quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Duplicidades

As pessoas estão confusas e há boas razões para isso. As medidas que o Governo anunciou, mal ou bem, afectam todos os funcionários públicos no seu direito à reforma, no congelamento das progressões e, nos casos especiais, nos regimes específicos de protecção na saúde. Como forma de protesto foi convocada uma greve geral, creio que há uma ou duas semanas. Essa greve teve tão pouco impacto que me lembro de ouvir, pasmada, a TSF (!) dizer logo de manhã que estava tudo a funcionar - escolas, hospitais, repartições de Finanças, tribunais.
Por muito menos - mas mesmo muito menos - o Governo de Durão Barroso teve TRÊS greves gerais em pouco tempo, o que me levou agora a pensar que realmente os funcionários públicos estariam mais conformados com as perspectivas de redução do seu estatuto.
Ora, se os juízes não fizeram greve enquanto funcionários públicos há 15 dias, a que título o fazem agora, e com adesões da ordem dos 100%? Não se quiseram misturar? ou actuam como órgãos de soberania? Em que qualidade se exprimem e porque motivo actuam em bloco, separados dos outros funcionários, cujas corporações, habitualmente tão sensíveis, guardam um prudente silêncio?
A possibilidade de um órgão de soberania fazer greve não é uma questão polémica. Não pode, não tem qualquer sentido. Por isso terá que ser na qualidade de funcionários públicos e, aí, já não será de recusar tal direito, bem como o dever de assegurar os serviços mínimos. Mas era útil que isso fosse claramente esclarecido pelos representantes dos juízes e não deixassem que, da confusão das "vestes" resulte uma desvalorização das duas...

6 comentários:

  1. Só coloco uma questão:

    Ps juizes fizeram ou não fizeram greve?!
    Todos fizeram: dos juizes do STJ aos da primeira instância, a adesão é elevadíssima o que é público e notório, diga o ministro o que disser.

    Então, aceitemos que podem, de facto, fazer greve.
    O argumento aqui não pode ser outro senão o de quem pode, pode!

    O Governo de Pinheiro de Azevedo também fez greve!
    Podia! Claro- e até a fez!

    Onde é que a Constituição ou a lei proibe a greve de órgãos de soberania?!!
    Proíbe aos militares e forças militarizadas, agora aos órgãos de soberania nem poderia, pois seria uma contradição nos termos.

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  2. A vergonha de uma greve deste calibre que nos envergonha por essa Europa fora, cai inteirinha em quem afronta um dos poderes do Estado.

    Quando essa afronta vem de outro desses poderes cuja supeiroridade é afirmada e cujos titulares se referem aos juizes e magistrados como "esses grevistas" e "esses funcionários", temos tudo dito acerca de um governo e de quem o compõem: a ilitaracia mais plana sobre o que são as instituições; para que servem: o significado real da divisão de poderes.

    Quanto ao ministro Alberto Costa, nem é de admirar: pelo que se lê por aí, tentou já em Macau influenciar directamente um juiz de direito no uso das suas funções.
    E por isso foi exonerado do cargo.
    É para mim óbvio que tem da função governativa a ideia de que lhe confere legitimidade para tudo. Até para afrontar os outros poderes!
    É isto próprio de um país civilizado e europeu?!

