não deverem pertencer a "corpos especiais" como a maçonaria ou a opus dei, sem que isso se saiba publicamente. Por motivos óbvios e que obviamente se ligam á mesma independência e isenção.


    Aliás, lembram-se que Jaime Gama um político dito com ligações à maçonaria, disse publicamente que esta entidade deveria publicitar o nome dos seus afiliados que exerçam altos cargos públicos.
    Aplaudo sem reservas.

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  4. Anónimo18:59

    Eis o âmago da questão, meu Caro Pinho Cardão. Sinal dos tempos quando no mercado dos valores a seriedade e a competência de um Homem parecem valer menos do que a circuntância...

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  5. Anónimo19:16

    Caro José:
    Para não ir mais longe nos exemplos - é sempre perigosa a assimilação a situações que só aparentemente são comparáveis -, e para também não sair da mesma área partidária, lembra-se certamente que o Dr. António Vitorino foi juiz do Tribunal Constitucional. Não vai dizer-me, como já muitas vezes ouvi e li, que o Tribunal Constitucional não é um verdeiro Tribunal quando, em sede de fiscalização concreta, sindica a conformidade com a lei das leis das decisões de todos os outros tribunais. Pois bem, como já percebi que o José é jurista e qualificado, conhece certamente alguma da jurisprudência firmada que tem aquele político como autor. Diga-me se surpreende nos acórdãos que o teve como relator essa escravatura aos ditames ou aos interesses do partido de que é reconhecido militante. Ou se essa filiação partidária o diminuiu no papel que desempenhou como juiz.
    Já agora também lhe recordo que o falecido Professor Sousa Franco foi presidente do mesmo Tribunal de Contas. Não era magistrado. E nunca escondeu as suas preferências ideológicas. Não ouvi na circunstância da sua nomeação ou na circunstância da cessação do seu mandato as críticas que agora ouço sobre Oliveira Martins. Ouvi sim, da parte de um presidente de um partido político, então primeiro-ministro, dizer que sobre a sua presidência o Tribunal era uma força de bloqueio. Foi a maior homenagem à independência e isenção de Sousa Franco que alguma vez, em vida, lhe terá sido feita.

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  6. Caro JM Ferreira d´Almeida:

    O tribunal Constitucional é um verdadeiro tribunal, sem dúvida.
    A designação dos juizes é que já não é bem a mesma dos outros tribunais...pois que são designados pela Assembleia da República e cooptados entre eles.
    Entre as garantias de que gozam estão também a independência, a imparcialidade etc.

    A independência pode assim ser vista do lado das garantias do cidadão- como forma de os proteger da tentação do executivo ou de outros poderes, mas também pode e deve ser vista do lado verdadeiro dessa mesma condição e que é a que se liga à imparcialidade e à isenção. O tema é delicadíssimo, claro, e não deve ser tratado de ânimo leve.

    Mas pensemos em particular naquilo que gostaríamos de ter como juiz, se estivéssemos na posição de réu e simultaneamente da de autor...é fácil de perceber a questão.

    Quanto ao A.Vitorino: como jurista pode ser bom.Como político ainda se está para ver. COmo juiz do t. COnstitucional, foi designado pelo PS não foi?! Não é preciso dizer mais nada.
    O problema do t. Constitucional percebe-se muito melhor quando se sabe que há uns anitos, houve interessados que esperavam decisões do tribunal, fazendo as contas às posições políticas presumidas dos seus membros. Se isso é exemplo de um tribunal constitucional que aprecia e julga em abstracto os actos legislativos do governo até percebo e tendo a concordar, pois é uma emanaçáo da AR. Agora, nos casos concretos, mormente de âmbito criminal e que envolvem políticos, aí a situação é muitíssimo delicada.
    Novamente, coloco à sua consideração aquele critério...imagine-se ofendido e autor ao mesmo tempo.

