sexta-feira, 11 de novembro de 2005

O PSD e o OE2006

O Pinho Cardão já teve oportunidade de abordar este tema numa nota muito oportuna e certeira. Porém, depois de ouvir os argumentos invocados pelo PSD para justificar o seu voto contra, julgo que será interessante desenvolver mais algumas ideias.

1. Como o Miguel Frasquilho e outros reputados economistas tiveram oportunidade de defender, este OE2006 é “globalmente positivo”. Eu diria que, se o PSD estivesse no Governo e nas actuais circunstâncias, dificilmente faria “globalmente” melhor.

2. O pecado original deste Orçamento não está no seu conteúdo, está na sua exequibilidade. Ou seja, o problema não está na sua qualidade técnica, mas antes na capacidade política do Governo em executar as medidas e em concretizar as metas que se propõe atingir.

3. Eu sei que há outros pecados de menor gravidade, nomeadamente os invocados pelo PSD para votar contra (tributação de pensões, manutenção das opções OTA e TGV, etc.). O problema está em saber se o seu custo político é suficientemente elevado e injustificado para sustentar aquela posição.

4. O PSD tem vindo a demonstrar uma preocupação louvável de “credibilização da política” e de recuperação da confiança do eleitorado perdido nas últimas legislativas. Esse processo de credibilização só é sustentável se forem sustentáveis as suas opções políticas. É fácil cortar a cabeça a dois ou três autarcas a contas com a justiça, para recolher o aplauso da opinião pública. Mais difícil é manter uma estratégia coerente de uma oposição responsável, liberta do espartilho do curto prazo e que estruture uma futura alternativa de governo. A política credibiliza-se por “melhor política”.

5. O PSD teve uma oportunidade única de dar um sinal de responsabilidade subscrevendo o esforço de saneamento financeiro do Estado. Com esse sinal adquiria uma autoridade acrescida para pedir contas ao Governo sobre a execução do OE2006. Não o fazendo o PSD está a imitar a posição irresponsável do PS quando foi oposição ao Governo de Durão Barroso.

6. O PSD poderá invocar sempre o princípio de que a oposição existe para fazer oposição e que a actual maioria nem precisa da sua abstenção para viabilizar o Orçamento. Precisamente por isso, o PSD estava liberto para poder votar em consciência e fazer valer as suas convicções, não o seu oportunismo. A situação do país exige esses sinais e o PSD deveria saber interpretá-la.

Também sei que há outras condicionantes da decisão tomada, nomeadamente a particular composição do grupo parlamentar. Mas é nestas condições que se afirmam os líderes e que vencem as convicções.

15 comentários:

  1. Em perfeita sintonia! Naturalmente, por todos os motivos, ser alguém no/do PSD a escrevê-lo tem outro peso. Espero que não haja nas hostes do PSD nenhuma reacção epidérmica. Julgo que o reparo tem de ser interpretado como uma crítica construtiva. Haverá disposição/sageza para tal?
    Amanhã deixo umas palavras no Adufe.
    Cumprimentos!

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  2. Para ser franco até posso compreender a posição do PSD, mas não posso deixar de pensar que a posição políticamente correcta, inclusivé com vista ao futuro do mesmo enquanto Governo credível, deveria ter sido por uma saudável abstenção... um pouco do género "não como, mas é só porque estou a fazer dieta".

    De qualquer forma, até compreendo que se votasse contra, quanto mais não fosse pelo aumento da despesa!

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  3. Onde é que houve aumento na despesa que eu não dei conta?...

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  4. Anónimo10:42

    Aqui está, meu caro David Justino, um post que eu gostaria de ter escrito.

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  5. Havia uma mensagem a transmitir: "Não há alternativa aos cortes na despesa, 70% dos portugueses estão empenhados nisso!"
    Essa mensagem, política, perdeu-se com a decisão do PSD.
    Em termos práticos, económicos, é irrelevante que o PSD aprove ou deixe de aprovar porque, continuo na minha (desculpa lá, Pinho Cardão), o orçamento não serve para nada enquanto não se removerem os sustentos legais da despesa. E sem mensagem, estes sustentos vão ser muito mais sólidos.