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  3. Caro José, discordo de si quando diz que os órgãos de sobrenia podem fazer greve simplesmente pela força dos factos - se a fazem, é porque podem. É mais do que discutível, há-de concordar, e esse caminho levar-nos-ia à prepotência dos que, sabendo-se impunes, se permitiriam fazer o que lhes fosse mais conveniente. Quem é que guarda o poder? Seria necessário prever sanções para os órgãos de soberania que fazem greve? O Presidente da República, por exemplo? E ainda podemos considerar o caso dos juízes tanto mais perigoso para a normalidade das instituições quanto não há forma de controlar esse poder - se os Deputados fizessem greve, ou o Governo, o Presidente sempre poderá invocar que as instituições não estão a funcionar regularmente e encontrar fundamento para a dissolução...no limite, mas é assim. Já concordo consigo quanto às críticas que faz sobre o modo desastrado e muito pouco respeitoso com que o assunto foi tratado pelo Governo, tem que haver formas de diálogo entre os diferentes órgãos que não se traduzam em formas de sindicalismo típicas de um lado e imposições de patrão por outro. Será difícil, mas a situação devia exigi-lo, de parte a parte, para se evitar a todo o custo que os juízes se prestem a fazer de "reboque" de outros funcionários mas ao mesmo tempo invocando a sua condição particular de órgão de soberania.Visto de fora, não se vê a diferença e, francamente, ela devia ser nítida.De resto, creio que todo o método adoptado pelo Governo para criar espaço político para as reformas é errado, agressivo e destruidor de uma consideração pública pela Administração que vai levar muito tempo a recompor. Não tardarão a dar com uma mão o que estão a tirar com a outra, mas nessa altura já há muitos estragos a reparar...

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  4. "tem que haver formas de diálogo entre os diferentes órgãos que não se traduzam em formas de sindicalismo típicas de um lado e imposições de patrão por outro."

    Esta frase diz tudo o que é preciso dizer para se entenderem os dados da questão.

    Nem ó governo pode comportar-se como patrão-porque o não é, neste caso.
    Nem o sindicalismo judiciário deveria chegar ao extremo a que chegou.

    De quem é culpa?! Não sei- a opinião pública deve julgar, mas com os dados disponíveis, a condenação dos sindicalistas , "esses grevistas", como disse o ministro, é certa.

    Deveria ser assim?
    Parece-me bem que não.
    O respeito insitucional entre órgãos de soberania que não devem sobrepor-se tem que se medir com cautelas.
    Toda a gente se lembra das guerrilhas intitucionais entre Cavaco e Soares e entre aquele e " as forças de bloqueio".
    E ainda mais lá atrás, entre Sá Carneiro e o general Eanes.
    COnviria lembrar estas coisas pois a história está sempre a repetir-se. E se neste caso não é como comédia, parece uma ópera bufa

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  5. E para não ser incoerente com o que escrevi noutro sítio, acho legítimo que os visados pelas ignomínias constantes do poder político/governamental utilizem também formas de protesto que podem passar pela greve- mesmo que não concorde pessoalmente com ela.
    E acho legítimo que numa "guerra" destas em que a essência das questões passa efectivamente pelo papel do poder judicial, haja alguém que resista, haja alguém que diga não, a uma provável tentativa de cercear um poder que se quer acima de todos independente.
    Se essa não for a intenção deste governo, deverá dizer-se que disfarça muito bem.
    Mas todos sabemos desde o tempo do seminarista Salazar que em política o que parece, é.
    E a "guerra" do poder judicial é justa, pois deveria ser uma "luta popular", sendo uma questão que aproveita a toda uma sociedade democraticamente organizada.

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  6. Se "a essência das questões passa efectivamente pelo papel do poder judicial", então é essa questão que deve ser discutida, mas qual a reivindicação dos juízes nesse campo? Admito que exista, mas que ela aparece completamente obscurecida neste processo, é um facto. Não sei em que é que o poder independente está a ser cerceado ou, dizendo de outro modo: se os juízes não tivessem sido abrangidos pelo aumento da idade da reforma e pela redução de direitos em matéria de assitência na saúde, teriam feito, agora, esta greve? Teriam sequer feito greve? Que não foram tratados com o respeito institucional que lhes é devido, estou completamente de acordo. Mas não haveria outra forma de se fazerem ouvir, quer pelo poder, quer publicamente? Caro José, este é que é o problema a que me referi - os juízes terão certamente muitas e legítimas razões para discutir as suas condições de trabalho, a começar pela confusão legislativa que atira para cima do poder judicial uma culpa na sua execução impossível, em termos que a população possa entender.Mas a verdade é que o que determinou esta luta foi um motivo muito diferente e, a meu ver, em nada sai dignificada ou esclarecida a posição dos juízes. E, se insisto no tema, é porque esta greve me parece muito mais grave do que qualquer outra a que já assistimos e gostava realmente de a compreender.

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