    Quanto ao prof. Sousa Franco: estamos a falar de um professor de Finanças Públicas que foi do PSD da ASDI, que saiu, que fez carreira universitária; que escreveu e mostrou quem o como pensava.
    Há poucos casos em Portugal cuja posição pessoal é garante de imparcialidade, independência de pensamento e acção e autoridade e competência.
    Não compare por favor o prof. Sousa Franco com o agora indigitado Oliveira Martins. Basta ver o perfil de ambos. Basta ouvir o que diz a vox populi.
    O PS de Sócrates, desta vez, parece-me que andou mal.

    Mas pode ser que de uma má moita saia um bom coelho...ahahahaha!

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  7. Anónimo00:11

    Caro José:
    Antes de mais, note que eu não pretendi comparar pessoas, pretendi comparar situações. Ou, se preferir, "circunstâncias" para me aproximar da locução utilizada pelo Pinho Cardão. Referindo-me ao que escreveu, deixe-me dizer-lhe - ainda que pouco interesse tenha para o essencial desta discussão -, que por estranho que lhe possa parecer, o Oliveira Martins também é professor de Finanças Públicas como Sousa Franco o foi (de resto, durante muito tempo, claramente o seu assistente de confiança na Faculdade de Direito de Lisboa); como Sousa Franco também militou e abandonou o PPD; e passou, como ele, pela ASDI. Também tem obra publicada e não pode ser acusado, como Sousa Franco não poderia, de não dizer o que pensa. E finalmente como Sousa Franco se deixou embalar pelos cantos de Guterres, do Senhor Padre Melícias e dos seus agora herdeiros.
    Para poupar um previsível comentário seu ao que acabo de escrever, peço-lhe que entenda que não estou a comparar os méritos dos dois, mas tão somente a equiparar os percursos de vida face ao que atrás escreveu.
    Em segundo lugar, perdoe-me que lhe diga que este seu comentário revela um dos maiores problemas que vem afectando a nossa convivência colectiva: o preconceito. Entre nós analisa-se pelo preconceito, julga-se pelo preconceito.
    A frase que utilizou relativamente ao António Vitorino é reveladora: "foi designado pelo PS não foi?!". Pronto, está contaminado. Mas até pode ser bom jurista como o meu Caro José magnanimemente concede. Mas foi - pecado mortal - designado por um partido! Lá se vai a competência e, logo atrás, o rigor, a isenção, a seriedade porque não se pode ser intelectualmente independente - e profissionalmente sério - quando se é indicado por um partido ou um grupo para exercer funções que exigem estas qualidades.
    Sei que este estigma pegou na sociedade portuguesa. E sei também, por experiência própria, o que é ser julgado por preconceito.
    Ai, como odeio a mulher de César!...
    E já agora, meu Caro José, acredita seriamente que um magistrado, qualquer magistrado, por estatutariamente (dever) ser imparcial e independente, é neutro relativamente às suas convicções, designadamente às suas fés políticas?
    Em quase 23 anos de advocacia, posso garantir-lhe o que o José, de resto, sabe bem: não o é. Nem seria "humano" que o fosse.
    Nem preciso de lhe recordar, de novo, o conselheiro do cachecol na noite da vitória eleitoral do PS. Basta ir à caixinha das nossas experiências pessoais e extrair daí os exemplos que vivemos.
    Não gosto de generalizar a partir de casos concretos. É perigoso, já o escrevi aqui. Mas não resisto a recordar o exemplo do juiz da Boa-Hora que todos nós, os estagiários de então e toda a comunidade de advogados que "faziam" penal, conheciam por condenar à pena máxima admissivel todos os que lhes fossem trazidos pela acusação por terem sido apanhados a consumir uns charros. E todos também conheciam a retórica autoritária da criatura que em introdução às sentenças que ditava, dizia ao arguido que só não lhe aplicava prisão perpétua porque a lei o impedia.
    Esse, meu caro, durou e chegou ao Supremo.
    Também nessa altura, como diz no seu comentário, fazíamos contas aquando da distribuição do processo em que estava implicado o nosso cliente, "rezando" para que o sorteio ditasse o juizo do lado!
    Quer o meu Caro José fazer-me crer que este juiz, por ver na lei consagrada a sua isenção e independência, foi ungido com algum óleo santo aquando da sua investidura no cargo, que o tornou imune às suas convicções políticas? Ou vai dizer-me que as atitudes que a criatura tomava relevavam da sua consciência e não das suas convicções políticas?
    É que política, meu Caro José, não é só a que se faz nos partidos. Muito para além disso. Olhe à sua volta, meu amigo, e vai ver quanta política partidária se faz no dia a dia dos jornais que ao mesmo tempo proclamam a sua independência editorial e a sua imparcialidade mediática.
    Ou, já agora, no dia a dia dos tribunais...
    Agradeço-lhe, como aos demais, o contributo para animar esta agradável conversa.
    A blogosfera vale por ser este aberto espaço de diálogo.
    Onde se faz política.
    Ou não?
    Sentirá por esse facto - por expressar aqui as suas convicções sobre o que é melhor e o que é pior para o País e para a sociedade - o meu Caro José também contaminado e impedido de ocupar no futuro o cargo de presidente de qualquer coisa pública, que reclame pela sua isenção e independência?