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  6. Concordo inteiramente com o texto! A argumentação apresentada pelo PSD para votar contra é ténue e mal explicada. Este voto não se pode basear na Ota e no TGV quando as verbas inscritas destinam-se, unicamente, para a realização de estudos - precisamente o que tem faltado!
    Provavelmente, o PSD não faria um orçamento muito diferente. Embora o PSD tenha enfrentado uma oposição muito mais feroz, na verdade não foi muito longe na realização de cortes. Por isso, acho que a abstenção poderia dar uma maior autoridade moral e política ao PSD logo no curto prazo, na discussão na especialidade, mas também a médio prazo - quando se acompanhar a execução do orçamento, onde haverá imensas dificuldades e a mais longo prazo, na discussão dos próximos OE - onde o PSD deverá aparecer melhor preparado para apresentar propostas que configurem um rumo alternativo de política orçamental, que permita uma redução de despesa mais agressiva e uma menor intervenção estatal.

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  7. Notem que eu não percebo nada disto, por isso desculpem lá se eu fizer perguntas estranhas.

    Eu percebo, lindamente, a parte do «não há alternativa aos cortes na despesa». Mas a minha pergunta é, se cortando num lado não vai haver aumentos noutro. O meu racíocinio é um bocado simplório neste aspecto, mas se a economia são as pessoas, eu vejo as coisas assim:

    Versão 1
    cortes despesa = > desemprego = + desempregados = + Subsídio de desemprego = + Despesa para a Segurança Social

    Versão 2
    cortes despesa = > desemprego = + desempregados = -pessoas a pagar impostos = -receitas para o estado

    Versão 3
    cortes despesa = > desemprego = + desempregados = + carga fiscal para os empregados = + insatisfação

    Versão 4
    cortes despesa = > desemprego = + desempregados = - trabalho = + desocupação = + problemas sociais = + insatisfação

    Enfim e podia continuar aqui a fazer combinações a tarde inteira porque o resultado seria, invariavelmente, o mesmo. Eu não só não sou contra os cortes na despesa, como também acho que o estado deve ser menos interventivo, mas têm de ser criadas condições que favoreçam a deslocação das pessoas afectadas para outras áreas de actividade. Caso contrário, se optam por uma ruptura repentina, vão ficar com uma montanha de gente nas mãos que não produz nada, mas que de uma forma ou de outra, continua a gastar o dinheiro do Estado.

    Mais, quanto maior for o grau de agressividade da política seguida, maior é o grau de insatisfação social e quando se atingem níveis elevados de insatisfação social o resultado costuma ser «bad news» para o estado. E não há nada pior do que ter a populaça insatisfeita acampada à porta das instituições... quer dizer, por acaso até há coisas piores do que ter a populaça insatisfeita acampada no jardim.

    E o que é que isto tem a ver com o OE? Não faço a menor ideia, mas as pessoas não são números e se só tiram, sem lhes dar nada troca, só o poderão fazer até um determinado ponto.

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  8. Anthrax:

    Em termos estáticos, não é substancialmente diferente pagar subsídios de desemprego ou estar a pagar a quem destrói valor(ontem fiz umas contas na educação que pode consultar no tonibler.blogspot.com, chocante!) com a desculpa de estar a produzir. É, aliás, a mesma coisa.
    A diferença está no momentum que é gerado. Uma pessoa empregada a destruir valor tem a espectativa de passar o resto da vida a destruir valor e, pior, cada vez mais. Uma pessoa desempregada, pega na trouxa e vai desenrascar-se. Portanto, primeiro há um horizonte temporal para gastar dinheiro e, segundo, há mais um na rua a fazer pela vida.

    Assim:
    - Despesa para a segurança social, sim. Tem o estado que entrar com o dinheiro;
    - Menos receitas para o estado, sim, e menos despesa a prazo;
    - Insatisfação, claramente. Mas também temos a satisfação dos outros 9500000 para pensar;
    - Carga fiscal, não. Faça-se a coisa bem feita, considere-se um projecto isolado e emita-se dívida que é para isso que serve, não é para cobrir deficits;
    - Problemas sociais. Sim,talvez.

    Isto a vermos como despedimentos. Isto como solução final.
    E fundamental é estar preparado para ir para a solução final. Claro que entre o branco e o preto há muitos cinzentos.
    Lembra-se do problema RTP há uns anos. O Moraes Sarmento estava pronto a fechar aquela porcaria. Resolveu-se ou não? Porque havia alguém com a solução final e pronto a ir para o preto. Quantos anos andámos com cinzentos e a coisa cada vez pior?
    Por isso era importante a mensagem que os partidos capazes de governar estavam unidos na disposição de ir para a solução final. Estou quase certo que se atingiria um nível intermédio em que a coisa seria muito mais 'soft', mas se não fosse possível teria que haver a disposição de ir até ao fim.
    Se calhar se colocassem a hipótese de reduções salariais contra despedimentos...

