sábado, 14 de janeiro de 2006

A verdade e a mancha

É verdade que a PGR, no uso das suas competências, pediu à PT a discriminação da factura de telefone de uma pessoa investigada no âmbito de um processo.
É verdade que a PT forneceu umas disquetes contendo a informação pretendida, a qual estaria misturada com muitos outros registos.
Parece ser verdade que os registos não solicitados, mas agrupados no mesmo suporte, foram previamente “blindados”.
É verdade que os telefones dos membros do Governo e de outros órgãos de soberania são desde logo considerados confidenciais, pelo que faz todo o sentido que as tais listagens fornecidas incluíssem um grupo de telefones tratados da mesma maneira.
É verdade que as listas publicadas só incluem pessoas cujos telefones estavam nessas condições, por os seus titulares se encontrarem nas funções que o determinavam.
É verdade que é profundamente ridículo admitir que Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal, o próprio Procurador Geral, vários Ministros e Secretários de Estado das mais variadas pastas e Governos estivessem a ser alvo fosse de que suspeitas fossem no âmbito do referido processo.
É verdade que as ditas disquetes foram parar a um jornal sensacionalista.
É verdade que a informação que estaria oculta foi, algures neste caminho, desvendada e publicitada.
É verdade que o que foi publicitado não tem, em si mesmo, qualquer significado, é uma espécie de lista telefónica disparatada que revela que o telefone é um instrumento utilizado por todos.
É verdade que tudo isto produziu um escândalo total quando não deveria ter merecido mais do que um gesto de impaciência perante o absurdo que a notícia pretendia insinuar e um forte castigo sobre quem terá entregue o material ao jornal violando os seus deveres profissionais.
É verdade que deveria ter havido um clamor de repúdio sobre a atitude do jornal.
Mas também é verdade que vivemos um clima de suspeição doentia, que raia o irracional, em relação aos titulares de quaisquer cargos públicos, sejam eles de que natureza forem, sem poupar ninguém. Sem esse clima, a notícia de hoje teria apenas merecido uma forte censura a um tipo de jornalismo que se alimenta disto mesmo – da desconfiança cega, do desrespeito pronto, da falta de credibilidade alimentada, acrescentada, muitas vezes mistificada.
Está na altura de ganharmos algum juízo e, de uma vez por todas, medir bem as palavras quando se trata de fazer juízos de valor precipitados – sobre pessoas e instituições. Porque a vergonha recai sobre todos e causa muitos danos, mesmo que se continue a teimar em fingir que a imagem se limpa com o rolar precipitado de algumas cabeças mais a jeito.
Não limpa, a mancha fica sempre. Sobre as pessoas, sobre os cargos, sobre o País.

10 comentários:

  1. a mim parece-me que se está claramente a tentar afastar Souto Moura.Como já anteriormente já se tinha tentado afastar o dito cujo ,a propósito de Jorge coelho e foi Jorge Sampaio que o segurou.Parece que o "envelope 9"foi "soprado ",ainda por cima para um jornal sem escrupulos.não me admirava que esse "envelope"tivesse sido oferecido ao resto das redacções.Mas a mensagem que foi dada a Jorge "Apelos" Sampaio parece que foi :"eh pá,não vale a pena estares a seguras o homem que ele tambem te anda a escutar".ao ver a primeira página de hoje do Expresso,parece que tenho razão e que a sua vida como PGR chegou ao fim....

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  2. Obviamente que o objectivo é afastar Sousto Moura.

    As escutas sobre os sobreiros não tinham incomodado ninguém...

    Torci-me todo ontem quando um comentador invocou o "savoir fair" de Cunha Rodrigues. Não me consigo lembrar de nenhum processo no tempo de Cunha Rodrigues que tenha chegado a tribunal (facturas falsas,UGT,etc.). Apenas o dono da Oliva que não tinha conseguido pagar as contribuições da Segurança Social dos seus empregados.

    Souto Moura pode não ser um bom relações públicas mas é alguém em quem eu acredito estar ao serviço da justiça e não dos interesses.