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  8. Caro JM Ferreira d´Almeida:

    Disse no comentário anterior que este tema da independência e imparcialidade era muitíssimoo delicado- e é!

    No entanto, parece-me que se pode desbastar de alguma forma essas dificuldades, se se atentarem em algumas regras básicas do senso comum, como também apontei.

    O A. Vitorino, foi indicado para o TC, quando já era um destacado militante do PS e com forte peso nas suas estruturas dirigentes.
    Escusado será lembrar que ainda agora poderia ter sido califa no lugar do califa se o quisesse. Não quis, aparentemente por precisar de ganhar mais do que os míseros mil contos que ganha o PM. Segundo se diz...claro.

    Mas a diferença que vai de uma nomeação de um político de aparelho partidário do PS, para o TC, mesmo que se possa dizer bom jurista, para uma nomeação de um bom jurista que seja simplesmente do PS ou da maçonaria, no caso, como era o Nunes de Almeida, vai uma diferença de tomo!

    Agora, o que fala dos juizes e da sua imparcialidade, será coisa diferente do que são as suas idiossincrasias, onde se inclui o feitio, o carácter e a personalidade. Como muito bem diz, somos HOmens e por isso sentimos e vivemos em sociedade segundo aquilo em que acreditamos e temos como princípios de vida.

    Os casos dos juizes que falou, são legenda e não são tão poucos como isso.
    Mas uma coisa me permito dizer: já convivi com juizes de cariz político diverso e nunca percebi que essas posições pessoais sobre a organização da vida em sociedade, pudesse influenciar decisivamente uma sentença.
    Mas estamos a falar de juizes de carreira e de pessoas cuja nomeação não depende de um partido ou de um grupo oculto ou aberto. Há a lei que é o estatuto e isso é diferente em muito do caso dos juizes que são escolhidos por exemplo para o CSM ( já não falo do STJ, mas também há muito a dizer sobre isso) e também é diferente dos juizes que são escolhidos e nomeados para o TConst., ou agora para o TContas. Estes são escolhidos a dedo pelos directórios partidários ou pelos governos.
    E isso faz a diferença toda.

    Quanto à minhha isenção ou imparcialidade não a poderei julgar: não seria bom juiz em causa própria.Logo, espero que se alguma vez esse problema se colocasse, as pessoas tivessem o bom senso de saber quem sou e o que penso- antes de propor ou nomear.
    Mas estou a salvo deste problema. Costumo dizer que nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio.
    Filosofia marxista, como sabe. Mas na tendência grouchista.

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  9. Anónimo10:01

    Meu Caro José:
    De novo lhe agradeço os seus comentários, cujo alcance agora entendo melhor depois da confissão feita na última frase (brinco, claro...).
    Um dia ainda havemos de debater essa coisa do "bom-senso" e do "senso comum", expressões que me parecem ser extraordinariamente úteis para nos ajudar a dar por explicado muito do que a razão não entende.

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