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  9. Caro Tonibler, vá mais devagarinho que eu não sou da área!

    Do ponto de vista do pagar subsídios para não fazer nada, ou pagar salários a quem destrói valor, se calhar é capaz de ser menos dispendioso pagar para não se fazer nada. Não sei. Mas no que respeita à educação, ainda não passei pelo seu blog mas vou passar, percebo o que está a dizer. De facto, a educação é tipo esponja, absorve tudo e não há melhoras.

    Relativamente à oportunidade do momento e ao desempregado pegar na trouxita e ir brincar para outro lado, também percebi. Mas o que me está a fazer alguma "espécie" é que é, exactamente, aí onde eu queria chegar. Isto é, tirar mas dar alguma coisa em troca e o "alguma coisa em troca" é criar as condições para que possam, por eles próprios, criar algum valor. Só que ninguém vai querer criar qualquer tipo de valor se a política fiscal continuar como está. E aqui não só percebo porque é que o Miguel Frasquilho é adepto do modelo irlandês, como também concordo com ele e mais, também percebo porque é que o objectivo principal das empresas portuguesas é fugir aos impostos e porque é que a situação do trabalho é precária.

    Se calhar se colocassem a questão de reduzir o salário das pessoas, eram muito mais honestos. Porque isso é o que está, efectivamente, a acontecer e por muita confusão que isso pudesse vir a dar, a verdade é que se calhar haveria também muita gente que não se importaria de trabalhar a part-time. Agora, sem colocar abertamente essa questão, não se vai saber e dizer "vamos reduzir o vosso salário, mas trabalham as mesmas horas" também está fora de questão.

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  10. Anthrax:

    Nada pode estar fora de questão, a não ser que colocamos o país inteiro em questão.

    Quando isto era escudos, as contas eram o maior granel. Emitiamos mais escudos para tapar buracos, o escudo passava a valer menos e todos passávamos a receber menos pelas mesmas horas. E vivíamos pobretes e alegretes. Era o imposto 'de sermos burros', caía a todos. No fundo, se não produzíamos, valíamos menos e tínhamos muitos escudos mas que não valiam grande coisa.

    Agora não temos escudos. Se não produzimos, valemos menos. Como não podemos andar a imprimir notas de 20 euros (não podemos??? se calhar....) à doida, ficamos todos com menos euros do que tínhamos antes. A questão com a despesa é mesmo essa, se há 49% da economia que continua a receber a mesma coisa, ou mais, os outros 51% levam com a cacetada. E o pior, é que são os outros 51% que aguentam estes 49%. Quer isto dizer que estamos em colapso, quem não produz recebe cada vez mais e quem produz cada vez menos, e isto em ciclo.

    Logo, não estamos exactamente para mariquices. Claro que podemos ver as alternativas.

    Damos esta porcaria aos espanhóis, metemos o João Jardim como presidente vitalício a morder-lhes as canelas para nos darem dinheiro e tornamo-nos todos funcionários públicos.

    Vamos todos para Barcelona e voltamos cá no Verão para ir até à praia e para os bailes a dançar o 'apita o combio'

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  11. Ok Tonibler, creio que compreendi a primeira frase e os dois parágrafos que se lhe seguem e acho que concordo com o que diz.

    Também acho que não há, propriamente, margem para mariquices. Mas eu sou mais apologista do "ver as alternativas". Por isso a minha pergunta é mesmo essa, sabendo que o problema é grave, quais são as alternativas? Eu não sei qual é a resposta, nem qual é o caminho para encetarmos um caminho ascendente outra vez. Mas sei que não gostaria de estar na pele da figura que tiver de fazer esse trabalho, porque seja quem for e de que quadrante político for, vai ser massacrado. Por isso é que eu gosto de ser um mero técnico :), o máximo que me pode acontecer é ir parar ao fundo de desemprego também.

    Quanto ao darmos o país aos castelhanos, bom... não me parece. Dar não. Vender e talvez fosse possível fazer 30% desconto por causa da proximidade geográfica e porque somos simpáticos. Já no que respeita ao funcionalismo público, poder-lhe-ia responder que é melhor não que isso é muito mau, mas se formos para o privado é a mesma coisa. Não há escapatória.