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  3. Tanta confusão por causa dos filtros do Excel... :-)

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  4. Só lembrar uma coisa. Com filtros, ou sem filtros, o Excel aguenta 65535 linhas. Como estamos a falar de chamadas, o ficheiro só pode corresponder a um conjunto limitado de utentes previamente seleccionados.
    Não me venham dizer que estava lá tudo e, depois, filtraram. Tudo não estava certamente.

    A questão central de tudo isto é mesmo aquilo que escreve djustino. Toda a gente sabe o que está nas pastas secretas.

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  5. Meu caro djustino:

    concordo inteiramente consigo! O problema está na fonte.

    Sabe quem teve acesso ás disquetes ( se forem disquetes...o que ainda nem é muito seguro. O que é seguro é que o 24 Horas fala em disquetes)? Para além dos magistrados que instruiram o processo, foram apenas dois advogados, um deles Ricardo Sá Fernandes.

    Este já disse que precisou de contratar um "perito informático" para descodificar o que lá vinha.
    Parece-me óbvia, uma coisa:

    A quem aproveita esta fonte? Ou melhor, a quem aproveitou esta barafunda?!
    Ao PGR? Por amor de deus, djustino!

    Quanto ao que diz sobre o controlo que o PGR faz ou não faz:

    A questão é mais complexa do que parece. Porém, o que tenho visto escrito e tenho comentado, sempre com intuito de esclarecer um outro lado desse problema ( e é o que faço mais uma vez) é sempre no sentido de se atribuir uma responsabilidade objectiva, quando não pode ser assim.

    Os poderes do Estado,no que se refere ao sistema de aplicação de Justiça pelos Tribunais, não desembocam todos no PGR, ao contrário do que muitos pensam.
    No que se refere ás escutas e até a este pedido de consulta de listas de telefones de um arguido ( é disso que se trata, não haja confusões) o que é que o PGR SOuto Moura tem a ver?
    Pode dizer-se que avocou o processo em determinada altura ( no final, parece-me), mas ainda assim ficam por determinar as responsabilidades de quem pediu, obteve e controlou na altura ( 2003) esse pedido concreto que se efectuou antes das prisões que se efectuaram.
    O papel do juiz de Instrução é muito relevante nesse assunto.
    Dizer que o JIC errou como muitos (ligados á defesa) dizem, pouco adianta. Por mim, pelo que me foi dado ler, não errou. Aplicou a lei existente e que depois ( só depois) foi mudada, o que significa que continha a interpretação que lhe foi dada e nunca tinha sido antes contestada.

    O PGR na nossa legislação - Constituição, leis ordinárias processuais penais e estatutárias do MP- não tem os poderes de direcção que alguns pensam que tem.
    Há quem o conteste, mas o facto é que o sistema foi gizado por algumas altas craveiras da nossa universidade- Figueiredo Dias e Costa Andrade que nem são propriamente do PS ou do PCP...e continuam a dizer a quem quiser ouvir que o sistema é o melhor que se pode conseguir.

    Por outro lado, para discutir estes asuntos com toda a propriedade não basta falar como o faz o advogado Proença de Carvalho que afirma uns princípios de subordinação entre os magistrados ao poder executivo, sem resolver os problemas teórico-práticos que isso levanta. Será preciso uma revisão constitucional para os resolver.
    Alguém está ciente disto?
    Por outro lado, se o problema tem exclusivamente a ver com as escutas telefónicas e a revelação do seu conteúdo, é bom de ver que uma subordinação da magistratura do MP ao executivo não vai resolver nada e até vai complicar mais ainda:
    basta pensar no interesse que um ou outro político poderão então manifestar por portas travessas a que certas coisas se saibam e outras não.

    Será isto fantasia?

    Não é djustino. E porém, poucas pessoas que defendem a mudança de paradigma falam nisto.
    Querem abrir outra caixa de Pandora?
    Help yourself! Depois não venham dizer que se enganaram...

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  6. Nem SOuto Moura controla o MP,nem Cunha Rodrigues controlou totalmente, embora no caso do fax de Macau, haja suspeitas de que pode ter acontecido uma tentativa de controlo da investigação ,através dos porreirismos do costume. Quem o diz, é Rui Mateus, não sou eu. E ele sabe do que fala...