    Credo!! Mas que perspectiva tão cataclísmica!... Alguém poderia dizer que há uma luz ao fundo do túnel e que, de preferência, não seja um combóio?

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  12. Anthrax:

    Fugir aos impostos, recusar facturas, pedir orçamentos sem iva, comprar os cigarros em espanha, isto é uma alternativa. Não há dinheiro, não há palhaços.

    Ah, pôr o Banco de Portugal a falsificar euros, também não é mal visto. Pelo menos servia para alguma coisa...:)
    Lembra-se quando lhe disse que 20% dos licenciados darem à sola, não era assim uma notícia tão má? Não é, até é boa. Quer dizer que ainda há 80% de otários que ficam. Mas já estou a convencer-me que os meus filhos virão visitar o pai 'à terra' e que Carcavelos terá a sua Festa do Imigrante em Agosto...
    Baixar os salários aos funcionários públicos parece-lhe agora tão mau?

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  13. David Justino, percebo bem o que diz no seu post e acho que a dúvida sobre a melhor forma de proceder neste caso é legítima, mas discordo consigo quando diz que se o PSD tivesse votado a favor dava um sinal de credibilidade poítica. Não dava, na minha opinião, porque ficava completamente manietado para no futuro abrir a boca sobre o modo como o orçamento vai ser executado e subscrevia como boas as medidas com que não concordámos, como o aumento de impostos, a Ota e o fim das vantagens fiscais dos aposentados "ricos" (!!). Além disso não houve a mínima vontade política do PS para acertar posições, seria um "adesão" pura e simples que nos deixaria enfeudados e ai, sim, sem qualquer credibilidade sempre que nos atrevêssemos a a qualquer crítica. A posição do PSD sobre a despesa pública e as reformas que há a fazer não precisam de mais afirmações, o PS é que veio agora converter-se e ainda acha que devíamos era ter feito mais. Porquê credibilizar com o nosso voto quem tem todas as condições para provar sozinho? Quanto aos estudos da OTA, pelos vistos há os suficientes para fazer vários CD, com 20 anos de meditação, para que são mais estudos? Compreendo assim a sua dúvida e os seua argumentos, mas não o acompanho na conclusão sobre o significado político do voto contra.

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  14. David Justino, tem razão quando diz que não falou em votar a favor, eu é que não reparei e peço desculpa do lapso. Mas não vejo grande diferença, quanto ao sinal político, entre isso e a abstenção. Pelo contrário, se estávamos de acordo, devíamos dizê-lo com clareza. Se não, também. A abstenção, salvo se for importante para o resultado final da votação, não quer dizer coisa nenhuma. Por isso defendo a decisão que se tomou. E lembro-me bem dos casos que referiu e que, precisamente, ilustram bem a diferença das situações. O facto de não se ter viabilizado aqueles orçamentos com uma abstenção gerou uma enorme crise política, com a história do queijo limiano, ainda que o PS não tivesse dado alternativa exactamente porque contava com o nosso compromisso por omissão. A abstenção comprometia-nos tanto quanto o voto a favor, o resultado prático era o mesmo. E no tempo de Marcelo estava em causa uma matéria determinante para o futuro, que não se repetia no próximo orçamento e que não deixava margem para dúvidas. Foi uma decisão responsável e imprescindível para a adesão à moeda única.Agora, pelo contrário, o PS não precisa da aprovação do PSD, ou da sua abstenção, para nada, a não ser para nos tirar espaço de intervenção no futuro. Tem a maioria absoluta, ataca frontalmente o que o PSD fez e que abriu caminho para agora poderem agir, diz que fizémos pouco quando dizia que era um excesso. Nem nunca ouvi do PS uma palavra de moderação, quanto mais de apoio, e quantas vezes tinha sido politicamente essencial para atenuar a tal crispação de que se falou. O OE/2005 foi aprovado sem cedências do PS , nem sequer ao nível do discurso, e sem fragilidades que desculpem uma má execução, para isso são as maiorias absolutas.Oxalá o façam, ficamos todos a ganhar. Cabe ao PSD continuar a credibilizar a política de mãos livres, caso a caso, sem abstenção.

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  15. Sobre esta questão duas reflexões n´O Reformista.

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