    Logo, o próximo PGR que vier com ideias de controlo, vai ter de mudar muita coisa.
    No fundo, vai ter de fazer aquilo que o PS andaa fazer: colocar nos centros de poder quem lhe pode fazer o frete sempre que for preciso. Just in case.

    É isso que se pretende, caro djustino?

    A democracia suporta bem estas coisas?

    Os magistrados podem ser responsabilizados pelas asneiras graves que cometam. Podem ser responsabilizados pela hierarquia e pelos intervenientes processuais.
    O que não pode ser alvo de responsabilização alguma é se em casos de crimes públicosgraves, quem detiver o poder de investigar, o náo fizer por conveniências várias.
    Fazê-lo, ou seja, investigar segundo as regras, é um dever. Não o fazer, é um crime- de denegação de justiça.

    Custa-me muitas vezes ler certas interpretações. Fazem-me crer que será preferível a anomia do deixa andar, do que a investigação da corrupção e da minagem do apareçho de Estado por interesses que levam as obras públicas a custarem sempre mais do que se previu no início. Muito mais.
    E custa-me ver a condescendência para com algumas pessoas que a evidência não deixa esconder serão suspeitas de algo que deveria ser inadmissível.
    V. saberá certamente que me refiro ao caso Isaltino e outros.

    É socialmente insuportável que a história seja a que foi contada e tudo fique como dantes.
    O problema pode até nem ser do foro criminal, mas é certamente do foro social.
    Um presidente de Cãmara ganha no máximo, por mês, 800 contos, caro djustino. Vá lá, acumulando com o cargo em empresas municipais ( o que já é uma coisa questionável) pode ir até aos 1200.
    Chega para fazer fortunas?!
    E pode permitir-se socialmente tal coisa?

    Na Irlanda permite-se? Na Espanha? Na Alemanha?
    Até na Itália, fora dos circuitos mafiosos?!!

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  7. Caro josé.

    Quantos tiveram acesso aos ficheiros? 10, 20? Se o ministério público não consegue solucionar este "grande mistério" que é saber quem meteu os ficheiros na mão dos jornais, estamos a falar de corrupção, autarcas, democracia porquê??? Parece-me muito para lá das reais capacidades do sistema...

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  8. Caro djustino:

    Não ponho a mão no fogo por nenhum dos meus colegas que fazem (?)investigação criminal. Não quero nem posso.

    Mas sei como se fazem algumas coisas-porque as fiz. E estão disponíveis para análise pública. Foram apreciadas e valoradas pelas inspecções do MP e se quer saber a minha honesta, sincera e particular opinião digo-lhe que estou muito céptico quanto à qualidade do serviço de Justiça, incluindo a penal.
    Paradoxalmente, julgo que nunca esteve melhor, o que é dizer muito.
    Explico: no tempo da invstigação do processo das FP25, acho que as violações de direitos, liberdades e garantias foram de tal ordem que um qualquer advogado do crime, hoje em dia, não teria dificuldade de maior em obter uma anulação formal de todo o processado. Aliás, esse processo acabou como acabou, precisamente por causa do sistema vergonhoso herdado do velho regime e desadaptado à democracia da III República e sua COnstituição.

    Hoje em dia, acho que a lei se cumpre. Melhor que nunca. Só que a lei está pejada de tais filtros por causa dos direitos e liberdades que se acaba sempre por protelar uma decisão de fundo e de mérito, definitiva, por causa essencialmente do sistema de recursos possíveis ( e imaginários).
    Esse fenómeno associado à dificuldade em se proceder a uma investigação verdadeiramente profissional e que por isso não se baseie essencialente em escutas telefónias e buscas a eito e muitas vezes sem sentido, leva ao descrédito que está à vista.
    Não costumo atribuir as culpas do mau funcionamento do sistema aos operadores do mesmo ( polícias e MP, no caso do crime) por causa de saber que as leis existentes, são efectivamente o óbice principal ao bom funcionamento. Emperram o andamento processual e impedem a celeridade logo depois de acabada a investigaçáo inicial.
    Basta um simples problema de definição de competência territorial ( saber em que tribunal deve correr determinado processo) para que o assunto demore meses e meses a resolver. Incompreensivelmente, até para mim que verifico in loco, o problema.
    Se me fala de um processo concreto sobre um seu amigo, nada posso dizer. Não conheço o assunto senão pelos jornais. E o que tenho comentado, mesmo por isso, diz respeito à demora na investigação que parece que correu mal e amadoristicamente.
    E mesmo assim, a impressão que fica, para mim, nem é do foro criminal, como escrevi acima.
    Mas falar sobre isso, seria outro postal..

    Assim, pergunta-me se há avaliação do desempenho dos magistrados. Há. Mas não é boa.
    Explico:
    O magistrado do MP ( e juizes é igual) é avaliado por inspecções ao serviço, teoricamente de três em três anos. Não acontece assim. UM indivíduo com vinte anos de experiênca ( o meu caso, quase) é inspeccionado três vezes ou quatro. Logo, o gap entre inspecções é enorme.
    Em que consistem as inspecções?
    Na análise de todos os processos relativos aos últimos três anos ( et pour cause). Análise minuciosa, atenta e perspicaz. Os inspectores têm geralmente muita experiência; são sabedores e conhecem a natureza humana. Os que eu conheço, conhecem...
    Percebem logo muito bem quem é bom e quem é assim assim e quem nem aí chega. Aliás, todos nós o sabemos. E os advogados que conosco trabalham idem. Porém, ser bom na profissão tem os seus quês. Bom tecnicamente é uma coisa. BOm em trabalho efectivo e constante, ou seja, produtividade, pode ser outra.
    O problema é o da justiça relativa. O leque de classificações vai do medíocre ( muito raro) ao Muito bom ( não tão raro como deveria ser),passando pelo Suficiente e pelo BOm e BOm com distinção.
    Adivinhe agora como é que alguém que antes teve nota de mérito ( bom com distinção ou muito bom) vai ser classificado na inspecção seguinte, se mantiver o ritmo ( o que é o normal): Muito bom, claro!
    Para mim, está mal. Mas não me queixo...

    Agora, indo ao fundo da questão da produtividade:
    Esta avalia-se mês a mês e não são os inspectores quem a avaliam. São os procuradores, na primeira instâcia e são os procuradores gerais adjuntos na segunda instância, embora neste caso, seja mais teórico que outra coisa.
    Na primeira instância,pelo menos isso faz-se pelo envio estatístico rigoroso, mensal acerca dos processos entrados e dos acabados, com indicação de espécies e daqueles que excedem o tempo normal de instrução e as razões para tal.
    Neste aspecto o sistema funciona bem, pelo menos em todos os sítios por onde passei.
    Assim, se um "delegado" ( agora chama-se procurador adjunto) tem 50 inquéritos a entrar todos os meses e em pendentes o triplo disso ( números ideais), todos os meses terá que acabar com 50 processos se não quiser ver aumentar a pendência.
    Se isso acontecer e tiver mais meia dúzia de colegas que cumprem, o procurador irá saber o que aconteceu.
    Assim, o método de controlo é eficaz.
    Mas só na aparência.
    O problema maior prende-se com a investigação propriamente dita.
    Os inquéritos não são todos iguais e enquanto pode haver cerca de 1/3 que são relativos a furtos contra incertos que são arquivados liminarmente, há outros processos cuja investigação pode ser deferida à PJ. É o caso dos mais graves e que ficam na polícia sem controlo algum a não ser um lacónico ofício de três em três meses a dizer que ainda está a ser investigado.

    É aqui, nesta zona de sombra que os problemas graves aparecem. Em todos os lados.

    E como já vai longa esta explicação, fico por aqui.
    Disponha. Cumprimentos.

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  9. A quem aproveita esta barafunda?
    Na minha modesta opinião, aproveita, em primeiro lugar, aos senhores indiciados no processo "Casa Pia", logo, aos advogados que os defendem e vão fazendo o que podem para descredibilizar, mais um pouco, a fragilizada Justiça. Veja-se como surgiram, mais uma vez, os nomes de Sá Fernandes e Jorge van Krieken.
    Em segundo lugar, aproveita a quem quer afastar Souto Moura, enquanto é tempo.

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